Para contar a história da polêmica Rua da Divisa, no Setor Jaó, região norte de Goiânia, é preciso voltar ao ano de 1991. O papa João Paulo II fazia sua segunda visita ao Brasil e a capital de Goiás desta vez estava incluída no roteiro. O Sumo Pontífice – que era talvez a figura mais carismática de todo o planeta naquele momento e havia sofrido um atentado, no início dos anos 80 – iria celebrar uma missa campal no amplo estacionamento do Estádio Serra Dourada e se elaborava um grande aparato de segurança.

Por essas questões e também por logística, deu-se uma situação inédita na história da cidade: construir uma via de acesso que interligasse o Aeroporto Santa Genoveva ao local da celebração, passando pela BR-153. Com isso, o papamóvel “tangenciaria” a cidade, evitando a região central e dando mais tranquilidade à equipe que fazia a escolta.

E assim se fez a Rua da Divisa, desbravando uma região de mata próxima à nascente do Córrego Jaó, afluente do Rio Meia Ponte, distante menos de um quilômetro da estrada improvisada. Na época, chegou-se a falar que seria uma intervenção provisória, mas, como acontece de tributos a presidentes no Brasil, o que era temporário se tornou definitivo.

A natureza várias vezes já mostrou que o trecho, especialmente na baixada do córrego, não é recomendável para o tráfego de veículos nem para outras obras. Isso, porém, não parece ser problema em Goiânia. Caso contrário, não existiriam as marginais Botafogo e Cascavel nem shoppings e bairros inteiros erguidos dentro do que antes era brejo, quase dentro de mananciais. Por aqui, o carro sempre teve primazia e assim a coisa segue.

Obviamente, em tempos de mudanças climáticas e evidente necessidade de preservar o verde que resta – e, mais, de recuperar as áreas degradadas –, o certo seria eliminar a via que surgiu como uma gambiarra pró-papa e reconstituir a vegetação.

Mas, como a via se consolidou e a região se adensou, estrangulando o trânsito, o que o senso comum pede é a duplicação da Rua da Divisa. Entre os argumentos, há um totalmente nonsense: o de que o tráfego piora com os vários alagamentos… como se dobrar a impermeabilização pudesse melhorar alguma coisa.

Decisão judicial de autorizar a duplicação é lamentável, mas não surpreende

Houve gestões no sentido de conter o avanço da ideia de transformar a rua em larga avenida, inclusive por ação da Associação de Moradores do Setor Jaó. Mas a própria população se divide, porque sempre há e haverá gente que priorize o próprio conforto a ter uma visão ampla de um processo de sustentabilidade – daí a inferência de que a dificuldade de lutar pelo meio ambiente está em se tratar sempre de uma bandeira que, de alguma maneira, vai trazer algum nível de sacrifício pessoal.

A decisão judicial de autorizar a duplicação é lamentável, mas não surpreende. O aceno positivo da Justiça em relação à duplicação de uma via em local tão sensível mostra que, mesmo com todos os sinais expostos pela natureza, mesmo com todos os eventos extremos em andamento, ainda insistimos em caminhar na contramão de tudo isso como sociedade civil. E com a chancela das autoridades.