Rio Verde, “capital” do Sudoeste goiano, completou 175 anos de emancipação em 5 de agosto. O município, que no último ano subiu duas posições no ranking, agora é o segundo maior produtor de soja do país. Em comparação com o ano anterior, Rio Verde teve um aumenot de 11% na produção de grãos, ficando atrás somente da cidade de Sorriso no Mato Grosso. A informação é do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O instituto publicou a pesquisa de Produção Agrícola Municipal (PAM) em setembro, e de acordo com os dados, Goiás possui quatro municípios no topo da produção: Jataí, Quirinópolis, Cristalina e Ipameri. Segundo a pesquisa, Goiás alcançou no último ano analisado o maior percentual de participação no valor da produção agrícola nacional da história. A produção goiana em 2022 atingiu valor recorde: R$ 77,1 bilhões. O principal produto responsável por esse crescimento foi a soja. Somente em Rio Verde foram produzidas 1,6 milhão de toneladas da oleaginosa. Não por acaso, a cidade possui o título de capital goiana do agronegócio.

De forma unânime, os agricultores ressaltam que um dos pilares da expansão agrícola foi a técnica de semadura chamada “plantio direto”. O modelo, em que um pequeno sulco ou cova é aberto com profundidades e larguras suficientes para garantir a adequada cobertura e contato da semente com o solo, possibilitou a agricultura sustentável e uma lavoura com menores custos, alinhados ao avanço das novas tecnologias voltadas para o campo.

O Jornal Opção esteve em Rio Verde, para conversar com produtores sobre sua trajetória até transformar a cidade em uma das maiores produtoras de soja do mundo.

Sojicultores

José Roberto Brucceli, é natural de Conchal, uma pequena cidade do interior do Estado de São Paulo. Brucceli relata que descende de italianos, de uma linhagem de agricultores. Seus bisavôs, avós e seus pais, já trabalhavam no campo. Porém, produziam somente o suficiente para as despesas da família, que sempre foi numerosa.

Brucceli em meio a sua plantação de soja l Foto: arquivo pessoal

José Roberto conta que suas bisavós vieram para o Brasil após a lei áurea, para substituir a mão de obra escrava. A família trabalhou 30 anos no plantio de café, mas em terras alheias. Quando vieram para a região, trouxeram o conhecimento e a tecnologia para a fabricação do fubá mimoso, moído em pedra, grão a grão.

Eles trabalhavam no sistema da “terça parte”, isto é, o agricultor que cuidava das terras ficava com um terço da produção total. “Foram muito anos comendo polenta com caldo de frango e linguiça suína”, conta. Durante esses 30 anos, a família gastava somente o necessário para subsistir e juntava dinheiro para adquirir suas próprias terras na região.

Seu bisavô conseguiu comprar cinco alqueires paulistas — o equivalente a dois alqueires e meio na escala goiana. “Tudo foi com muito suor do trabalho; somos uma família de trabalhadores que não sabe o que é preguiça. Nas mãos do meu avô, esses cinco alqueires foram aumentando gradativamente. Meu pai nos preparou para enfrentar as dificuldades do campo. Não tenho estudo, mas sou bom em fazer conta. Na roça, precisa muito de saber fazer conta na hora das negociações dos produtos. Dentro da porteira, meu pai nos preparou.“

O agricultor conta que a família veio para Goiás durante a crise na agricultura paulista. A primeira terra goiana foi trocada por uma colheitadeira que estava parada em São Paulo. Em 1977, o programa do governo federal “Polo Centro” estimulava a migração do produtor rural para o Centro-Oeste por meio do financiamento de terras e de melhorias como cercas, correção da terra com feritlizantes. Havia também investimento na construção de estradas.

Em 1977, o local conhecido hoje como “planalto verde” tinha terras estavam à venda “pelo preço de uma vaca parida ou gorda por alqueire”, conforme descreve Brucceli. Depois de muita dor de cabeça por não saber lidar com as terras goianas, em 1981, a família começou a ouvir falar da soja. Por meio da Cooperativa Comigo, que já atuava na região desde 1975. O sojicultor afirma que era o único membro da família a acreditar nas terras de Goiás. “Meus irmãos diziam que eu ia morrer de fome aqui. Mas nesse momento eu estava decidido a plantar soja”, revela.

Com a orientação da Cooperativa Comigo, o produtor plantou em 1981 a primeira lavoura de soja com a semente IAC6, do Instituto Agronômico de Campinas (SP). Brucceli relembra que todo o trabalho era feito manualmente. Dali em diante, as coisas foram melhorando e a produção aumentando. “Veja, nada foi da noite para o dia. Até chegarmos onde estamos hoje, muita água rolou debaixo dessa ponte, muito sol na cabeça e muitas incertezas”, afirma.

Brucceli recorda que conheceu o método do plantio direto em função de uma crise que afetou o setor em 1994, quando de uma praga dizimou a soja no Cerrado. Os produtores da região de Rio Verde se organizararam e fundaram a Associação de Produtores de Grão (APG). O produtor que detinha o conhecimento do plantio direto era Flávio Faedo, que ajudou a introduzir o método na região. A terra passou a ser preparada para o novo modelo de plantio que, de acordo com Brucceli, revolucionou as lavouras de seja no país.

Apesar de ter tecebido financiamento governamental para adquirir suas terras e de utilizar sementes desenvolvidas com pesquisas públicas, Brucceli reclama dos tributos que os produtores rurais pagam, como o Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra). “Não somos de acordo, pagamos porque somos obrigados. Se realmente essas obras anunciadas fossem realizadas, talvez amenizariam às criticas”, diz.

Hoje, Brucceli se orgulha de poder contribuir para a economia pujante não somente do município de Rio Verde, mas para Goiás e para o Brasil. “Para quem veio do nada, trabalhou em uma terra em que muitos não davam nada por ela, sinto-me honrado por tudo que fiz. Quando olho meu passado, vejo que sou homem realizado.” O produtor é dono de 90% das terras onde cultiva as lavouras e apenas 10% são arrendadas.

Brucceli se orgulha de ser casado com a mesma mulher desde os 22 anos de idade e dos quatro filhos e oito netos. São dois homens que trabalham no campo, e as duas filhas ajudam no trabalho financeiro e administrativos da família. Alguns netos também demonstram o amor pelo campo. Pelo que parece, a longevidade dos negócios está garantida. Há 42 anos plantando soja e muito religioso, José Roberto Brucceli dedica a Deus todo seu sucesso como produtor rural. “Sou um homem de sorte, tudo isso é uma dadiva de Deus, que foi muito generoso comigo. “

O produtor ressalta que o restante da família que não acreditava nas terras goianas, vendo o bom desempenho dos seus negócios e que a terra era produtiva, também veio para Goiás. Hoje, todos possuem suas propriedades em solo goiano. O sojicultor foi ganhador do prêmio Soja Brasil em 2016, cedido pelo Canal Rural aos produtores que utilizam boas práticas na agricultura.

José Roberto Brucceli segura com orgulho o troféu soja Brasil ganho em 2016, ao lado de outras homenagens recebidas l Foto: LeoIran /JornalOpção

José Roberto Brucceli faz uma revelação que segundo ele, poucas pessoas sabem: de acordo com o produtor, o Estado de Goiás só não está em primeiro lugar na produção de grãos porque em 1983 o então governador Íris Rezende de Machado prejudicou Goiás ao enviar para o Estado de Mato Grosso a única tecnologia que existia em prol do cerrado, que foi desenvolvida pela Empresa Goiana de Pesquisa Agropecuária (Emgopa). “O Íris pegou todo banco genético e doou para o Mato Grosso, por isso eles estão em primeiro lugar. “

Flávio Faedo

Flávio Faedo no trabalho em uma das suas lavouras l Foto: arquivo pessoal

Flávio Faedo vem de uma família de pequenos produtores rurais oriundos de Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Aprendeu a lidar com a terra ainda criança, e com 16 anos de idade já dominava o trabalho no campo. Com 18 anos, em ocasião da doença do seu pai, assumiu os negócios da família. No ano de 1984, Flávio Faedo veio a passeio para Goiás e se apaixonou pelas terras goianas, conforme explica.

Foi esse amor que, em 1985, o fez mudar para a região do Planalto Verde, que pertencia a Rio Verde. O agricultor arrendou terras e começou o plantio de soja usando as técnicas do Rio Grande do Sul. O produtor trouxe a experiência com o chamado plantio direto e, no ano de 1989, já em terra própria, resolveu realizar a primeira experiência nesse método de plantio. “Falavam que não ia dar certo aqui nessa região porque o clima é muito diferente do Sul, e lá eles usavam o inverno para formação de palhadas no solo”, conta.

Mesmo com as criticas, Faedo relata que estava decidido. A primeira semeadura foi no mato mesmo, em apenas 90 hectares. No ano seguinte, aumentou para 300 hectares. Flávio Faedo explica que o plantio direto é um método que evita a degradação do solo causada pelas erosões no processo do arar da terra. O plantio é feito em cima de palhas deixadas principalmente da plantação de milho. “É o plantio de uma cultura em cima da outra”, explica

Flávio Faedo é o precursor do modelo de plantio em Goiás, que revolucionou a forma de trabalhar com a terra no Estado, relatam outros produtores. “O plantio direto diminuiu os custos e possibilitou aos produtores realizar a segunda safra, ou a safrinha, em que predomina a plantação de milho. “Antigamente se plantava soja ou milho, mas com as novas tecnologias, plantamos os dois”, sublinha.

O que é o plantio direto

O plantio direto consiste em semear a semente da soja em terrenos cobertos por palhas, as chamadas palhadas. Com esse modelo, não é necessário arar a terra, ou seja, afofar a terra; o plantio é feito diretamente por cima de restos de vegetais ou da própria soja, das palhas do milho que é plantado no intervalo de uma safra e outra, a chamada safrinha. “Porém, como ainda não tínhamos palhas de milho por ser a primeira vez nesse modelo, fizemos encima da vegetação existente”, conta Flávio Faedo.

O plantio direto é ambientalmente preferível, por reduzir o uso de insumos de origem fóssil, tais como combustíveis e fertilizantes, além de contribuir para o sequestro de carbono no solo. Ademais, a conservação da palhada no solo, evita a formação de nuvens de poeira, enxurradas, e do assoreamento de mananciais, pois menos terra é arrastada quando a terra não precisa ser arada. A técnica conserva características físicas e biológicas, mantendo a umidade que é necessária para a sobrevivência das plantas e ainda evitando a contaminação dos rios que abastecem as cidades com fertilizantes.

Hoje, praticamente todos os produtores já aderiram ao modelo do plantio direto. Com isso, Flávio Faedo argumenta que trouxe também a “cultura regenerativa”, processo semelhante ao que ocorre na natureza. “As palhas que apodrecem no solo fazem a adubação natural, dispensando parte do uso de fertilizantes do modo convencional.”

Por sua prática de plantio sustentável, em 2021, Faedo conquistou o prêmio Soja Brasil concedido pelo Canal Rural aos produtores que se empenham em promover a sustentabilidade no campo. “Meu destaque veio por causa do plantio direto, pela minha luta pelas entidades de classe, por ter ficado cinco anos à frente da Associação de Produtores de Grãos (APG) e por ter fundado o clube Amigos da Terra, dentre outros.”

Para a próxima safra, o produtor diz estar apreensivo. “É que o plantio está atrasado não somente em Goiás, mas também no Mato Grosso. O motivo é a falta de chuva. Isso pode impactar negativamente também na safrinha de milho. É momento de cautela para todos sojicultores.”

Flávio ao lado de vários troféus e homenagens e como um homem religioso, ao lado dos terços l Foto: LeoIran / JornalOpção

Flávio Faedo exibe com orgulho vários outros troféus e homenagens em seu escritório, conquistados pelo esforço de contribuir para uma agricultura sustentável. Faedo se diz um homem religioso e de muita fé. “Para trabalhar no campo, precisar ter fé, pois dependemos muito do clima”, disse.

O produtor argumenta que as pessoas que criticam os produtores rurais e os acusam de acabar com o meio ambiente desconhecem a atividade. “Trabalhamos obedecendo a legislação vigente. Temos de deixar 20% das propriedades para a reserva legal e permanente. Ao contrário do que se diz, o agricultor é muito consciente em relação a preservação do meio ambiente. O próprio plantio direto é um exemplo disso”, lembra.

“Sou um homem realizado e muito feliz. Goiás é minha segunda terra, tenho o maior respeito por esse Estado que me acolheu, por isso não medirei esforços para buscar cada vez mais uma agricultura sustentável. Quem trabalha com a terra ama o que faz, e é dela que tiramos nosso sustento. Pensando nisso, o maior interessado em zelar pelo meio ambiente somos nós produtores”.

Roildes Ribeiro Benevides

Roildes Ribeiro Benevides é um agricultor natural de Goiás. Nasceu em Jataí e, como muitos, vem de uma família de pequenos agricultores. Roildes é o caçula de 11 irmãos que ajudavam o pai nos serviços braçais da pequena propriedade.

Roildes Benevides inspecionando sua plantação de soja l Foto: arquivo pessoal

O produtor pensava em melhorar de vida através dos estudos e, em 1987, decidiu prestar vestibular em Rio Verde para Agronomia. No decorrer do curso universitário, a situação financeira da família se tornou difícil e os pais não puderam bancá-lo. Então, decidiu dar aulas para complementar a renda familiar. Aos 21 anos de idade, Roildes concluiu o curso de Agronomia.

Roildes Benevides relata que, ao terminar o curso, conseguiu um estágio em uma grande empresa na área rural. Daí em diante, adquiriu experiência e passou a atuar com a venda de produtos para o campo. Logo começou a se destacar na atividade. “Descobri que eu era um bom vendedor”, afirma.

O agricultor afirma que a experiência comercial com vendas o fez prosperar. Em 1996, destacado na profissão, conquistou a exclusividade da linha ICI na região de Rio Verde, onde montou um escritório próprio. “Nesse momento iniciamos a nossa empresa, que inicialmente era composta por sete sócios, que se chama até hoje, Rural Rio”, pontua.

Em 1997, a empresa comprou uma propriedade e deu início ao plantio de soja. A sociedade se estendeu até 2007, quando começou a ser desfeita. “A partir de 2013 em uma negociação amigável, eu fiquei com a Rural Rio e com as lavouras em quatro municípios de Goiás, incluindo Rio Verde.”

Roildes Benevides afirma que a atividade de produtor rural é desafiadora, pois depende do mercado, do clima e das políticas públicas, o que a torna cercada de incertezas. “Já estou com 30 anos plantando e a cada ano é um aprendizado diferente. Quando comecei, tíinhamos de aprender a lidar com um solo pobre e ácido como é o do Cerrado; o preparo da terra não era fácil. Era preciso dá vida ao solo antes de semear a semente. Hoje, as tecnologias avançadas melhoraram o processo.“

Roildes Benevides pondera que já teve muitos prejuízos, mas que o trabalho no campo é como um vício.  “É igual uma pessoa viciada em jogo, está perdendo aqui, mas sempre joga mais uma vez pensando em ganhar a próxima partida. Assim é o agricultor, está sempre acreditando que o ano que vem será melhor.”

O empresário é também um adepto do plantio direto e de uma agricultura sustentável. “Tivemos grandes revoluções na agricultura e uma delas foi o plantio direto. Esse novo modelo, na verdade, nem foi uma opção, mas uma necessidade, pois os custos com o preparo do solo eram muito altos e todos nós estávamos em um momento delicado financeiramente. O plantio direto foi como unir o útil ao agradável.“ Roildes garante que o produtor rural cuida mais do meio ambiente do que as cidades.

Roildes Benevides concede entrevista ao Jornal Opção em seu escritório na cidade de Rio Verde l Foto: LeoIran /JornalOpção

O sojicultor defende que o setor precisa ser melhor tratado pelos governos. O setor não aguenta sobre os ombros do agricultor mais impostos, diz ele. “O Brasil devia estar em outro patamar. Porém, o que nos trava são exatamente as questões governamentais, tanto no nível estadual como federal. Agora, foi nos imposta a taxa do agro como forma de vingança desse governo aos produtores”.

Roildes Ribeiro Benevides diz que a pesar das dificuldades que passou desde a infância com sua família trabalhando na roça, os obstáculos enfrentados para concluir o curso de agronomia, até se tornar um grande produtor de soja, se sente um homem realizado e feliz. “O campo é minha paixão, é um lugar que me sinto bem, não me vejo fazendo outra coisa, como eu disse, isso é um vício”, afirma.

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