COMPARTILHAR

Ao menos oito dos 35 vereadores originalmente eleitos ou reeleitos para a Câmara Municipal de Goiânia em 2020 não estão na composição do atual quadro de parlamentares. Entre os principais motivos que levaram os eleitos a não ocuparem os lugares aos quais foram escolhidos pela população goianiense está um cujo termo pouco se ouvia falar há alguns anos, mas que, recentemente, passou a derrubar chapas inteiras no Legislativo não só de Goiânia, mas de todo Brasil: fraude na cota de gênero.

Entre os que perderam o mandato por conta dessa infração eleitoral estão os agora ex-vereadores Marlon, Pastor Wilson, Santana Gomes, Edgar Duarte e Paulo Henrique da Farmácia. Para o pânico de alguns – que perdam seus mandatos em decorrência da fraude cometida por seus partidos, ou que estão na iminência disso – e alívio para outros, que com as decisões da Justiça Eleitoral passaram a ocupar os mandatos deixados na Casa, o caso é que a impressão que se tinha é que os nomes disponibilizados no site da Câmara Municipal como os parlamentares em exercício, assim como as plaquinhas de identificação na porta de cada gabinete da Casa, foram trocados quase que mensalmente nos últimos três anos e meio.

Foram tantos e tão variados os casos, nos estados e municípios, muitos deles abrindo precedentes e brechas inusitadas, questionamentos junto a instâncias superiores, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o objetivo de orientar partidos políticos, federações, candidatas, candidatos e julgamentos da própria Justiça Eleitoral, aprovou, em maio deste ano, uma súmula sobre fraude à cota de gênero (Súmula 73). De acordo com a Corte, a intenção da medida é viabilizar “um padrão a ser adotado pela Justiça Eleitoral para as Eleições Municipais 2024 quanto ao tema, já que o TSE tem jurisprudência consolidada sobre o assunto.”

Relator do caso na época, Alexandre de Moraes – um dos magistrados mais citados e envolvidos em situações jurídicas controversas do país, chegou a destacar que nas eleições municipais “há um número muito maior de fraude à cota de gênero do que nas eleições gerais”, e que os tribunais regionais eleitorais e os juízes eleitorais estarão, no pleito deste ano, “já com um direcionamento importante para fazer aplicar em todo o território nacional o respeito à cota de gênero”.

O ponto é que foi preciso cair muita chapa, e muito vereador ser cassado para que a gravidade da fraude na cota de gênero fosse levada a sério. Porém, agora, uma outra questão surge no horizonte com a promessa de ser a ceifeira de, possivelmente, um número ainda maior de candidatos eleitos: as informações falsas.

As informações mentirosas que hoje circulam ininterruptamente pela internet e redes sociais, e até por canais e perfis que, na teoria, deveriam ser sérios e comprometidos com a verdade, são mais conhecidas como ‘fake news’. Porém, note que, neste artigo, esse termo não será usado (a não ser no título). No entendimento deste mero jornalista, a expressão gringa, com o passar do tempo, perdeu todo o peso ao qual está ligada. Não, não é fake news: é mentira, informação falsa, inverídica, inverdade, invencionice, lorota, balela, irrealidade.

Seja como quiser se referir a esse fenômeno, é ele uma das maiores ameaças à nossa democracia atualmente. Com uma parágrafo de 5 linhas com informação mentirosa, uma foto ou um áudio, colocado para “viralizar” nas redes, é possível destroçar a reputação de uma pessoa. E leia-se: entra nesse quesito toda e qualquer informação que tenha fundo de verdade, mas que sai de seu emissor de forma distorcida e tendenciosa. E em um tempo de inteligência artificial e outras tecnologias mirabolantes, a futuro que se desenha é de mentiras elaboradas com sofisticação cada vez maior, ao ponto de serem facilmente confundidas com a realidade.

Em 2024, os órgãos competenentes parecem ter, finalmente, despertado para a dimensão que o monstro das informações mentirosas tomaram – e o impacto que elas podem ter em uma eleição, caso não sejam combatidas. Em entrevista recente ao Jornal Opção, o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga, empossado no final de abril deste ano como o novo presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), se referiu ao problema como prioritário a ser combatido.

Segundo o magistrado, o TRE-GO busca “meios para a identificação rápida das mentiras produzidas nos esgotos da internet, que causam um grau de comoção enorme nas pessoas”. Em Goiás, o TRE sai na vanguarda. Estamos em processo de contratação de um programa desenvolvido pela Universidade Federal de Goiás (UFG) para ser implementado aind neste ano, antes das eleições. Esse software é capaz de automaticamente identificar publicações falsas com um índice de acerto próximo a 100%”, adiantou. Conforme o presidente do tribuna, essa “varredura irá acelerar o processo, encaminhando as possíveis fake news detectadas aos órgãos de apuração”. “Trata-se de um programa desenvolvido em caráter de ineditismo pela Universidade Federal de Goiás. Outras regiões do Brasil já tentaram automatizar o processo”.

Veiga Braga destaca que, nessas situações de proliferação de informações falsas, a coisa sai da área cível e eleitoral e passa para a criminal. “Será, no mínimo, crime de falsidade”, enfatizou. O que significa que, pelo caminhar da Justiça Eleitoral, que se movimenta a pleno vapor para deixar prontas para o pleito deste as ferramentas efetivas de combate às informações mentirosas – e punição de seus responsáveis -, aquele que se dispuser disso para ser eleito, poderá não só ser cassado, mas responder criminalmente perante à Justiça.

Levamos alguns pares de anos para nos atentar para a gravidade do que é fraudar a cota de gênero, e muitos só acordaram para isso quando foram notificados de que haviam perdido seus mandatos. O mesmo deve acontecer com as informações falsas em ano de eleição. Se a mentira tem perna curta, como dizem, tudo leva a crer que os mandatos que se baseiam nela também terão.