Reconhecer privilégios é fundamental na luta antirracista

03 julho 2023 às 11h57

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Neste Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, celebrado em 3 de julho, me lembrei de uma situação que ocorreu há cerca de duas semanas. Eu e mais dois amigos voltávamos a pé depois de assistir a partida de futebol em um estádio de Goiânia, quando a cavalaria da Polícia Militar veio com tudo em nossa direção para dissipar princípio de confusão causada por alguns torcedores. Na hora, um de nós comentou em um tom de ironia: “calma, nós não vamos apanhar, somos brancos”.
Ao fazer essa observação, nós três começamos ali um debate sobre uma realidade: ao nascer branco, naturalmente você já nasce com privilégios. A cor da sua pele lhe dá oportunidades e lhe blinda de preconceitos, assédios, violências policial e sexual. Este é só um exemplo corriqueiro de como a luta contra o racismo passa, sobretudo, por reconhecer os privilégios da branquitude.
Poderíamos ficar horas definindo o que é branquitude, mas em resumo, é um lugar de vantagem estrutural dentro da sociedade racista. Não tem muito a ver com a posição política, filosófica ou com o que a pessoa branca pensa. Independente de concordar ou não com o racismo, ela tem vantagem estrutural e simbólica. Se uma pessoa nasce branca no Brasil, ela já adquire privilégios dentro da sociedade, querendo ou não.
Mas o que liga a mim, Rafael, nascido e criado em família pobre de periferia, com um herdeiro de sangue azul descendente de um português escravocrata? O que a gente tem de parecido? Nada. A única coisa que a gente tem de semelhante é a vantagem estrutural. Se você tirar o racismo da branquitude, ela acaba. A única coisa que unifica todos os brancos é a vantagem estrutural. Não tem algo cultural parecido entre todos nós, a não ser um lugar de poder.
Mas como indivíduos brancos podem enfrentar toda essa estrutura? O primeiro passo é reconhcer os privilágios da branquitude e começar esse tipo de conversa. Debatendo democraticamente, mas questionando a fundo essas estruturas que parecem naturais e biológicas quando na verdade são históricas, políticas e, principalmente, econômicas. Penso que o mito da democracia racial e o mito da meritocracia, do Brasil ser uma democracia, dão uma falsa ideia de que as instituições estão funcionando. Esta é a primeira camada que faz com que a branquitude, que eu represento também, se coloque em um lugar de conforto.
“É fundamental entender que esse o termo branquitude que só faz sentido dentro da luta antirracista. A contribuição do branco na luta antirracista passa, primeiro, por um processo do branco ter que reconhecer o quanto essa estrutura que a gente vive beneficiou os brancos, para que entenda que as políticas públicas de cotas e inserção não são favores. É um direito de uma população que foi expropriada durante anos e anos”, explica uma das mais importantes estudiosas sobre o tema na atualidade, a pesquisadora em Psicologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lia Vainer Schucman.
Construída em cima de preconceito, a sociedade se molda de acordo com os discursos, mas isso não quer dizer que o comentário do colega acerca da ação da cavalaria seja uma posição preconceituosa. Hoje entendo que esse meu despertar tão tardio, também é minha culpa, mas é principalmente parte desse projeto de país, que nos conta uma história mentirosa desde sempre, começando nas escolas. Para quebrar esse paradigma são fundamentais a autocrítica, o exercício diário de reflexão, mas sobretudo, tirar do campo da discussão apenas e colocar em prática com ações.