Jovem matou guerrilheira do PC do B e atirou em José Genoino

25 outubro 2014 às 12h43

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Em 1972, aos 17 anos, convencido pelo tio Cícero Santana, Júlio Santana aceitou trabalhar na equipe do delegado de Xambioá, o sargento da Polícia Militar de Goiás Carlos Teixeira Marra, como guia ou mateiro. Exímio conhecedor dos “segredos” da floresta amazônica, Júlio seria utilizado para caçar integrantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Ele nem sabia o que era comunista, nunca tinha visto um automóvel, não conhecia energia elétrica e seu sonho era tomar Coca-Cola. Ao ver um helicóptero, pensou: “Como essa trepeça pode voar?”. Como uma personagem de García Márquez, “achou delicioso tomar água gelada. ‘Parece que a língua fica adormecida’”.
No início da Guerrilha do Araguaia, os militares queriam capturar e não matar os militantes do PC do B. Eles buscavam informações sobre as forças de esquerda. Por isso, Carlos Marra avisou aos soldados e Júlio: “Se a gente encontrar algum guerrilheiro, é para capturar o cabra vivo. Não é para matar ninguém. Quero o sujeito vivo, para ele contar onde os outros guerrilheiros se escondem”. Júlio ficou aliviado, pois não queria matar.
Na selva, além de orientar os soldados, Júlio tinha a missão de achar alimentos para a tropa. “Matou um macaco, uma garça e uma onça-pintada. A carne musculosa e repleta de nervos do felino não agradou a ninguém.”

Em 11 de abril de 1972, como integrante da equipe do delegado Marra, Júlio colaborou na prisão de José Genoino Neto. O grupo era constituído de Marra, Ricardo, Emanuel, Forel, Júlio e Tonho (um negro musculoso). Marra patrocinou um “campeonato” de tiro e Júlio ganhou com facilidade e, por isso, obteve a primazia de atirar primeiro num guerrilheiro.
Na mata, Júlio localizou José Genoino e alertou Marra: “Estou vendo um sujeito lá na frente”. Ao ser abordado, o guerrilheiro, que usava o nome de Geraldo, disse ao delegado que era “apenas um agricultor”. Logo depois, mesmo com as mãos amarradas, conseguiu fugir. O militar pediu que parasse. “Vou mandar abrir fogo, Geraldo”, gritou Marra. “Pode atirar”, respondeu Genoino.
Irritado, Marra ordenou: “Julão, derruba o cara. (…) Mas lembre que eu quero ele vivo”. Júlio atirou e acertou, de raspão, o ombro direito de José Genoino.
Recapturado, José Genoino, segundo a versão de Júlio, foi torturado pelo militares — chegaram a queimar suas pernas. Mesmo assim, respondia: “Não sei de nada, delegado”.
Sem aprovar as torturas, Júlio disse para José Genoino: “Rapaz, fala logo tudo o que você sabe. Você vai acabar morrendo de tanto apanhar”. José Genoino respondeu: “Mas eu não sei de nada. Não estou mentindo”. Estava mentindo, é claro. Ouvido por Klester Cavalcanti, o petista confirma o diálogo: “Diante de tanto sofrimento e agonia, agradava-lhe a ideia de que ao menos um de seus algozes preocupava-se com a sua integridade”. Na versão de Júlio, José Genoino não entregou seus companheiros.
Em maio de 1972, Júlio viu o corpo do guerrilheiro Bérgson Farias sendo chutado por militares. Assistiu o barqueiro Lourival Moura, aliado dos guerrilheiros, ser torturado até a morte. Júlio disse a Klester que não gostou do que viu.
No início de junho de 1972, os militares acuaram os guerrilheiros Miguel Pereira, o Cazuza, Rosalindo Souza, o Mundico (que teria sido justiçado pelos companheiros), e Maria Lúcia Petit da Silva, a Maria. Marra gritou para Júlio: “Derruba um deles. Pelo menos, um”. Júlio mirou no ombro de um guerrilheiro e atirou. “Por causa do ferimento na perna direita, o comunista machucado inclinou-se para o lado direito e dobrou levemente os joelhos. Esses movimentos fizeram com que o tiro, que deveria pegar no ombro, o atingisse na cabeça, do lado esquerdo. O corpo caiu no solo e ali ficou, sem mover-se. Júlio sabia o que tinha acontecido. Quis não acreditar que acabara de matar mais uma pessoa”, relata Klester.
Quando ouviu que havia matado uma “moça”, Júlio ficou ainda mais perturbado. Marra o recriminou: “Não era para matar, Julão”. Detalhe: a história relatada por Klester não estava registrada — até 2006 — em nenhum outro livro sobre a Guerrilha do Araguaia. Trata-se de um furo de reportagem publicado em livro. “Mata! — O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia” (Companhia das Letras, 443 páginas, publicado em 2012), do jornalista Leonencio Nossa, relata: “João Coioió e a mulher, Lazinha, posseiros amigos de Maria Lúcia Petit, contaram ao delegado Marra que a guerrilheira apareceria no sítio, na manhã seguinte, para buscar mantimentos que o casal tinha comprado a seu pedido. Marra e um grupo de soldados fizeram tocaia dentro da casa. Maria Lúcia se aproximou do sítio. Estava acompanhada de Cazuza e Mundico, que a ajudaria a carregar a compra. Um homem da equipe do delegado, Júlio Santana, de dezoito anos [na verdade, tinha 17], atirou nos guerrilheiros, acertando a cabeça de Maria Lúcia. Cazuza e Mundico escaparam”. A fonte da informação é Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, um dos militares mais bem informados sobre a Guerrilha do Araguaia. Os depoimentos de um dos algozes dos guerrilheiros do PC do B e de alguns moradores da região confirmam a versão de Júlio Santana.
Pelos serviços prestados ao Exército, Júlio recebeu 1.200 cruzeiros, cerca de cinco salários mínimos da época, e ganhou uma farda. Parece ter ficado mais feliz com o fardamento do que com o dinheiro. (E.F.B.)
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