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As guerras de “famosos” — e até entre as celebridades por 15 segundos — têm um quê de fantasia. Mesmo quando não são “armação”, dada a contundência dos insultos, fica parecendo que são.

Quem se mete na briga de famosos, no lugar de iluminar os “fatos”(deus: fatos?), acaba por, indiretamente, endossá-los. Porque o que se busca, em geral, é mais cliques e seguidores. Quanto mais guerreiros, e mais fortes os petardos, mais seguidores e, por vezes, mais dinheiro no bolso. No momento, fica mais célebre não quem é elogiado, e sim aquele que é mais insultado.

Brito Júnior: o conservadorismo travestido de bom-mocismo | Foto: Reprodução

Fica-se com a impressão de que se busca o “insulto”, de maneira estudada, para reforçar a fama. Felipe Neto, cada vez que é vilipendiado — e ele tem razão em processar seus acusadores, quase sempre espalhadores de fake news —, fica mais famoso, e possivelmente ganha mais dinheiro. Porque se trata disso: mais fama atrai mais dinheiro.

Então, aquele que “defende” ou “ataca” o jogador Neymar ou a atriz Luana Piovani — uma mulher, frise-se, de coragem —, longe de entender o que realmente está acontecendo, reforça a fama de ambos. Torna-se peão de um jogo midiático que ninguém mais controla, mas, ainda assim, há pessoas ganhando com a troca de mísseis verbais. Não somos nós, os anódinos, e sim os contendores

Se é assim, por que estou envolvendo meu cérebro, minha colher e minha lapiseira Bismark (o nome alemão valoriza o produto chinês) na briga recente entre Brito Jr. e Luana Piovani? Não sei. Não deveria fazê-lo, para não perder tempo e, sobretudo, para não promover os dois e Neymar.

Simone de Beauvoir: mulheres fortes incomodam a “fragilidade” dos homens | Foto: Reprodução

Como a “primeira” guerra começou? Neymar estaria defendendo a privatização das praias brasileiras (ele já estaria negando) — assim como o senador Flávio Bolsonaro, do PL — e Luana Piovani é contrária (tendo a endossar a posição da atriz e a sugerir que os imóveis da família Bolsonaro sejam privatizados ou, quem sabe, estatizados).

Neymar, que anda jogando um bolão mais com a boca do que os pés — e estou entre os que ainda o consideram um craque admirável, porque é um artista dos gramados —, e Luana Piovani irmanam-se, por vezes, no uso deselegante das palavras. Porém, no caso recente, o atleta exagerou na dose. Chegou a insinuar que é “velha”, pois teria 50 anos (tem 47). E fez ataques ainda mais violentos — inomináveis.

Numa defesa indireta de Neymar, o apresentador do reality show “A Fazenda”, Brito Júnior, disse que, como fuma maconha, Luana Piovani colabora com o tráfico de drogas. “Não haveria nenhum problema na revelação do hábito matinal de Luana Piovani se, baseado nisso, ela não estivesse colaborando com o narcotráfico. Aliás, essa indústria criminosa só prospera porque são muitos os que fazem o mesmo que ela faz”.

Fumar um baseado todas as manhãs, como faz Luana Piovani, é crime? Primeiro, usar maconha não é o mesmo que traficar. Portanto, a atriz é usuária — não é traficante. Segundo, o ato de fumar em si não significa que a pessoa é responsável pelo narcotráfico.

A lógica de Brito Júnior, derivada de uma argumentação moralizante e conservadora, parece certeira, mas não é. O uso recreativo de maconha nada tem de absurdo (e quem está escrevendo isto não é usuário de nenhuma droga).

Vejamos uma comparação… esdrúxula. Os veículos (na verdade, os motoristas) “são” responsáveis por milhares de mortes nas ruas e rodovias brasileiras. Então, quem usa carro é responsável, necessariamente, pelas mortes? Pelo raciocínio enviesado de Brito Jr., os usuários de automóveis e caminhões são, ao menos, potenciais assassinos e os fabricantes e donos de concessionárias, por vender veículos, são, indiretamente, “culpados”. Seriam, por assim dizer, uma espécie de narcotraficantes.

Na verdade, usa-se a informação de que Luana Piovani usa maconha, não exatamente para respondê-la, ou mesmo acusá-la de uma ação ilícita, e sim com o objetivo de desclassificá-la moralmente, de reduzir a força de seus argumentos. Porque a atriz é uma crítica contumaz do machismo, da misoginia. Sua independência verbal e comportamental e sua inteligência ferina parecem incomodar muita gente, sobretudo os homens, que talvez tenham medo dela, como tinham de Rosa Luxemburgo, Hannah Arendt, Simone de Beauvoir e Consuelo Nasser. (A rigor, chego a apreciar a insolência verbal de Luana Piovani.)

Noutras palavras, se usa maconha, Luana Piovani “não” tem o direito de se pronunciar. Ou melhor, o que diz não tem relevância e não merece acatamento. Por que mesmo? Talvez porque é uma mulher que não aceita ser silenciada pela violência verbal dos homens, como Neymar e Brito Júnior.

Mas será que Luana Piovani realmente se importa com os “ataques” — que a tornam ainda mais famosa? Não sei. Tomara que sim.