Força-tarefa precisava dar resposta rápida às recentes derrotas no Supremo Tribunal Federal na disputa de poder que procuradores travaram com magistrados em Brasília

Muitos brasileiros vibraram com a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) no final da manhã de quinta-feira, 21 | Foto: Reprodução/Rede Globo

“É certo que não há, por ora, um decreto condenatório em desfavor de nenhum dos investigados, e a análise a ser feita adiante sobre o comportamento de cada um dos requeridos é ainda superficial, mas o fato é que os crimes de corrupção e outros relacionados, como os tratados neste processo, numa análise ainda superficial, hão de observar o regramento compatível com a sua gravidade, além da necessidade de estancar imediatamente a atividade criminosa.” Quem disse isso não fui eu, mas o juiz Marcelo Bretas nas 44 páginas da sua decisão de expedir ordem de prisão contra o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o ex-ministro Moreira Franco.

O próprio magistrado, titular da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, assume em sua sentença que não tem base legal em documentos ou provas para mandar prender preventivamente nenhum dos investigados pela Operação Pripyat. Claro que ficou perceptível – é natural e compreensível – que muitos queiram ver Michel Temer e outros suspeitos e acusados de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e peculato detidos e a pagarem por seus crimes. Se assim ficar comprovado. O que não podemos é defender um Estado de exceção em que pessoas, sejam elas políticos ou não, passem a ser punidos por desejo de autoridades do Poder Judiciário ou do Ministério Público Federal (MPF).

O juiz Marcelo Bretas, ao autorizar a prisão de Michel Temer, fez a internet e grande parte da população brasileira vibrar ao ver um ex-presidente investigado atrás das grades. Mas às custas de que? “Tal como se disse linhas atrás, claro que não há, por ora, um decreto condenatório contra os investigados, e a análise a ser feita em seguida sobre o comportamento deles é ainda provisória”, retoma a discussão da imprecisão em sua sentença.

Quando chega à página 9 da decisão, Bretas começa a usar o verbo parecer, que aparece 19 vezes em 44 páginas nas quais o magistrado tenta justificar sua infundada ordem de prisão contra Temer. O titular da 7ª Vara Criminal Federal do Rio evoca os crimes relacionados à corrupção que supostamente envolvem um ex-presidente da República para destacar a sua necessidade de punição exemplar. O que concordo com o Marcelo Bretas.

Mas o ordenamento legal brasileiro deve ser trilhado pelo o que está previsto na legislação, inclusive no Código de Processo Penal, tão citado vagamente e de forma abstrata pelo magistrado em sua sentença. Ao citar a investigação do MPF sobre o pagamento de propina a Temer por meio do coronel Lima – João Baptista Lima Filho -, Bretas entra no objeto analisado: a investigação de benefício ilegal na liberação da construção da usina nuclear Angra 3.

“Enorme suspeita”
Bretas trilha um caminho interessante ao citar a teia de ligações que teriam levado o coronel Lima à Argeplan, ao citar as empresas envolvidas na construção da usina nuclear, que foi inciada em 1984. “Toda essa embaralhada rede societária das empresas citadas já suscita enorme suspeita sobre a real finalidade da subcontratação das pessoas jurídicas pela empresa vencedora da licitação de Angra.” Mas tem muita dificuldade em sustentar a comprovação da necessidade da prisão preventiva de Temer com base em suspeitas.

Aqui, na página 15 da ordem de prisão, o magistrado volta a usar o verbo parecer, o que mostra total falta de conclusão sobre a necessidade da medida adotada: “A Argeplan parece ser uma sociedade empresária pequena, com capital social de aproximadamente R$ 1 milhão, contando com 30 vínculos trabalhistas, sendo um terço destes na função de motorista”. Bretas tenta demostrar uma teia de ligações que é mais do que suspeita, mas que para uma decisão judicial beira a vaidade e foge muito da comprovação legal.

O juiz trata como “bastante plausível” concluir que “provavelmente” Temer recebeu “vantagens indevidas”. O que é preciso lembrar é que não cabe a um magistrado interpretar algo fora da Lei, que um investigado pode ter sido beneficiado. A legislação penal é clara: uma pessoa acusada de um crime é ou não autora dos delitos. Não há margem para o instituto do pode ser.

“Ao que parece pela narrativa ministerial” não deveriam ser frases contidas na decisão de um juiz da importância e peso de Marcelo Bretas, responsável pelos casos da Operação Lava Jato na Justiça Federal no Rio de Janeiro. “Diante de dúvida considerável em relação à existência e gravidade dos fatos novos” não é suficiente para embasar a determinação de um investigado seja preso preventivamente. Assim como argumentar que o “coronel Lima viabilizou, aparentemente, o recebimento de vantagens indevidas direcionadas a Michel Temer”.

Aparentemente não sustenta nem o meme machista do status de relacionamento de Marcela Temer nas redes sociais. É muito pouco. Para não dizer inacreditável. Na página 19, Marcelo Bretas diz que “mostra-se necessária uma breve digressão”. Oi? Estaria o magistrado fugindo do foco para tentar justificar uma ordem de prisão que nem ele estaria convicto da necessidade?

Dúvidas
Ao se basear apenas na delação de José Nunes Sobrinho, o juiz deixa várias inconclusões e dúvidas sobre a necessidade de mandar prender o ex-presidente Michel Temer, ainda mais sem apresentar qualquer possibilidade de fato novo que justifique a decisão. “Ou seja, ao que tudo indica, muito além dos supostos repasses ilegais durante o contrato de Angra 3, a Engevix também realizou pagamento de propina para a organização criminosa chefiada por MICHEL TEMER, principalmente por meio das pessoas jurídicas vinculadas ao coronel Lima.”

Como se percebe, “ao que tudo indica”, Bretas não sabia como justificar uma prisão que voltaria aos braços da opinião pública os trabalhos da Operação Lava Jato, que tenta cada vez mais se tornar uma instituição. Inclusive com direito a fundo ilegal barrado pela Justiça de R$ 2,5 milhões com devolução de dinheiro da Petrobras aos cofres públicos dos Estados Unidos e do Brasil.

A partir da página 29, Marcelo Bretas tenta justificar a prisão de Temer com o suposto pagamento de propina à reforma de R$ 1.355.039,51 da residência da filha do ex-presidente, Maristela Temer. “Não é demais rememorar que no mesmo período, Lima, suposto operador financeiro de Temer, teria, em tese, recebido numerário ilícito da Engevix.” É preciso pontuar que “suposto” e “teria” não concluem nada. “Há fortes indícios de que a reforma da residência de Maristela Temer ocorreu com a utilização de numerário ilícito proveniente de propina, em tese, recebida diretamente na Argeplan.”

Ter fortes indícios é um caminho que, mesmo com todos os benefícios no combate à corrupção a Operação Lava Jato trouxe, a força-tarefa busca referendar na criação de um novo direito ou renovadas condutas ilegais e naturaliza-las como legais o quanto antes.

Mas nem só de possibilidades vive a decisão altamente criticável do juiz Marcelo Bretas. O magistrado traz indícios de quando foi iniciada a relação coronel Lima e Michel Temer. “Coronel Lima, por sua vez, esteve lotado na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, até 1993, ocasião em que já era assessor de Temer. E, segundo o MPF, muito embora somente tenha se tornado sócio legal em 2011, a ligação de Lima com a empresa Argeplan remonta à década de 80, quando administrava juntamente com Carlos Alberto Costa a referida pessoa jurídica.” Mas continua a não justificar a decisão.

Apelo a investigações
A partir da página 34, o juiz começa a descrever outras investigações contra Michel Temer que, apesar de graves, também não embasam legalmente a decisão de mandar prender o emedebista. Ler a decisão é alimentar a vontade de ver Temer preso, mas em momento algum há uma justificativa legal para que isso pudesse acontecer, a não ser a necessidade de se fazer um espetáculo com a detenção no meio da rua de um ex-presidente investigado por peculato, corrupção e lavagem de dinheiro.

Nem mesmo Marcelo Bretas consegue concluir que está de fato diante de um caso de uma organização criminosa. “Concluída a individualização de cada fato, bem como demonstrada a provável interligação entre os sujeitos, reafirmo, pois, o que venho asseverando nas operações anteriores, ao que tudo indica, se está diante de uma organização criminosa bem estruturada e com real definição de funções para cada agente.” Novamente o juiz deixa claro que “tudo indica”, mas nada pode ser comprovado.

Fora as generalizações feita ao longo da decisão, como a citada a seguir: “A partir da autoridade que é própria dos maiores cargos de nossa República, com possibilidade de nomear diretores de órgãos e empresas responsáveis por contratos públicos de muitos milhões de reais, parece que os objetivos de alguns agentes públicos, como os que aqui são referidos, sempre foi o saque do dinheiro público, a lavagem dos recursos ilicitamente obtidos e a distribuição entre os membros dessa orcrim [organização criminosa]”.

Marcelo Bretas passa, até a página 37, a tratar Michel Temer e Moreira Franco, menos citado, como suspeitos. De repente, a partir da pagina 38, o magistrado diz que é “evidente” que Temer seja o “o líder da organização criminosa a que me referi”. Mas a evidência não é tão firme assim, já que na página seguinte o juiz volta a tratar dos fatos a serem citados na companhia do verbo parecer. Quando não parece, o benefício ilícito torna a ser apenas “suposto” ou “aparente”.

Código de Processo Penal
O próprio magistrado reconhece que é preciso comprovar a necessidade da medida que aplicou contra Temer. “À luz da garantia constitucional da não presunção de culpabilidade, nenhuma medida cautelar deve ser decretada sem que estejam presentes os pressupostos do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.” Mas, nas 39 páginas anteriores, Bretas não consegue deixar clara ou comprovada a necessidade legal da prisão.

E é só na página 40 que Bretas cita o artigo 312 do Código de Processo Penal, que fundamenta a legalidade da prisão cautelar e quando ela pode ser determinada por um juiz. Em seguida, o magistrado apela para o poder aquisitivo e o cargo que foi ocupado de 12 de maio de 2016 a 31 de dezembro de 2018 por Temer. “Considero que a gravidade da prática criminosa de pessoas com alto padrão social, mormente políticos nos mais altos cargos da República, que tentam burlar os trâmites legais, não poderá jamais ser tratada com o mesmo rigor dirigido à prática criminosa comum.”

Vale trazer o texto do artigo 312 para verificar que, com base nele, Marcelo Bretas não tinha condição de embasar a ordem de prisão. “Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”

Não bastasse isso, leia o que diz o complemento do artigo 312 do CPP: “Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares”. Até que o juiz Marcelo Bretas prove o contrário, Temer tem residência fixa e não se negou a cumprir as orientações feitas pelas autoridades.

Destaco aqui um trecho inusitado da decisão do titular da 7ª Vara Criminal Federal do Rio. “Nesse sentido, deve-se ter em mente que no atual estágio da modernidade em que vivemos, uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso.” O que isso tem a ver com o assunto tratado na decisão por favor alguém me explique porque eu não entendi.

Só na página 41 o magistrado parece tentar de fato justificar a decisão com uma informação que não é nova. Bretas usa uma suspeita de maio de 2017 para argumentar que a prisão preventiva dos investigados se faz necessária. “Como assinalado no Relatório do IPL 4621, alguns escritórios da empresa passavam por limpeza diária, sendo os funcionários orientados a manter os ambientes vazios; além disso, o sistema de registro de imagens (CFTV) da empresa Argeplan também não gravava a movimentação diária (ou eram apagadas). Este fato parece indicar que os investigados estão agindo para ocultar ou destruir provas de condutas ilícitas, o que reforça a contemporaneidade dos fatos, bem como a necessidade da medida mais gravosa.”

A decisão do juiz Marcelo Bretas, do dia 19 de março, serve para atender a uma vontade da população de ver políticos corruptos serem punidos. O problema é que até para se comemorar uma sentenças dessas é preciso que se comprove algo. O que a ordem de prisão assinada por Bretas em nada consegue. Em nenhuma de suas 46 páginas, nas quais “aparentemente” o magistrado cita as “supostas” evidências sem qualquer comprovação. Querer o combate à corrupção como prioridade é um clamor de todos. O problema é o preço que podemos pagar por uma caça às bruxas baseada em ações infundadas e que advogam contra a boa vontade de magistrados como o próprio Bretas.