Chegou em dezembro e com ela a COP 28, a 28ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. Já se pode afirmar que os sinais sombrios sobre o avanço dos eventos extremos previstos pelos cientistas em decorrência da emissão de gases foram demasiadamente nítidos em 2023: ondas de calor com quebras de recorde de temperaturas máxima em todo o mundo; inundações aterrorizantes pelos cinco continentes; aumento da velocidade do degelo das calotas polares; incêndios incontroláveis e secas históricas.

Diante desse cenário pré-apocalíptico, talvez não seja uma boa colocar a culpa no fenômeno El Niño e enfiar a cabeça no buraco esperando que tudo se resolva quando “O Menino” se for. No entanto, é exatamente isso que os países mais ricos – aqueles que, para o próprio crescimento, são responsáveis por uma gigantesca cota no processo de destruição – fazem a cada ano, quando é hora de tomar decisões necessárias e cortar na própria pele para salvar o planeta.

É uma questão matemática: a preservação da vida na Terra não cabe no crescimento do PIB mundial. A conta não tem como fechar. Não vamos, como humanidade, nos safar dessa sem mudança radical nos hábitos, no nível micro, e nas políticas públicas globais, no nível macro. Não há como livrar ricos e pobres da extinção (talvez estes antes daqueles, mas isso é apenas uma mínima diferença cronológica – sem o amargo remédio de passar por uma grande recessão econômica.

Um remédio amargo que a cada ano precisa ter sua dose recalculada para mais, já que as nações protelam as medidas efetivas. Desde Estocolmo, em 1972, na primeira reunião mundial para discutir questões ambientais, passando por Kyoto (1997) e Paris (2015), o que houve pode ser resumido em uma palavra: procrastinação. Quem é rico quer acumular mais; quem é pobre quer acesso ao consumo do rico. Isso vale tanto para pessoas quanto para países.

Por isso, é sintomático e extremamente desanimador que a atual cúpula seja realizada nos Emirados Árabes, cuja riqueza foi construída e concentrada por décadas e décadas de intensa retirada de petróleo para ser exportado e transformado em gases tóxicos que vão asfixiando cada vez mais não o planeta, porque ele seguirá seu curso, mas a vida nele.

Não por acaso, a atual reunião foi apelidada de “COP do Petróleo”. O governo dos Emirados Árabes Unidos, claro, se aproveita de “jogar em casa” para tentar fazer colar sua agenda: quer achar uma maneira de encaixar o combustível fóssil dentro da agenda sustentável. Na prática, os árabes fazem como Kiko cobrando presente do Professor Girafales. O presente? Uma bola quadrada.

Abrigando a maior reserva floresta do globo, o Brasil chega a Dubai em posição bem diferente de um ano atrás. O que mudou? Um simples “detalhe”: a chefia da Nação. Nocivo em todas as áreas, o desgoverno de Jair Bolsonaro (PL) foi mais degradante ainda quando o tema foi meio ambiente. O afrouxamento da fiscalização, o apoio a madeireiros clandestinos e garimpeiros ilegais de forma tácita ou por meio da negligência, o negacionismo ambiental, o desprezo pelos povos originários, todo esse pacote proporcionou marcas jamais alcançadas em termos de toneladas de dióxido de carbono despejadas nos céus brasileiros.

Este ano, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumindo a Presidência e, mais ainda, tendo Marina Silva como ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima –, o jogo, se não virou, mudou bastante. O Brasil chega com números positivos a mostrar, especialmente àquela que, em questão ambiental, é tratada como a galinha dos ovos de ouro: a Floresta Amazônica.

Em novembro, o governo federal anunciou uma redução de 22,3% de área desmatada na chamada Amazônia Legal, no período compreendido de agosto de 2022 a julho de 2023, em comparação ao período anterior imediatamente anterior. Foram abaixo 9.001 quilômetros quadrados de vegetação no bioma, o menor resultado desde 2019.

Isso já vale para, de uma forma diplomática, esfregar na cara da comunidade internacional que o Brasil passou a fazer sua parte para conter o avanço da destruição. E, portanto, para cobrar compromisso, inclusive financeiro, para deter a devastação e buscar as metas desejadas para conter o aquecimento global, por mais utópicas que elas se pareçam cada vez mais.

Por outro lado, o governo Lula leva à cúpula no coração do petróleo levando também todas as suas contradições e incoerências. A ministra Marina foi obrigada a engolir a decisão da Petrobrás de bancar a pesquisa sobre o achado petrolífero na foz do Rio Amazonas. Sobre o tema, o presidente disse “continuar sonhando” com a exploração, a despeito do parecer negativo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Enquanto o desmatamento recuou na Amazônia, no Cerrado a coisa desandou

Outro contrassenso é a sinalização positiva do Brasil para o convite de ingresso na Opep+, o cartel que reúne os integrantes originais da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) mais outras nações produtoras do óleo. Para quem se esforça em fazer a tarefa de casa de se tornar país líder da economia verde – pauta com a qual está bastante envolvido o ministro da Fazenda, Fernando Haddad –, o que se trataria de um modelo revolucionário e exemplar ao restante do mundo, entrar para o clube dos multiplicadores de petrodólares é algo totalmente sem noção. Não dá para enfiar os pés em canoas diferentes e achar que dessa maneira chegará de fato a algum lugar.

Por fim, algo que diz respeito a um bioma literalmente vital para o Brasil: enquanto o desmatamento recuou na Amazônia, no Cerrado a coisa desandou. O índice de devastação foi 3% superior de agosto de 2022 a julho deste ano, em comparação ao período anterior. Foram 11.011,7 quilômetros quadrados destruídos. Para continuar falando em produtores de petróleo, é como se retirasse o desértico Catar do Oriente Médio e colasse ele inteirinho no meio do Planalto Central.

Ainda que haja uma desaceleração dos números no bioma, é preciso que o Cerrado também ganhe do governo um status equivalente ao de Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica, que são considerados patrimônios nacionais pela Constituição Federal. A luta é antiga e vem desde o projeto de lei (PL) 115/95, do então deputado Pedro Wilson (PT) e arquivado no início deste ano, que solicitava a isonomia de tratamento constitucional para Cerrado e Caatinga.

A dicotomia economia versus meio ambiente precisa ser quebrada. A economia verde é o caminho mais curto para isso. Mas no Brasil como um todo – e especialmente nos Estados que comandam o agronegócio, como Goiás – essa ideia precisa andar muito mais rápido. O tempo urge. O clima ruge.