Trecho de entrevista no Enem é recompensa à linha editorial do Jornal Opção

28 novembro 2021 às 00h03

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Depoimento forte do professor Altair Sales sobre o Cerrado e a crise hídrica foi incluído na prova do 1º dia do exame deste ano

A razão principal de o jornalismo existir é a informação. O profissional da comunicação se sente realizado quando consegue colaborar com o público, seja por meio de uma reportagem que elaborou, por um artigo em que expôs suas ideias ou por uma entrevista que realizou e trouxe mais luz sobre determinado tema.
Esse reconhecimento pode vir por meio de prêmios em concursos, o que é importante como marca, mas geralmente fica restrito a um júri, ainda que com pessoas qualificadas para escolher os melhores trabalhos.
Outra forma é a repercussão de um texto por meio de sua discussão em um currículo escolar, inclusão num livro didático ou até mesmo em uma prova de seleção para vagas na faculdade. Ter um texto incluído numa seleção como a do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é bastante gratificante como indicativo de estar cumprindo bem a função de comunicar – e comunicar temas importantes.
Foi o que ocorreu com o Jornal Opção no Enem deste ano. Depois de tantas polêmicas que cercaram os dias antecedentes ao exame, a prova do primeiro domingo veio sem grandes críticas. Para este tradicional periódico de Goiás, porém, o texto elaborado pela comissão trouxe um pequeno “presente”: um trecho de uma entrevista publicada em outubro de 2014, com o professor e arqueólogo Altair Sales Barbosa, um dos idealizadores do Memorial do Cerrado, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e também uma das grandes referências no que diz respeito ao conhecimento desse bioma.
O título daquele texto, resumindo a ideia de Altair sobre a questão ambiental na região, é, no mínimo, desolador: “O Cerrado está extinto e isso leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água”. A fala do professor ao jornalista Elder Dias durou em torno de uma hora e meia e, mais do que uma mera entrevista, foi uma aula completa sobre o Cerrado. É, até hoje, mesmo após sete anos, uma das matérias antigas mais acessadas.
O trecho selecionado pelo Enem, para a questão 34, dizia respeito à questão da manutenção dos reservatórios de água doce. É preciso recordar aqui que 2014 foi o ano em que o Sudeste brasileiro, especialmente São Paulo, viveu sua pior crise hídrica e o assunto levou, naturalmente ao questionamento a Altair Sales sobre o destino dos aquíferos no Brasil.
Veja o trecho completo a respeito desse tema:
Por isso, falamos que o Cerrado é um ambiente em extinção: não existem mais comunidades vegetais de formas intactas; não existem mais comunidades de animais – grande parte da fauna já foi extinta ou está em processo de extinção; os insetos e animais polinizadores já foram, na maioria, extintos também; por consequência, as plantas não dão mais frutos por não serem polinizadas, o que as leva à extinção também. Por fim, a água, fator primordial para o equilíbrio de todo esse ecossistema, está em menor quantidade a cada ano.
Como é a situação desses aquíferos atualmente?
Há três grandes aquíferos na região do Cerrado: o Bambuí, que se formou de 1 bilhão de anos a 800 milhões de anos antes do momento presente; os outros dois são divisões do Aquífero Guarani, que está associado ao Arenito Botucatu e ao Arenito Bauru que começou a se formar há 70 milhões de anos. O Guarani alimenta toda a Bacia do Rio Paraná: a maior parte dos rios de São Paulo, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul – incluindo o Pantanal Mato-Grossense – e grande parte dos rios de Goiás que correm para o Paranaíba, como o Meia Ponte. Toda essa bacia depende do Aquífero Guarani, que já chegou em seu nível de base e está alimentando insuficientemente os rios que dependem dele. Por isso, os rios da Bacia do Paraná diminuem sua vazão a cada ano que passa.
Então, podemos ter nisso a explicação para a crise da água em São Paulo?
Exato. Como medida de urgência, já estão perfurando o Arenito Bauru – que é mais profundo que o Botucatu, já insuficiente –, tentando retirar pequenas reservas de água para alimentar o sistema Cantareira [o mais afetado pela escassez e que abastece a capital paulista]. Mesmo se chover em grande quantidade, isso não será suficiente para que os rios juntem água suficiente para esse reservatório. Assim como ocorre no Cantareira, outros reservatórios espalhados pela região do Cerrado – Sobradinho, Serra da Mesa e outros – vão passar pelo mesmo problema. Isso porque o processo de sedimentação no fundo do lago de um reservatório é um processo lento. Os sedimentos vão formando argila, que é uma rocha impermeável. Então, a água daquele lago não vai alimentar os aquíferos. Mesmo tendo muita quantidade de água superficial, ela não consegue penetrar no solo para alimentar os aquíferos. Se não for usada no consumo, ela vai simplesmente evaporar e vai cair em outro lugar, levada pelas correntes aéreas. Isso é outro motivo pelo qual os aquíferos não conseguem recuperar seu nível, porque não recebem água.
O trecho grifado em negrito foi o utilizado no Enem, para contrapor a outro texto, que considerava como “mito” a questão da diminuição dos reservatórios e, por consequência, a estiagem em São Paulo naquele momento.
Levar a informação de boa qualidade à sociedade deve ser a principal meta de qualquer veículo de comunicação. Quando isso vem acrescido de um debate amplo, como ocorre em situações assim, é um “bônus” que faz tornar o trabalho ainda mais recompensador.
É também um reconhecimento à linha editorial do Jornal Opção, que sempre prezou por discussões aprofundadas não apenas sobre políticas, mas todos os grandes temas da sociedade. Mesmo com base em um Estado brasileiro periférico, com o advento da internet e das redes sociais, o alcance da mensagem não tem fronteiras. E o que é material de qualidade fica, portanto, à mão de qualquer pessoa que fizer uma busca no Google.