Assassinou Nativo da Natividade e foi roubado pelo tio pistoleiro

25 outubro 2014 às 12h43
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No caderno de Júlio Santana está (ou estava) escrito: “Matar Nativo da Natividade (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais) em Carmo do Rio Verde, Goiás. Mandante, prefeito Roberto Pascoal. Contato na cidade, Genésio. Pagamento, 2 milhões de cruzeiros”.
Em 1985, Júlio morava em Porto Franco, com sua mulher, quando foi procurado pelo tio Cícero Santana para fazer um serviço: matar o sindicalista goiano Nativo da Natividade. “A mulher de Júlio odiava Cícero. Dizia que o tio era o culpado por ele levar aquela vida desgraçada de matador. Júlio sempre rebatia. Dizia que entrou para a pistolagem por vontade própria. Queria ganhar dinheiro e viver grandes aventuras. O tio havia apenas o ajudado a fazer o que desejava.”
O relato de Klester Cavalcanti: “Numa conversa que não demorou mais de 10 minutos, Cícero passou todo o serviço ao sobrinho. Ele teria de matar Nativo da Natividade, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carmo do Rio Verde, no interior de Goiás. O mandante do crime era o prefeito da cidade, Roberto Pascoal, que se dizia incomodado com a influência política de Nativo na região e, principalmente, com os boatos de que o sindicalista seria candidato a prefeito nas eleições municipais de 1988. Quando contatou Cícero, Roberto
Pascoal disse que queria eliminar Nativo antes que ele ganhasse ainda mais força e projeção”.
A mando de Roberto Pascoal, Genésio buscou Júlio em Brasília e o levou para Carmo do Rio Verde. “Pelo trabalho, receberia 2 milhões de cruzeiros — pouco mais do que três salários mínimos da época, que era de 600 mil cruzeiros.” Júlio tinha 31 anos. Genésio disse ao pistoleiro que ele mesmo poderia fazer o trabalho. “E por que não fez?”, perguntou Júlio. “O prefeito disse que era mais seguro trazer um matador de fora, para não levantar suspeitas sobre ele”, explicou Genésio.
Nativo, informou-se Júlio, era casado e pai de dois filhos pequenos. Tinha 33 anos. “Muito pacato, só saía de casa para ir ao sindicato ou a alguma reunião de agricultores.” O motorista Pelé, num Fusca azul, levou Júlio para conhecer o sindicato onde Nativo atuava.
Informado dos hábitos de Nativo, Júlio decidiu matá-lo quando estivesse voltando para casa. “Eram quase 7 horas da noite quando o carro do sindicalista apareceu na esquina. Júlio ajeitou o chapéu de palha para esconder o rosto e ficou de pé. Caminhava lentamente, no lado oposto da rua, na direção da casa de Nativo. Tirou o revólver da cintura no mesmo instante em que o carro parou. Estava a uns 20 metros do homem. Mas queria chegar mais perto, para acertar o tiro na cabeça. O sindicalista estava tranquilo. Nem desconfiava que estava prestes a morrer”, escreve Klester.
“Nativo andava devagar, a caminho da porta”, relata Klester. “Do outro lado da rua, a uns 10 metros de distância, Júlio o tinha na mira de seu revólver. Estava puxando o gatilho quando viu uma menina de uns 5 ou 6 anos abrir a porta e correr, sorrindo, na direção do pai. Não teria coragem de matar um homem diante dos olhos da própria filha. Imediatamente, apontou a arma para o chão. O sindicalista agachou-se e pegou a menina nos braços. Júlio ainda viu quando os dois se beijaram pouco antes de entrarem em casa.”
No dia seguinte, Júlio saiu à caça de Nativo. Este voltou para o sindicato à noite e foi seguido pelo pistoleiro. [Júlio] “Chegou na porta do carro de Nativo antes que ele saísse. Apontou a arma para a cabeça do sindicalista. O homem reagiu, segurando o braço direito de Júlio com as duas mãos. Durante o embate, ele puxou o gatilho quatro vezes — os exames feitos no cadáver encontraram três perfurações no tórax e uma no pescoço. Só parou de atirar quando teve certeza de que Nativo estava morto (em 1996, 11 anos após o episódio, o prefeito Roberto Pascoal foi julgado como mandante do crime, e absolvido).” Promotores, juízes e advogados que atuaram no caso têm o dever de ler as informações do livro de Klester. Trata-se do próprio pistoleiro revelando quem encomendou o crime e mostra como este foi feito.
Crime cometido, Júlio foi levado para Brasília numa ambulância. Genésio disse: “Acho que, agora, concordo com o prefeito. Você fez por merecer os 6 milhões de cruzeiros pelo serviço”. Cícero havia passado o sobrinho para trás. Para matar Nativo, Júlio recebeu “apenas” 2 milhões de cruzeiros.
Em Imperatriz, ao se encontrar com o tio, Júlio ameaçou matá-lo. Cícero disse: “Já parou para pensar que você deve tudo o que tem a mim? Se não fosse por mim, você não teria nada, Julão! Você não seria ninguém”. Júlio replicou, gritando: “Grande vida de merda essa que o senhor me deu. Eu sou um assassino, tio. Ganho a vida matando gente. E o senhor tem coragem de dizer que isso é bom”. Cícero morreu em 1993, aos 53 anos, e o sobrinho descobriu que, ao contrário do que todos na sua família acreditavam, não era policial militar. Júlio também se passava por policial militar.
Detalhe: o maior assassino do Brasil agiu livremente em Goiás no mandato dos governadores Iris Rezende e Onofre Quinan — matando pessoas no Estado — e os peemedebistas-chefes não conseguiram, nem tentaram, prendê-lo. (E. F. B.)
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