A suspeita de que um assassino em série estaria agindo na capital, vitimando jovens entre 13 a 17 anos, ganhou repercussão por meio das mídias digitais, espalhando pânico entre mulheres. A sensação de insegurança tem alterado o hábito de goianienses

Medo é o sentimento predominante em boa parte da população, principalmente mulheres
Medo é o sentimento predominante em boa parte da população, principalmente mulheres

Frederico Vitor

As características são as mesmas: um homem numa motocicleta pre­­ta de capacete igualmente escuro aborda uma mu­lher jovem, pede o aparelho ce­lu­lar, não conclui o suposto as­salto e, impiedosamente, atira contra a vítima. Seriam pelo me­nos sete casos como estes registrados na Grande Goiânia desde março até a sexta-feira, 20. Um boato disseminado pelo What­sapp, um aplicativo de mensagens instantâneas para smartphones, tem espalhado medo entre mulheres da capital. Uma gravação afirma que haveria um assassino em série (serial killer) à solta na cidade vitimando jovens entre 17 e 27 anos.

De fato há uma cadeia de crimes a reforçar tal tese, que é negada pela Polícia Civil, por meio da Delegacia de investigação de Homicídios (DIH). A morte da assessora parlamentar Ana Maria Victor Duarte, de 26 anos, assassinada em frente a uma lanchonete na Rua T-64, no Setor Bela Vista, bairro nobre de Goiânia, foi a primeira ocorrência do tipo. Até hoje a polícia ainda não apresentou nenhum suspeito nem deu pistas das motivações que levaram a morte da filha do ex-promotor de Justiça Uigvan Pereira Duarte.

No segundo caso, ocorrido na noite do dia 8 de maio, Janaína Nicácio, de 24 anos, foi assassinado com um tiro na nuca, em um bar no setor Jardim América, por um homem também numa moto preta. Na mesma noite, ao ser abordada por um motociclista — também numa moto preta —, Bruna Gleycielle de Sousa Gonçalves, 27 anos, foi morta com um tiro no peito, quando aguardava ônibus em um ponto na Avenida T-9, no Setor Bueno. Segundo testemunhas, o suspeito disparou no momento em que a mulher foi pegar o aparelho na bolsa.

No dia 23 de março, Carla Barbosa Araújo foi morta com um tiro no peito, numa suposta tentativa de assalto. O assassino que estava numa moto preta, abordou a vítima numa via do Setor Sudoeste, ordenando-a que ela entregasse o aparelho celular. Ao dizer que não portava nenhum telefone móvel, o suspeito disparou contra a jovem de 15 anos, na frente de sua irmã, que a acompanhava no momento do crime.

No dia 1º deste mês, outra adolescente de 15 anos foi morta a tiros no Setor São José, região de Campinas, também numa suposta tentativa de assalto. Isadora Aparecida Cândida dos Reis entrou na estatística de homicídios ocorridos na capital numa situação semelhante à de outras jovens anteriormente mencionadas: mesmo entregando ou fazendo menção de que entregariam os pertences, foram baleadas fatalmente por um suposto assaltante numa motocicleta preta. Neste caso, a jovem estava acompanhada do namorado, que relatou aos policiais militares que atenderam a ocorrência como a jovem foi morta. Ele contou que o assaltante pediu o celular da vítima e, no ato da entrega, o aparelho caiu no chão, quando o assassino agarrou um dos braços da jovem disparando em seguida. O tiro atingiu as costas de Isadora, matando-a antes da chegada do socorro.

No entardecer do dia 15 deste mês, duas adolescentes, uma de 13 e outra de 17 anos, foram assassinadas em bairros diferentes de Goiânia, com características semelhantes: execuções consumadas por suspeitos que pilotavam motocicletas. A jovem de 17 anos (que estava grávida de cinco meses) estava acompanhada do namorado. O casal foi abordado na Rua 3, no Centro da capital. Um homem descue de uma motocicleta preta e disparou contra o peito da adolescente. No outro fato, transcorrido no mesmo dia, numa praça do Bairro Goyá, a jovem de 13 anos foi mor­ta a tiros por um homem que pilotava uma motocicleta, só que dessa vez de cor vermelha.

Mulheres relatam temor de circular pela cidade

artigo_jose maria e silva.qxdA capital goiana, apesar de porte média com cerca de 1,3 milhão de habitantes e 2 milhões em sua região metropolitana, sempre foi reconhecida como uma cidade de ar interiorano, ou seja, sinônimo de tranquilidade e paz. Mas, o que se observa é que esta aura de calmaria não é mais a mesma. Salta aos olhos a quantidade de estabelecimentos comerciais guarnecidos por seguranças, muitas vezes armados.

Grades de ferros, câmeras e cercas elétricas têm alterado de for­ma agressiva a arquitetura de casas, prédios e demais edificações da cidade. Nem mesmo os tradicionais “pit dogs”, sanduicherias e lanchonetes muito características da cidade, fogem à regra. Tornou-se comum tais pontos comerciais se cercarem com grades e demais artifícios de segurança.

Em meio a esta atmosfera de pânico causado pela escalada da violência, juntamente com as cobranças de reação por parte da população em relação às autoridades de segurança pública no Estado, a Polícia Militar (PM) tem intensificado as abordagens a motociclistas que correspondem às características do suposto assassino em série que tem vitimado jovens mulheres. Efetivos da PM, em especial das equipes especializadas, como as Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam), Grupo de Intervenção Rápida e Ostensiva (Giro), Grupo de Radiopatrulha Aérea (Graer) e o Batalhão de Choque fazem operações em diversos bairros da capital, em operações sem prazo para terminar.

Em 2013 foram notificados 621 assassinatos em Goiânia, a maioria cometida por criminosos em motocicletas com emprego de armas de fogo. De janeiro a maio de 2014 foram registrados 287 homicídios em Goiânia, sendo 48 somente neste mês — até a noite de sexta-feira, 20. Estudos feitos pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) apontam que a maioria dos crimes ocorreu nos setores Pedro Ludovico, Jardim Novo Mundo, Jardim Guanabara e em bairros que englobam a Região Noroeste. O que chama atenção é que na maioria dos crimes, a motocicleta é largamente empregada como meio de transporte pela facilidade em empreender fuga após a consumação de delito.

Mesmo com o grosso da tropa da PM nas ruas, a população ainda está acuada e temerosa. A reportagem saiu na noite da capital para conferir o ânimo dos moradores, mais especificamente das mulheres goianienses, as principais vítimas dos crimes covardes cometidos por motociclistas, e aos quais se atribui ser um assassino em série. Para arquiteta Tayane Mendonça, as notícias de que haveria um “serial killer” à solta, não a assusta ao ponto de mudar os hábitos de seu dia a dia. “Não mudei minha rotina, mas claro que tomo algumas precauções”, diz.

A advogada Ana Carolina Borges Godoi diz que procura ficar atenta, apesar de ela não acreditar na existência de um assassino em série em ação na capital. A médica Luiza Melo também afirma que toma os devidos cuidados, e que sempre evitou situações de vulnerabilidade. A farmacêutica Tilma Castrillon ressalta que existe hoje em Goiânia uma paranoia do medo que tem tomado conta da capital. Ela diz não acreditar que haja serial killer em Goiânia, apesar da existência de coincidências entre as vítimas. “Não acredito, mas é possível. É fato que há mortes de meninas bem acima da média.”
A advogada Luciana Bufáiçal diz que está mais atenta ao entrar no carro e ao sair de casa. Ela reconhece que as pessoas estão mais amedrontadas por conta da onda de violência que tomou conta da capital. “Minha mãe e amigas estão preocupadas, e o comentário é de medo geral com esta situação.”

Para a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Orion Fernandes, a sensação de insegurança tem aumentado muito em Goiânia nos últimos tempos. Ela afirma ter alterado seus hábitos e que não sai mais à noite. “Observo todas as direções quando entro de carro no meu prédio e só ando de vidros fechados”, diz. A filha da professora universitária, a advogada Pilar Lisboa Fernandes de Cirqueira, também conta que não anda mais tranquila. Ela diz que dirige atenta a movimentações estranhas e que sua mãe liga a todo instante preocupada com sua segurança. “Com esta situação todo cuidado é pouco.”

Nem mesmo o popular pit dog tem escapado da paranoia do medo em Goiânia

Haveria um serial killer atuando em Goiânia?

Ilana Casoy, maior especialista do País em comportamento de serial killers

Serial killer é o indivíduo que comete uma série de homicídios durante algum período de tempo, com algum intervalo entre esses assassinatos. O espaço entre um crime e outro os diferencia dos assassinos de massa, indivíduos que matam várias pessoas em questão de horas. O motivo do crime, ou mais exatamente a falta dele, é muito importante para a definição de um assassino como serial. As vítimas parecem ser escolhidas ao acaso e mortas sem nenhuma razão aparente. Raras são as vezes que um assassino em série conhece suas vítimas. Ela representa, na maioria dos casos, um símbolo.

O termo serial killer não é antigo e foi utilizado pela primeira vez por um agente do FBI — a polícia federal americana — estudioso do assunto, nos anos 70. A maior especialista em serial killers do Brasil, Ilana Casoy, autora de três livros — “Serial Killer, louco ou Cruel”, “Serial Killer Made in Brazil” e “O Quinto Mandamento” — classifica os assassinos em série em quatro categorias: visionários, missionários, emotivos e sádicos.

 

Delegado Murilo Polati: “Não existe serial killer agindo na cidade”­
Delegado Murilo Polati: “Não existe serial killer agindo na cidade”­

A primeira categoria, segundo a definição de Ilana, trata-se de indivíduos completamente imersos na insanidade ou psicóticos. Eles costumam ouvir vozes com frequência além de terem alucinações que, na maioria das vezes, pedem para que executem crimes. Os missionários não são psicóticos, mas se julgam moralmente superiores as outras pessoas e, geralmente, escolhem homossexuais, prostitutas e crianças como suas vítimas. Os emotivos matam por pura diversão. Sádicos e cruéis, eles obtêm prazer no próprio processo de planejamento do crime. Já os sádicos são assassinos sexuais, ou seja, matam por puro desejo. Seu prazer é diretamente proporcional ao sofrimento das vítimas que padecem sob tortura.
De modo geral, as vítimas desses assassinos em série são escolhidas ao acaso ou por algum estereótipo que tenha significado simbólico para eles. As vítimas tendem a ser mais fraca fisicamente, o que facilita o domínio por seus algozes.

O titular da DIH, Murilo Po­la­ti, afirma que não há um assassino em série agindo na capital e que os suspeitos que estão sendo in­vestigados são diferentes em cada caso. A polícia, inclusive, já teria a autoria ou motivação de alguns casos, mesmo que os inquéritos ainda não estejam concluídos.

O delegado tem ressaltado na imprensa que não existem pontos em comum entre as jovens assassinadas, e que para ser caracterizado como um assassino em série, o serial killer deveria deixar a mesma assinatura e as vítimas teriam também que ter perfis muito próximos e parecidos, algo que a polícia não considera existir.

“O mundo em que vivemos passa pela era dos temores e das esperanças frustradas”

“Vivemos num cemitério de esperanças frustradas, vivemos a era dos temores.” Pelo menos este é o veredito do livro “Medo Líquido”, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que faz um inventário dos medos presentes na contemporaneidade. A obra, um best-seller de sucesso mundial, analisa as ameaças que quase nunca se configuram como reais, mas que são mostradas maciçamente pela mídia.

O livro analisa o medo como exposto de forma inconstante. Por isso o termo medo líquido, ou seja, ele pode tomar a forma que lhe é atribuída assim como a forma líquida. O autor mapeia as origens comuns das ansiedades na modernidade líquida e examina mecanismos que possam deter a influência do medo sobre as nossas vidas.

Para Bauman, há três medos que afligem as pessoas na sociedade em geral: o primeiro é o temor de não conseguir garantir o futuro ou de não conseguir trabalhar ou ter qualquer tipo de sustento. O segundo é o de não conseguir se fixar na estrutura social, que significa, basicamente, o medo de perder a posição que se ocupa, de cair para posições vulneráveis ou subalternas. O terceiro medo, que é o que vem se abatendo atualmente na sociedade brasileira e goiana, é o temor em torno da integridade física, da violência urbana.

Medo derivado

Professora Ivone de Sousa: medo é ao mesmo tempo inato e aprendido
Professora Ivone de Sousa: medo é ao mesmo tempo inato e aprendido

Há também o que Bauman conceitua como “medo derivado”. Trata-se do medo que vem de outro medo. É o tipo mais comum nos dias de hoje e o que mais contribui para a onda de paranoia que domina as pessoas. O medo primário é o medo da morte na sua forma mais pura, já o derivado existe em função da dúvida se uma pessoa exposta a uma determinada situação vai ou não perder a própria vida, mesmo sabendo que nesta determinada circunstância há a probabilidade de nada abalar sua integridade física.

Bauman conclui que a nossa sociedade tem trocado a segurança pela proteção. Segurança, segundo ele, é aquilo cada pessoa se constitui, ou seja, as certezas e a consciência dos limites individuais. Já a proteção são as parafernálias e dispositivos de segurança, como trincas, câmeras, grades, portões eletrônicos, alarmes, cercas elétricas, armas e coletes a provas de balas. Do medo se originou uma verdadeira indústria que vive e ganha divisas graças à sensação de pessoas, grupos e organizações de não estarem protegidos. Talvez este seja o exemplo mais visceral e evidente de medo em que a sociedade está inserida e refém.

Para a professora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Ivone Félix de Sousa, o medo é um estado afetivo e emocional, fazendo parte do caráter de uma pessoa ou de uma organização social. O medo seria também uma reação de alerta importante para a manutenção da sobrevivência, mas, em alguns casos, quando se perde o controle, pode se tornar paralisante.

O medo é ao mesmo tempo inato e aprendido. Quando bebês, as pessoas já exploram o mundo, mas quando sentem que algo pode dar errado recuam. Portanto, o medo passa a ser um mecanismo de proteção. A professora afirma que é necessário que as pessoas tenham medo, porém deixa de ser positivo quando o receio passa a ser dominador, se manifestando por pânico, fobia e transtornos patológicos. “O medo que nos faz tomar cuidados é necessário. Passa a não ser saudável a partir do momento em que se transforma em fobia ou transtorno.”

Ivone de Sousa explica que, quando o medo deixa de ser individual e passa a ser generalizado, como o que vem ocorrendo por conta do boato de atuação de um serial killer em Goiânia, pode desenvolver atitudes como o linchamento de indivíduos inocentes que podem ser confundidos com o criminoso em questão. “Para que se chegue a conclusão da existência de um assassino em série, é necessário ter maiores evidências e mais detalhes, para que ao invés de apavorar a sociedade, que ajude a prevenir.”

PCC não teria relação com mortes de jovens

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Delegado Waldir Soares: “Não acredito na correlação de mortes com o PCC em Goiás”

Durante a semana passada circulou rumores de que a facção criminosa Primeiro Co­mando da Capital (PCC) estaria por de trás da série de homicídios de mulheres ocorridos em Goiânia. A tese é de as mortes poderiam ser uma forma do braço goiano da organização criminosa baseada em São Paulo desestabilizar a segurança pública na capital. O delegado Waldir Soares desmente tal boato, ressaltando que esta não é a forma de agir da organização criminosa que nasceu e exerce poder dentro do sistema de execuções penais paulista.

Waldir Soares diz que o grupo criminoso concentra sua atuação no tráfico de drogas, na explosão de caixas eletrônicos e na arrecadação de valores de presidiários em troca de “proteção”. Em relação ao assassinato em série de mulheres, o delegado suspeita que em quatro casos haja fortes indícios que o assassino seja o mesmo. Ele acredita que realmente existe um ou mais criminosos matando jovens em Goiânia, já que os crimes ocorrem de maneira parecida, com a simulação de assalto para se consumar a morte das vítimas. “Eu não poderia dizer se foi a mesma pessoa ou se foi um serial killer, mas há muitas características semelhantes.”

Sobre as possíveis motivações de suposto serial killer agindo, ele afirma que não é por meros aparelhos celulares. “Ele apenas simula o assalto”, diz Waldir. O delegado enumera que as vítimas são mulheres bonitas, o que pode ser uma motivação. “Ele pode ter sido um ex-marido traído, pode ter tido uma decepção amorosa, ou pode simplesmente não gostar de mulher, ele tem um perfil e isso é claro e evidente. Pode ser um trauma. No meu ponto de vista, ele deve ser um psicopata.”