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Reportagem da Fox Business, endossada pelo Notícias da TV, sugere que Jeff Bezos, o homem de 200 bilhões de dólares, quer comprar a rede noticiosa

Quando o dono da Amazon, Jeff Bezos, comprou o “Washington Post”, jornalistas e leitores ficaram com receio de que, para defender os negócios do empresário, a rica história de independência crítica do jornal seria deixada de lado. No entanto, nada disso se deu. Pelo contrário, o jornal está cada vez mais forte, e os editores têm o máximo de liberdade para fazer jornalismo tanto crítico quanto responsável. Novos investimentos foram feitos e não se fala mais em crise no “Post”, o jornal que, com reportagens de vários jornalistas, notadamente de Bob Woodward e Carl Bernstein, contribuiu, de maneira decisiva, para a renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974 — há quarenta e seis anos.

Jeff Bezos: dono da Amazon e do “Washington Post” | Foto: Reprodução

O “Post” é um incômodo para o governo de Donald Trump, o republicano que, embora democrata, adota um discurso de ditador. Dada a solidez das instituições americanas, que não se dobram ante a força do Executivo, o presidente não arrisca nenhum passo para além do discurso autoritário. Porque sabe que será contido. Conservador, da direta americana, Trump tem seus aliados na imprensa, como os dirigentes da Fox News. Como precisa de inimigos para se “alimentar”, apostando que, ao destratá-los reforça a própria musculatura política, o presidente ataca, com frequência, jornais e jornalistas. O “Post” e seus repórteres sofrem com a língua viperina do empresário-político. Relevante mesmo é que a imprensa americana não recua um passo e continua publicando suas reportagens e análises.

Na terça-feira, 27, o portal Notícias da TV publicou uma reportagem, “Com fortuna de US$ 200 bilhões, dono da Amazon está de olho na CNN”, assinada por Luciano Guaraldo. Não há nenhum problema sério com a reportagem, exceto, quiçá, pelo fato do imenso crédito que dá à “fonte”. O problema é, portanto, a “fonte”, não a publicação patropi, que, com um bom assunto nas mãos, simplesmente decidiu repercuti-lo.

A turma da Fox News não tem apreço algum pelo “Post” e, portanto, por Jeff Bezos. Politicamente, segundo os dirigentes da Fox, o jornal e o empresário estariam alinhados com os adversários de Donald Trump. Se é assim, devem ser “atacados”, com ou sem sutileza, direta ou indiretamente.

Charlie Gasparino: reportagem sobre aquisição tanto pode ser jornalismo quanto fofoca maledicente? | Foto: Reprodução

A reportagem do Notícias da TV informa que Jeff Bezos planeja comprar a CNN, a terceira maior rede noticiosa de televisão dos Estados Unidos (e com forte influência fora do país, o que outras não têm tanto). A empresa “vale cerca de 10 bilhões de dólares (R$ 56 bilhões)”, registra o site local. De acordo com a Fox Business, Bezos tem a intenção de criar “um império noticioso”. A fonte da notícia é o jornalista Charlie Gasparino, apresentado como “especialista em aquisições e vendas do canal de negócios do grupo Fox”. O que diz, com as próprias palavras, Gasparino? “Posso dizer que estou ouvindo esses rumores em conversas pela rua.” Veja bem: um jornalista importante, que integra um grupo forte como a Fox, pode divulgar uma informação dessa natureza, que mexe com o mercado, baseado tão-somente em “rumores” ouvidos na rua?

A notícia pode ser verdadeira, mas falta substância ao que diz Gasparino. Não há sequer uma fonte, mesmo em off the records, afiançando que o negócio foi discutido entre Jeff Bezos e a direção da CNN. Notícias da TV informa que o dono da Amazon e o porta voz da CNN não falaram com o jornalista. Mas como: um jornalista do canal Fox Business não consegue falar com empresários?! (a exclamação, no caso, é pertinente). Fica a dúvida: foram mesmo procurados? “Fontes dentro da AT&T disseram que o bilionário ainda não procurou a empresa com uma proposta.” Tais fontes foram mesmo ouvidas? Se foram, como sugere o site brasileiro, a reportagem não deveria ter “caído”? Porque, se Jeff Bezos não procurou a empresa que controla a CNN, não há negócios em vista. Portanto, cadê a motivação para a reportagem?

Talvez Jeff Bezos queira mesmo comprar a CNN, mas a reportagem de Gasparino, transcrita pelo site do UOL, não consegue comprovar isto.

Segundo o Notícias da TV, possivelmente baseado em informação de Gasparino, “a empresa de telecomunicações que controla a CNN atualmente tem uma dívida de mais de US$ 150 bilhões (R$ 860 bilhões) e está tentando se desfazer de algumas de suas propriedades para fazer caixa. Boa parte desse valor devido se deve à aquisição da WarnerMedia (antiga Time Warner), em 2016 a AT&T desembolsou US$ 85,4 bilhões (R$ 483 bilhões) para comprar o conglomerado”.

No entanto, a CNN “opera no azul, o que a torna atrativa para Bezos”. “Ela dá lucro, apesar de ser apenas o terceiro [canal de notícias] mais visto dos Estados Unidos”, ironiza Gasparino. O que temem Gasparino e seu patrão? Que, com mais dinheiro em caixa, a CNN tome o primeiro lugar da Fox, a primeira colocada em nível de redes noticiosas? A segunda colocada é a MSNBC (da NBCUniversal). A “reportagem” (as aspas declaram que se trata de um material no mínimo suspeito) será uma ação defensiva, uma reação?

Gasparino frisa que a CNN se tornou “um para-raios de críticas”, notadamente dos seguidores do Partido Republicano, quer dizer, dos aliados de Trump. Ora, críticas são normais numa democracia. Críticas ideologicamente dirigidas, como no caso, em geral não são levadas em consideração pelos telespectadores, que, na verdade, só querem coberturas amplas e, factualmente, precisas. Frise-se que a Fox também é muito criticada pelos americanos, principalmente por aqueles que preferem o Partido Democrata.

Ao dizer que, por ser crítica aos equívocos de Trump — o presidente, por sinal, está pegando mais leve, por causa de sua posição nas pesquisas, atrás de Joe Biden, o candidato democrata —, a CNN pode prejudicar a empresa que a controla, a AT&T, do ramo de telecomunicações, Gasparino está sugerindo, por acaso, que a rede tem de “atenuar” o caráter crítico de seu jornalismo? É o que parece. Eis as palavras do jornalista: “Canais como o TCM, que exibe filmes clássicos, são mais inofensivos, a AT&T não tem tanto interesse em vendê-los agora. Já a CNN, por motivos óbvios, virou saco de pancadas”. Noutras palavras, está sugerindo que a CNN deveria fazer um jornalismo do tipo cordeirinho. Gasparino será mesmo um jornalista ou, de tanto escrever sobre negócios, planeja se tornar um negociante da informação?

Afinal, Jeff Bezos quer mesmo comprar a CNN? Talvez sim. Mas, fiados no que disse Gasparino, replicado no Brasil pelo Notícias da TV, os leitores não têm informação precisa para responder “sim” de maneira enfática. O texto do jornalista do canal Fox Business cheira a fofoca maledicente (oxalá não seja fake news disfarçada de jornalismo).

Dinheiro Jeff Bezos tem de sobra. Sua fortuna é avaliada em 200 bilhões de dólares (ou 1,1 trilhão de reais). Maior do que o PIB de vários países.

Link para o texto do Notícias da TV

https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/mercado/com-fortuna-de-us-200-bilhoes-dono-da-amazon-esta-de-olho-na-cnn-44809