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Gestão educacional: este é o problema do Brasil, que, ao que parece, ninguém se dispõe a resolver

Falamos aqui, na semana passada, de como andam deficientes nossos ensinos básico e médio. Tomamos como medida comparativa com outros países as avaliações feitas pelo que é uma espécie de Enem mundial, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Programme for International Students Assessment, no original)

O Pisa é o programa trianual de avaliação estudantil da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mostramos como o deficiente ensino brasileiro — um dos piores do mundo — prejudica nossos jovens na busca da cidadania e do sustento. Falamos, no artigo anterior, de como as autoridades que deveriam ser responsáveis pelo setor educacional e as autoridades públicas em geral se omitem no reconhecer e tratar o angustiante problema. Vamos hoje um pouco mais além, numa rápida vista d’olhos em nosso ensino superior e, ainda mais, em nosso ambiente de pesquisa científica.

Quando se quer avaliar comparativamente as instituições de ensino superior pelo mundo afora, a publicação mais conhecida, que apresenta anualmente seus resultados de pesquisa séria e fora de influências políticas, é a “Times Higher Education”. É uma revista publicada há mais de meio século e filiada ao jornal londrino “The Times”. Na sua análise deste ano sobre a qualidade das universidades, embora seja um ano atípico por termos recentemente saído da pandemia de Covid, as observações continuam válidas. Embora o setor educacional tenha sido um dos mais atingidos, o foi praticamente por igual no mundo todo. E o que diz o estudo, no que interessa a nós, brasileiros? Infelizmente, más notícias.

Em primeiro lugar, não há hoje uma só universidade brasileira entre as 200 melhores do mundo. Embora existam nesse grupo universidades de Singapura, de Hong Kong, da Austrália, da Coréia do Sul, e não só dos Estados Unidos, Canadá, Japão e países mais adiantados da Europa. E existam, também, entre as 200 melhores, 13 universidades dos BRICS: onze delas ficam na China, uma, a Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul e outra, a Universidade Mikhail Lomonosov, na Rússia.

Para se encontrar uma universidade brasileira temos que buscar próximo do número 250, onde está a Universidade de São Paulo (USP) ou procurar entre as 500 para encontrarmos a Unicamp (Universidade de Campinas).

Nem entre as 1.000 melhores está a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e para encontrar a Universidade de Brasília, o que é pior, temos que pesquisar lá perto do número 1.500.

Para se ter uma ideia, a Universidade Cape Coast, de Gana, na África, está entre as 400 melhores. Lamentável, nossa posição.

Não se pode dizer que o Brasil gaste pouco com educação superior. Mas, sem dúvida, pode-se dizer que gasta mal. Um estudo da OCDE de 2021 mostrava que o Brasil gasta por aluno dos cursos superiores 16.200 dólares anuais, mais que a média da OCDE (13.300 dólares), embora os países da OCDE sejam muito mais ricos. E o pior: desse dinheiro, pelo menos 20% vão para alunos das classes mais favorecidas, que podem muito bem pagar suas faculdades. Os pobres saem prejudicados.

Ninguém, no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário brasileiros parece ter a mínima preocupação com esse grave problema de ensino, que nos dá médicos que não sabem tratar doentes ou fazer uma cirurgia, engenheiros que põem em risco as pontes que constroem ou advogados que não sabem redigir uma petição. Os problemas mais sérios de que o Brasil deve tratar, segundo as autoridades do governo, são outros.

Pelo menos até agora a pauta tem sido: acomodar os companheiros em quase 40 ministérios (a maioria criada só para isso), desarmar atletas do tiro e caçadores e levar o presidente Vladimir Putin para tomar uma cerveja e acabar com a guerra na Ucrânia. Tudo muito sério e de enorme importância para nosso futuro. Estamos pagando o preço da entrega das faculdades para partidos políticos de esquerda as politizarem, em vez de buscar sua excelência.

Pesquisa Científica no Brasil

Gilvan Alves: físico | Foto: Reprodução

Mas tem mais: vejamos o panorama da pesquisa científica no Brasil.

Existe uma publicação anual que lista os principais cientistas do mundo, pela importância de seus estudos. A medida dessa importância se dá pela combinação do número de trabalhos publicados por um pesquisador e pelo número de vezes que outros cientistas citaram esses trabalhos. Logicamente, um trabalho só terá alguma importância científica, se a comunidade atentar para ele e usá-lo de alguma maneira, mencionando-o. As menções irão dar a medida da importância daquele artigo, estudo ou descoberta.

Alguns índices existem para essa combinação de publicações e citações, como o chamado índice H (assim chamado por ter sido criado em 2005 por Jorge Hirsch, um físico da Universidade da California). A publicação mencionada acima (A-D Scientific Index), que é anual, listou neste ano uma relação de 1.340.690 cientistas, de 217 países e de 20.467 universidades ou centros de ensino, pela importância de suas descobertas. Como ficamos nós, brasileiros, nesse campo?

Mais uma vez não ficamos bem, como nação, mas alguns patrícios aparecem com algum destaque. Devemos atribuir o sucesso desses poucos brasileiros mais ao seu esforço pessoal do que ao ambiente universitário em que trabalham. Esse ambiente, como mostramos acima, não é incentivador.

A publicação A-D Scientific Index 2023 mostra, entre os 100 cientistas mais destacados do mundo, como era de se prever, uma prevalência dos que trabalham nos EUA, seguidos pelos mais desenvolvidos países da Europa e, na América do Norte e na Ásia, o Canadá e o Japão. Mas aparecem entre esses 100 melhores 5 sul-coreanos, 3 chineses, 2 argentinos (sim, dois hermanos), 1 marroquino, 1 australiano e 1 grego. Não há brasileiros entre eles. Também não há brasileiros entre os 200 maiores, embora sejam 3 os argentinos presentes, e dos BRICS existam 4 chineses, um indiano e um russo.

Luiz Mundim, professor da UERJ | Foto: Luiza Caires/Jornal da USP

Os brasileiros mais destacados, todos no campo da física, só vão aparecer no 242º lugar (o físico Luiz Mundim, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), e no 276° (o físico Gilvan A. Alves, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas [CBPF], também do Rio de Janeiro). Merecem nossos cumprimentos, principalmente pelo esforço individual que deve ter sido enorme, pois foram avaliados, como eu disse, num universo superior a 1 milhão de pesquisadores.

Outros há, entre os lugares 300 e 400, como as pesquisadoras Sandra S. Padula, (da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho — 322° lugar) e Maria Elena Pol (também do CBPF, em 342ª posição) e os pesquisadores Sergio Ferraz Novaes — 345° lugar (Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho) — e Eduardo Moraes Gregores, 346ª posição (Universidade Federal do ABC).

Como dissemos anteriormente, há que se fazer uma reprogramação dos gastos com educação no Brasil, que gasta mal mais do que gasta pouco.

O exemplo da Coreia do Sul

Um exemplo de excelência na educação é a Coreia do Sul. Ela mostra um caminho. Até 1980, a renda per capita do Brasil era maior do que a da Coreia do Sul, que passou a investir na gestão educacional. Embora seus gastos em percentagem do PIB tenham sido equivalentes aos gastos do Brasil, aquele país asiático não só disparou no aproveitamento educacional como também na economia (em 2011 a renda per capita da Coreia do Sul já era três vezes maior que a nossa), e muitos associam as duas coisas, como o professor Roberto Ellery, da UnB, um estudioso da educação.

Ironia das ironias: segundo depoimentos de Ernesto Lozardo (que foi presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas [Ipea]) e Eliezer Batista (que foi presidente da Vale do Rio Doce e ministro de Minas e Energia), os sul-coreanos enviaram delegações ao Brasil entre 1964 e 1967 e basearam seu plano educacional e de desenvolvimento no Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (PDDES), do Ipea e de Roberto Campos, com quem sempre estiveram em contato no Brasil.

Os alunos sul-coreanos se saíram melhor, muito melhor que os mestres brasileiros. Gestão educacional, este o nosso problema, que, ao que parece, ninguém se dispõe a resolver.