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Um projeto de lei (138/2023) em tramitação na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) tem o objetivo de criminalizar ocupações às margens das rodovias goianas. O texto estabelece medidas para prevenir, coibir e reprimir acampamentos de movimentos sociais que buscam terras para moradia e produção. O PL foi aprovado na Alego e passará pela segunda e última votação na próxima terça-feira, 21. Parlamentares, como o deputado estadual Mauro Rubem (PT), têm se articulado para que isso não seja aprovado.

“O projeto visa objetivamente mexer com as pessoas e famílias que utilizam essas faixas que são públicas. Óbvio que tem o interesse do tráfego das rodovias, às vezes até mesmo a necessidade de duplicá-las, porém existe já uma necessidade de uso por diversos grupos sociais e me preocupa muito quando o governo faz um projeto com tantas regras e punições para uma atividade que, no nosso entendimento, não tem esse grau de preocupação ou inconveniência para a sociedade”, explicou Rubem ao Jornal Opção.

Na Alego, a oposição, que é formada pelo PT e mais alguns partidos, não votam da mesma forma ou em bloco para todos os projetos. Até o momento, o deputado Mauro Rubem foi o único se posicionar de forma contrária ao PL. A lista de votação não foi publicada no site da Alego e o texto foi aprovado por quebra de interstício (tempo mínimo que o projeto precisa ter, entre uma sessão deliberativa e outra, para ser aprovado).

Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), os deputados Antonio Gomide (PT) e Bia de Lima (PT) também se posicionaram de forma contrária. Em resposta ao Jornal Opção, a coordenação do movimento disse que tem acompanhando a tramitação do PL “com muita preocupação”.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em Goiás, responsável pela titulação de terras e destinação à reforma agrária, informou que não foi consultado institucionalmente sobre o projeto que tramita e não irá se posicionar oficialmente.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Goiás se posicionou contra e informou que o PL “se direciona explicitamente à repressão e restrição de direitos de pessoas classificadas como ‘invasores’, determinando ao poder público, por meio de diversas instituições, o dever de garantir a ‘dominialidade’ das áreas”.

A matéria da governadoria aponta que as providências devem seguir, entre outras disposições, a Lei Federal 4.947/1966. A legislação definiu, há 57 anos, as normas de Direito Agrário no país e criou o “Sistema de Organização e Funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária”, que atualmente segue executado pelo Incra.

Repressão às ocupações

Atualmente, o estado conta com 51 acampamentos de trabalhadores sem terra nas estradas, organizados por três movimentos diferentes: Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura familiar do Estado de Goiás (Fetaeg), Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf) e Movimento Popular Terra Livre.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra informou que não possui acampamento às margens da rodovias estaduais.

A proposta busca instrumentalizar autoridades policiais e administrativas para coibir situações de ocupação de beira de estada definidas como “ilícitas”, com “combinação de medidas preventivas e repressivas”. O texto determina a condução coercitiva dos ocupantes por forças policiais, busca e apreensão de materiais, indiciamento, aplicação de multas e sua exclusão da condição de beneficiários de programas sociais do Estado de Goiás.

Segundo Mauro Rubem, o texto tem indícios de inconstitucionalidade e, com a aprovação, os parlamentares vão se organizar em ações para tentar revertê-lo. “As consequências são várias, desde impedir que pessoas que vivem do comércio, do uso dessas faixas lindeiras para a sua subsistência, bem como a proibição até de atividades culturais e de funcionamento conforme o interesse dos policiais dos corpos e dos grupos de segurança que o Estado tem”, explicou o parlamentar.

Outros projetos de lei

O PL 1186/2023 não foi o primeiro projeto apresentado com objetivo de retirar direitos da população organizada pela luta à Reforma Agrária. Em março deste ano, o  Deputado Estadual Talles Barreto, vice-líder do governo na Alego, protocolou na casa o PL 138/2023, com proposta para restringir direitos civis de quem participa de ocupações.

Ao passar pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Assembleia, foi retirado do texto deste projeto de lei o trecho que determinava que pessoas identificadas como “invasoras de terras” fossem excluídas de programas sociais e assistenciais do Governo. Esta restrição de acesso a políticas públicas de amparo a pessoas em situação de vulnerabilidade, considerada incompatível com a garantia dos Direitos da Pessoa Humana, foi novamente incluída pelo governador Ronaldo Caiado no texto do PL 1186.

O substitutivo do PL 138/2023, que condensa outros dois projetos com teor semelhante, aguarda votação em plenário. O texto final determina a “proibição de invasões de propriedades privadas, rurais ou urbanas” em Goiás e o impedimento a pessoas indiciadas pelo crime de invasão de estabelecer contratos com o Estado.