Pesquisadores goianos mapeiam áreas de pastagem no Brasil por meio de imagens de satélite com aplicação de algoritmo de inteligência artificial

Leandro Leal Parente e Sérgio Henrique Moura Nogueira - Lapig UFG - Fotos Fábio Costa Jornal Opção
Doutorandos em ciências ambientais, Leandro Parente e Sérgio Henrique Nogueira realizam monitoramento de pastagens por meio de imagens de satélite | Fotos: Fábio Costa/Jornal Opção

As informações de mapeamento de pastagens disponíveis nos dados da plataforma MapBiomas são fruto do trabalho de pesquisa realizado no Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás (Lapig-UFG), no Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa). Doutorandos em Ciências Ambientais, o cientista da computação Leandro Leal Parente e o geógrafo Sérgio Henrique de Moura Nogueira fazem parte de uma equipe que utiliza a inteligência artificial para detectar, analisar e mapear as áreas de pasto em todo o Brasil.

Com uso de imagens de satélite, o fruto do trabalho de pesquisa do grupo pode ser acompanhado pelo portal Atlas Digital das Pastagens Brasileiras. Na entrevista, Parente e Nogueira falam sobre a situação do Cerrado, que tem hoje menos de 50% de sua área atual protegida por reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs), a exploração da atividade agropecuária nas terras já desmatadas, como é feito o trabalho até chegar aos dados disponibilizados, com série histórica desde 1985, e qual a contribuição do uso da tecnologia na análise dos dados disponíveis.

Augusto Diniz – Qual é o trabalho feito pelo grupo de pesquisa do qual vocês fazem parte?
Leandro Parente – Essencialmente, o grupo de pesquisa no qual estamos envolvidos tem basicamente dois temas de estudo. O primeiro é o estudo, mapeamento e detecção das áreas de pastagem do Brasil. Realizamos o mapeamento das áreas que são usadas pela pecuária no Brasil inteiro. O mapa que a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] utiliza hoje para fazer as análises e definir questões relacionadas a políticas públicas é produzido aqui no Lapig [Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento].

Desenvolvemos um portal [Atlas Digital das Pastagens Brasileiras], que é específico para a parte de pastagem, no qual todos os mapas estão disponíveis de forma pública. Conseguimos ver a área atual de pastagem do Brasil e a curva do mapa de pastagem desde 1985. Todo o mapeamento foi feito através de imagens de satélite. Trabalhamos com um satélite governamental americano Landsat. Os dados que temos disponibilizados pelo satélite Landsat 5 são a partir de 1985.

Para fazer o mapeamento, trabalhamos com três satélites, que são uma espécie de sequência. Primeiro vieram os dados do Landsat 5, depois do Landsat 7 e agora temos dados do Landsat 8. Temos disponível o mapeamento de qualquer município ou região do Brasil. Para entrar na parte de Goiás, é possível entrar nos mapas e escolher alguns filtros e ver, por exemplo, a área de pastagem no Estado e comparar com o rebanho bovino, a partir de dados censitários do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística].

Se você pegar áreas como de Rio Verde e Jataí, onde tínhamos muitas áreas de pastagem no início do período analisado, agora temos menos áreas. É possível analisar a ocupação: onde há expansão das áreas de pastagens, onde há retração da atividade e onde entra a agricultura sobre as áreas de pastagem.

Tem outra parte do projeto que trabalha a detecção de áreas que estão degradadas. O conceito de pastagem degradada é uma área que não serve tão bem para o propósito de alimentar o gado. São áreas com baixa produção de forragem. Em alguns casos o produtor abandonou a área ou não cuida bem daquela pastagem com o manejo adequado. Esse é um dos grandes problemas hoje no País.

Existe uma discussão que é conseguir frear o desmatamento com melhor uso das áreas que já estão abertas. Ao verificar a pastagem, principalmente na Amazônia, é possível verificar que houve o avanço das áreas. Para que houvesse o avanço das áreas de pastagens, foi feito o desmatamento daquela área para depois se fazer o plantio da pastagem e começar a entrar com a atividade pecuária.

São áreas que já foram aberta. Por isso se discute que, ao invés de abrir novas áreas e desmatar mais, faça-se um uso mais inteligente do que já está aberto. Encontrar as áreas mais degradadas, que são as de baixa produtividade, passa por melhorar o uso. Existem políticas do próprio Ministério da Agricultura para incentivar o produtor a recuperar uma área de pastagem.

Augusto Diniz – Quantas pessoas trabalham no monitoramento de pastagens?
Leandro Parente – São todos que estão nesta sala direta envolvidos [no momento em que a entrevista foi gravada, menos de dez pessoas estavam no local. No site do Lapig, consta que 24 pessoas, alunos de cursos de graduação, mestrado e doutorado, além de um técnico de informática, compõem o Núcleo de Sensoriamento Remoto Orbital]. Temos outras pessoas que estão vinculadas ao programa de pós-graduação.

O mapeamento das áreas de pastagens foi feito de forma automática. Mapeamos usando algoritmos de inteligência artificial e de aprendizado de máquina. Só que os algoritmos precisam do que chamamos de amostras de treinamento. Temos um conjunto de intérpretes que olham alguns pontos e falam o que é um pasto, o que é uma floresta, o que é agricultura. Usamos essas coordenadas para treinar um algoritmo, uma abordagem de classificação automática, que opera sobre as imagens de satélite e consegue gerar isso para o Brasil inteiro.

Augusto Diniz – As pessoas que participam da pequisa são de quais áreas?
Leandro Parente – Temos alunos e pesquisadores da Geografia, das Ciências Ambientais, da Ciência da Computação, Sistema de Informação e Estatística.

Augusto Diniz – Há diferença entre o trabalho de pesquisa e a pesquisa acadêmica realizada no núcleo específico?
Leandro Parente – São questões que caminham juntas. Existem pessoas que entram no programa de pós-graduação com um tema mais específico. O professor Laerte [Guimarães Ferreira, docente ligado ao Lapig] tenta direcionar o tema de mestrado ou doutorado que é realizado para algum projeto de pesquisa, como o de monitoramento de pastagens.

Tentamos fazer as duas coisas. Meu mestrado foi realizado dessa forma. Trabalhei em um projeto de pesquisa que tinha como objetivo gerar o mapa de pastagem para o Brasil de um ano, que era o de 2015. Para atingir o objetivo foi preciso fazer revisão bibliográfica, trabalhar com abordagem de pesquisa, mas muito orientado a quem financiava nossa pesquisa. Boa parte do nosso financiamento vem do terceiro setor, de fundações de apoio à pesquisa.

Na época, éramos financiados por uma fundação americana, a Gordon and Betty Moore Foundation. É uma fundação vinculada à Intel, que fabrica processadores para computador. Eles têm vários projetos no Brasil e colocam muito dinheiro no nosso País pensando na parte de sustentabilidade ambiental. Um dos gaps (lacunas) de informação que se tinha era a questão da parte de pastagem. A Gordon and Betty Moore Foundation financiou nosso laboratório para produzir dados que chamamos de dados primários.

Não tínhamos um mapa de pastagens para o Brasil todo até a realização da pesquisa. O mapa mais recente era de 2002. E tinha sido feito por critérios manuais. Era basicamente um exército de pessoas olhando imagens para dizer se tratava-se de pasto ou agricultura. Foi um projeto financiado pelo governo brasileiro.

Augusto Diniz – Também por meio de imagens de satélite?
Leandro Parente – Tudo por imagem de satélite.

Italo Wolff – Quando veio a contribuição da identificação por meio de inteligência artificial?
Leandro Parente – Veio no meu mestrado. Quando fomos trabalhar com este desafio de investigação de pesquisa, dado a quantidade de pessoas que tínhamos, quisemos trabalhar com o método automático para identificação das áreas de pastagem. Geramos as amostras de pastagem, áreas que sabíamos que eram de pastagem e aqueles que não eram para o treinamento e desenvolvemos uma abordagem para fazer a classificação automática baseada em algoritmos de aprendizado de máquina. Minha formação é em Ciências da Computação. Fiz o mestrado nas Ciências Ambientais, mesma área do doutorado que estou fazendo.

Italo Wolff – O algoritmo foi desenvolvido por vocês?
Leandro Parente – Não especificamente. Usamos um algoritmo clássico na computação chamado random forest. Mas o todo o encadeamento do processo, a abordagem de classificação, nós que fizemos. O algoritmo existe e é usado em diversas áreas. A aplicação do algoritmo nas imagens, como isso deveria ser feito, a criação das amostras e todo o processo para gerar o mapa fomos nós que desenvolvemos.

Depois que definimos a abordagem de classificação, com contribuição científica, que se tornou artigo publicado, veio o segundo esforço de gerar os dados ao longos dos anos, que também se tornou uma nova publicação. Geramos o primeiro mapa para um ano e depois conseguimos aplicar o conceito para séries históricas. Quando começamos a gerar os mapas de pastagem, começamos a fazer parte do Método Londres, que é um projeto de mapeamento que trabalha com o mesmo intervalo e que mapeia o Brasil inteiro, mas não só na parte de pastagem.

O nosso mapa de pastagem integra o mapa com diferentes resultados de mapeamentos, que são combinados para gerar um mapa final e compor o resultado do MapBiomas, que é um projeto maior, com várias iniciativas e organizações. Nós somos responsáveis por mapear as áreas de pastagem. No caso do MapBiomas, existem instituições que mapeiam a Amazônia, o Cerrado, a Catinga, a Mata Atlântica, o Pantanal e o Pampa. A empresa Agrosatélite Geotecnologia Aplicada é responsável pelo mapeamento da agricultura.

Augusto Diniz – Vocês são responsáveis pelo mapeamento da pastagem em todo o Brasil?
Leandro Parente – Exatamente. O mapa que mostrei para vocês das pastagens no Brasil compõe o mapa do MapBiomas. Mas trabalhamos com produtos independentes. Quando combinamos os mapas, como no caso do bioma Pampa, é o que eles chamam de formações campestres. Seria mais uma área do aspecto natural. Nós chamamos de pastagem porque sabemos que lá tem pasto de animais. Encaramos como dois produtos, mas todo o processo de classificação, abordagem e mapeamento converge no MapBiomas.

Toda a classificação e processo de aprendizado de máquina acontece em uma plataforma da Google Earth Fenge. É uma plataforma de processamento de nuvem que organiza as imagens de satélites públicas do mundo nos disponibilizam para que possamos utilizar algoritmos nesses dados. Toda a abordagem de classificação que desenvolvemos roda na infraestrutura da Google, que foi criada e é mantida há muito tempo especificamente para a parte de pesquisa de imagens de satélite.

Augusto Diniz – Pelos dados que vocês têm disponíveis nos mapas desenvolvidos, é possível dizer se as áreas de pastagens abertas até hoje são suficientes para manter a atividade econômica sem desmatar mais terras?
Leandro Parente – É uma boa pergunta. Essa é um hipótese que trabalhamos. Mas para responder a sua pergunta, o ideal é que consigamos ter algum nível de projeção de crescimento na produção de alimentos. Se pensarmos no que o Brasil mais exporta de alimentos, temos a soja e a carne bovina. O produtor opta por não abandonar a pecuária e começar a plantar soja.

No Cerrado, a região do Matopiba, que fica mais ao Norte e envolve os Estados do Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia, ainda tem muito desmatamento para plantio de soja. Em alguns locais, o produtor não vai desmatar e passa a plantar a soja em cima das áreas de pastagem. Esse é um problema bem complexo. A forma que tentamos abordá-lo é com a elaboração de cenários de expansão para o futuro. Criamos algumas restrições no modelo para que algumas áreas não seja mais permitido o desmatamento.

Considerando as áreas que já estão abertas, se formos ter expansão de soja e de carne precisamos trabalhar com os dois cenários para verificar até quando conseguiríamos atender as demandas. Acreditamos que haverá expansão da produção de soja até determinado momento em decorrência da demanda mundial e de carne. Mas para responder à pergunta de forma mais objetiva precisaríamos incluir outro tipo de análise em termos econômicos.

Sérgio Henrique Nogueira – Faz parte da minha tese a busca pela expansão agrícola sustentável, que seria o aproveitamento da área de pastagem. O que fizemos na pesquisa foi pegar as áreas de pastagem e consideramos como se fosse um estoque de terras para expansão da agricultura. Criamos um modelo para verificar onde estão as áreas com aptidão agrícola no Cerrado, considerando a precipitação, declividade e altitude.

E pensamos onde, das áreas com aptidão, seria mais interessante de a agricultura entrar. O resultado ao qual chegamos de áreas prósperas para a agricultura, com boas condições de solo e boa infraestrutura, seriam aproximadamente 11 milhões de hectares disponíveis para a atividade agrícola. É um número superior ao da expansão da soja entre 2000 e 2017.

Augusto Diniz – Mas isso apenas no Cerrado?
Sérgio Henrique Nogueira – No Cerrado. Seriam áreas consideradas como o filé mignon para a agricultura. Mas entram questões sobre a expansão da agricultura nas áreas de pastagem. Se a soja expandir seu plantio em áreas de pastagem, o que pode acontecer com o boi? O animal pode correr para áreas desmatadas ou forçar um novo desmatamento?

A pesquisa que estamos produzindo chegou à conclusão de que não precisa disso. Nós impomos algumas restrições. A premissa que colocamos é que a soja vai expandir em um município até que haja o dobro da lotação bovina, que é a quantidade do rebanho na cidade pela área. É uma condição viável que conseguimos observar em boa parte dos municípios. Com investimento é possível alcançar o dobro da lotação bovina.

Leandro Parente – Para alcançar o dobro da lotação bovina, se tivéssemos cem cabeças de gado e cem hectares, teríamos uma cabeça de gado por hectare. O que estamos fazendo é delimitar em 50 hectares a área para o rebanho bovino. Mantivemos a mesma quantidade de boi. Aquela área precisa ser mais produtiva. Tem de haver um certo nível de investimento para melhorar a produção nas áreas de pastagem.

Sergio Henrique Nogueira – E é uma discussão muito importante. Quando há uma expansão horizontal das áreas de pastagem, demanda investimento em outras áreas, como infraestrutura. Muitas vezes em áreas desmatadas não há rodovias pavimentadas, existe uma dificuldade para escoar a produção. Pensando que a agricultura pode expandir para área de pastagem, haveria um facilitador para novos investimentos. Mas não é o que tem ocorrido.

O Cerrado tem apenas 7,5% das áreas protegidas. Há aproximadamente 40% do bioma protegido dentro de APPs [áreas de proteção permanente] e reservas legais. De 40% a 50% do Cerrado está livre para o desmatamento. Não basta apenas a questão legal. Cumprir o Código Florestal não é o suficiente para a preservação. Alguns artigos já colocam isso. Temos o Cerrado como um bioma mais desprotegido. Isso justifica o fomento de políticas públicas que explorem o potencial das pastagens degradadas. Podemos ter um desenvolvimento sem desmatamento, com utilização das áreas que já estão abertas.

Augusto Diniz – O levantamento que é feito pelo monitoramento das áreas de pastagens inclui a condição dos mananciais de água disponíveis?
Leandro Parente – Não. Dividimos a pesquisa em um primeiro momento na tentativa de identificar onde estão essas áreas, que o mapeamento. Hoje estamos em um nível operacional. Já conseguimos gerar mapas para 2019 e 2020 com relativa facilidade e com um bom nível de confiança. Nossa acurácia está em torno de 90%.

Uma vez que temos os mapas, queremos desenvolver algumas análises, como, por exemplo, encontrar as áreas degradadas. Tem um outro grupo de pesquisa que investiga das áreas verificadas, quais estão degradadas de fato, com muito solo exposto e pouco produtivas. São áreas que poderiam ser melhor aproveitadas dentro do contexto de produção sustentável.

Italo Wolff – Como vocês verificam o nível de degradação do solo? É utilizada também a inteligência artificial por meio das imagens disponíveis?
Leandro Parente – Ainda não. Para fazer o mapeamento das áreas de pastagem, trabalhamos com um algoritmo de inteligência artificial de aprendizado de máquina que precisa de amostras. Sorteamos mais de 30 mil pontos, que foram coordenadas, às quais foram inspecionadas. Para verificar níveis de degradação, é muito difícil olhar uma imagem e dizer se aquela área está degradada ou não. É difícil de uma pessoa fazer isso olhando só imagens.

O Sérgio é um intérprete de imagem com bastante experiência. Ele consegue olhar para a imagem e definir que área é aquela, se uma área de pastagem, agricultura, vegetação natural. Mas olhando uma imagem não conseguimos dizer se é uma pastagem degradada ou não. Esse nível de informação depende muito de um trabalho de campo. Para que usemos um algoritmo de aprendizado de máquina, precisamos ter muito mais dados do que temos hoje.

Temos feito muito trabalho de campo. Sérgio é o responsável pelo trabalho in loco. No mapa, é possível ver marcados todos os pontos de campo que foram gerados na pesquisa. Todos os pontos têm foto. Quando a pessoa clica nos pontos, ela consegue ver fotos que foram tiradas pelo Sérgio nesses locais. A partir das fotos tiradas nos locais conseguimos dizer se havia solo exposto, se a área tinha gado. Ainda assim, é uma quantidade pequena de locais verificados do ponto de vista de utilização de algoritmos de aprendizado de máquina.

O que fazemos é uma abordagem diferente. Pegamos as áreas de pastagem e avaliamos o que é chamado de índice de vegetação, que é basicamente a resposta que a vegetação dá e que o satélite consegue captar. E avaliamos isso ao longo do tempo em intervalos de dez a 15 anos. Observamos se o nível do índice de vegetação tem uma tendência de queda ao longo do tempo comparado a um período anterior das áreas de pastagem.

Por exemplo, se há uma área em degradação, que o pecuarista maneja de forma errada, coloca gado a mais, não repõe com nutriente e aparece áreas de solo exposto, a hipótese é que o nível de índice de vegetação tem uma tendência de queda. O que aparece em vermelho nos mapas são áreas apresentaram a tendência de queda. Isso condiz com o que vemos na imagem do Google em uma análise visual. Mas é muito difícil apenas olhando uma imagem de satélite dizer se trata-se de uma área degradada ou não. Então partimos da ideia de analisar o comportamento temporal da resposta da vegetação.

“Boa parte do nosso financiamento vem do terceiro setor, de fundações de apoio à pesquisa”

Leandro Leal Parente - Lapig UFG - Foto Fábio Costa Jornal Opção (1) editada
Pesquisador Leandro Parente mostra resultados obtidos no trabalho de mapeamento de pastagens brasileiras no Lapig | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção

Italo Wolff – O que liberaria 11 milhões de hectares de pastagem seria a recuperação dessas áreas?
Sérgio Noronha – Seria em um cenário no qual houvesse a recuperação das áreas degradadas e uma intensificação no manejo de pastagens.

Leandro Parente – Pensando em um nível de implementação de política pública, seria preciso ter uma política pública que direcione áreas que têm melhor aptidão agrícola a ser usadas para o plantio de soja. E áreas que precisam ser restauradas seja aplicado recurso para que fazer a restauração. O ideal seria conseguir atender as duas demandas sem realizar novos desmatamentos, com política de desmatamento zero.

Seriam áreas de restauração em cumprimento do que estabelece o Código Florestal. No Cerrado, de acordo com o Código Florestal, precisamos ter 20% das áreas de vegetação natural preservadas em todos os municípios, com exceção dos que estão na Amazônia.

Sérgio Noronha – No caso da Amazônia legal é 35%.

Leandro Parente – No caso do Mato Grosso, que está no Cerrado, mas também na Amazônia legal, é 75%.

Sérgio Noronha – Formações campestres e savânicas são 35% e florestais 80%.

Leandro Parente – No caso de um município goiano, é preciso que haja 20% de reserva legal em área preservada. Mais APPs.

Augusto Diniz – É possível verificar pelo monitoramento feito até aqui se os municípios goianos obedecem os 20% de áreas de proteção permanente?
Sérgio Noronha – Fizemos um estudo considerando os limites do municípios. Para dar uma resposta mais exata seria interessante considerar os limites da propriedade porque a legislação é toda focada na propriedade. Mas considerando o município, percebemos que a maior parte é cumprida.

O que acontece é que pode haver áreas de um parque nacional ou uma área protegida no município e outra que esteja totalmente desmatada. Nas propriedades, aquelas áreas desmatadas não cumprem o Código Florestal. Aparentemente pode se partir da conclusão de que o estabelecido pela legislação é cumprido nos municípios, mas é uma análise de propriedade, o que ainda não fizemos.

Leandro Parente – Podemos ter, por exemplo, uma propriedade que houve desmatamento em toda sua área e outra com mais da metade preservada, o que compensaria a que desmatou tudo.

Augusto Diniz – Quais foram os avanços desde o primeiro mapa elaborado na pesquisa de mestrado?
Leandro Parente – No mapeamento, avançamos na reprodução e geração do mapa para uma série histórica, que vemos disponível no Atlas Digital das Pastagens Brasileiras. No mestrado, trabalhei com a geração do mapa para o ano de 2015. No doutorado, trabalho para avançar na replicabilidade do método para todos os anos anteriores com imagens disponíveis. Hoje temos um mapa até 1985. Se eu quiser ver como era Goiás em 1985, faço o filtro dos dados no portal e terei disponível a verificação de que tínhamos muitas áreas de pastagem, principalmente no Sul do Estado.

Além de compor minha pesquisa de doutorado, é a segunda etapa do projeto que conseguimos. A segunda etapa foi financiada pela TNC [The Nature Conservancy], que é uma ONG mundial que financia vários projetos no Brasil, e também está inserida no contexto do MapBiomas. Como o MapBiomas precisava ter os mapas anuais para o mesmo intervalo de tempo, alinhamos os diversos interesses.

Observamos que a área de Goiás mais ao Sudeste tinha bastante pastagem em 1985. Quando trazemos para 2017, toda essa área foi convertida para agricultura.

Augusto Diniz – Vocês têm dados percentuais do que era área de pastagem em 1985 e como essa realidade mudou nos mapas mais recentes?
Leandro Parente – Falo que é agricultura porque é uma região que nós conhecemos. Como não tinha um mapa de agricultura para afirmar exatamente o que era, só posso afirmar que aquela área deixou de ser pastagem. Do ponto de vista de deixar de ser pastagens, duas coisas podem ter ocorrido. A área pode ter sido abandonada. O proprietário deixou de mexer com a atividade e a vegetação voltou a crescer. Ou plantou algo diferente, que pode ser silvicultura, cana-de-açúcar ou soja.

São duas respostas. Em uma não há nada produtivo e se restaura a vegetação. Na outra há sim uma produção acima do rendimento da pecuária. Como trata-se de Goiás, assumimos que quase tudo virou agricultura. Temos uma análise que foi gerada que é a seguinte: 3,8 milhões de hectares foram pastagens abandonadas ou convertidas desde 1985. São as áreas que aparecem em vermelho para quem consulta o nosso portal.

A diferença das áreas citadas para as pastagens antigas é a de que as pastagens antigas eram pastagens em 1985. Nas outras, o proprietário pode ter aberto a área, não era pasto em 1985, mas em algum momento virou pastagem e depois migrou para a agricultura. É uma dinâmica um pouco mais complicada de analisar. E temos também as áreas que são de pastagem em todo o período verificado, que é o que chamamos de pastagens antigas.

Italo Wolff – Há uma forte parceria com o terceiro setor. Como são usados os dados que vocês produzem?
Leandro Parente – Quando pensamos nos projetos que temos no Lapig, o que o terceiro setor faz é colocar um recurso, mas não há um trabalho como se fosse uma empresa. Não há a solicitação de um dado muito específico e nós produzimos a partir da demanda. O terceiro setor atua muito mais no fomento à pesquisa.

É como se você tivesse uma startup e um investidor colocasse dinheiro na sua atividade. A diferença é que aquele investidor quer um retorno financeiro. No caso dos projetos com os quais trabalhamos até agora, o dinheiro que chega é encarado como uma doação legal, por meio de contrato. Do ponto de vista jurídico, é feita uma doação para a universidade por meio da Fundação de Apoio à Pesquisa, a Funape, que tem um CNPJ.

O dinheiro entra e é administrado pela fundação, temos flexibilidade para contratação de bolsas de pesquisa. Dos projetos nos quais trabalhamos, a contrapartida pedida pelo terceiro setor era a publicização da informação e torná-la disponível. Sabemos que a TNC tem outros projetos e usa os mapas que nós elaboramos no Lapig em análises para promover cenários para onde atividade econômica da soja pode ser expandida e as pastagens seriam melhor utilizadas.

Augusto Diniz – Mas poderia haver uma doação direta de empresas ou produtores agropecuários que peçam o direcionamento de parte da pesquisa para uma demanda do setor?
Sérgio Noronha – Temos uma relação estreita com a WWF [World Wildlife Fund] e a TNC. E são ONGs que tem parcerias com várias traders (investidoras).

Leandro Parente – Elas mesmas fazem este meio de campo.

Sérgio Noronha – Há a prestação de uma consultoria por parte dessas instituições.

Augusto Diniz – Mas o uso é dos dados que vocês produzem na pesquisa? Ou vocês têm o contato direto com os investidores e ONGs?
Leandro Parente – Nós do Lapig não. Já tivemos financiamento de empresa, mas foi no mesmo âmbito do terceiro setor, para promover o portal do Atlas Digital das Pastagens Brasileiras, no início da pesquisa, a Agroicone. Na UFG, se uma empresa quiser direcionar alguma pesquisa a doação é feita para a fundação. O recurso entra para a fundação. Temos também o portal do Lapig, no qual está o próprio Atlas.

Augusto Diniz – A pesquisa faz parte do doutorado dos dois, de apenas um dos dois ou é um trabalho do Lapig?
Sérgio Noronha e Leandro Parente – É tudo isso ao mesmo tempo.

Leandro Parente – É tudo junto. Sérgio também fez o mestrado no Lapig. Trabalhamos o projeto e também fazemos o doutorado. Para isso acontecer, nosso salário é pago pelo projeto. Não temos uma bolsa, por exemplo, da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior].

Augusto Diniz – Não é uma bolsa de doutorado.
Leandro Parente – Não é uma bolsa da própria UFG. É uma bolsa que vem a partir do projeto, na mesma situação em que está grande parte dos envolvidos com essa pesquisa.

Augusto Diniz – Que fazem parte do grupo de pesquisa do Lapig?
Leandro Parente – Se enquadra como uma atividade de pesquisa.

Augusto Diniz – Sérgio, sua pesquisa de doutorado é exatamente sobre qual assunto?
Sérgio Noronha – Eu trabalho com desmatamento no Cerrado e cenários de expansão sustentável da agricultura. A proposta é relacionar o antes, o durante e o depois do desmatamento. O depois é projetar a possibilidade de haver uma ocupação da agricultura, ter uma pastagem mais densificada, tecnificada sem desmatar outras áreas? Com recorte de pesquisa no Cerrado.

Augusto Diniz – Seria um grande desafio manter o que já existe de áreas desmatadas para a atividade agropecuária sem abrir novas áreas?
Sérgio Noronha – Para os grandes traders já está claro que não é vantajoso desmatar novas áreas. Tanto que temos a moratória da soja e o TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] da carne na Amazônia. No Cerrado isso ainda não existe. A moratória da soja é um estudo publicado em 2005 que gerou um grande pacto no mundo. O estudo traz informações de que empresas varejistas de alimentação como Burger King e McDonald’s eram responsáveis pelo desmatamento da Amazônia, por exemplo. A produção agrícola brasileira ficou com uma reputação muito ruim.

Leandro Parente – Quem puxou a discussão foi a ONG Greenpeace. Foi um movimento que começou com muita força principalmente na Europa.

Sérgio Noronha – Foi feita toda uma articulação entre o terceiro setor e o governo para que as grandes empresas não comprassem mais soja de áreas desmatadas na Amazônia legal. Um tempo depois foi feito um termo de ajustamento de conduta para os frigoríficos que passaram a não poder comprar carne de animais criados em áreas desmatadas.

Aproximadamente 70% da produção da soja é concentrada na exportação na mão de traders, o que faz com que seja mais fácil controlar essa situação no plantio da soja. Mas quando falamos em carne, não se trabalha apenas com grandes frigoríficos, há também frigoríficos que trabalham em escala regional ou municipal. A demanda ainda continua grande.

Leandro Parente – Tem uma questão que é interessante na moratória da soja. Foi um movimento que, apesar de ter sido iniciado pelo terceiro setor, houve o estímulo para que os consumidores pressionassem as grandes redes varejistas. Isso gerou uma espécie de efeito na cadeia produtiva em que hoje a moratória da soja é reconhecida como uma iniciativa não do terceiro setor, mas da parte empresarial.

As traders se organizaram, financiam monitoramento e sistema para as áreas de plantio de soja para que seja dada transparência ao negócio e possam dizer que a soja que é vendida vem realmente de uma área que não foi desmatada. Isso pode ser apresentado na ponta da cadeia consumidora para que o investidor não tenha riscos de sofrer algum tipo de protesto, boicote ou qualquer tipo de prejuízo ao produto comercializado.

Realmente foi algo que mobilizou bastante a sociedade e hoje é mantido pelo próprio empresário. No caso da pecuária, existem muitos desafios para se cumprir o TAC da carne pelo próprio consumo interno e outras situações.

Italo Wolff – Seria uma iniciativa dos próprios produtores e não uma exigência legal?
Leandro Parente – Exatamente. Não é uma exigência legal, mas é uma iniciativa das próprias traders. Não é uma iniciativa dos produtores, mas das empresas que compram a soja dos produtores.

Sérgio Noronha – Existem aproximadamente 50 certificações para comprovar que a empresa não compra produto oriundo de áreas desmatadas. Tem toda uma questão de comércio exterior envolvida. A União Europeia e outros blocos comerciais cobram essas certificações.

Italo Wolff – Isso tem sido suficiente para desestimular o desmatamento?
Sérgio Noronha – Para a agricultura na Amazônia, as medidas adotadas foram suficientes. No Cerrado não.

Leandro Parente – Até porque são medidas que foram implementadas para a produção na Amazônia, mas não no Cerrado. Não há nada parecido com isso para a produção de soja ou carne na região do Cerrado.

Sérgio Noronha – O presidente da Abiove [Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, André Nassar] já deixou bem claro que não haverá uma moratória da soja para o Cerrado. Se não pode mais desmatar para plantar soja na Amazônia, o setor tinha para onde escapar, que é justamente o Cerrado. E uma moratória da soja no Cerrado, pelo entendimento do setor, poderia atrapalhar o negócio.

Leandro Parente – A Amazônia já tinha dados de desmatamento na prateleira. O governo vem monitorando a Amazônia desde 1988, por meio do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e outros órgãos. Em determinado momento, os dados de desmatamento foi colocado no sistema e começaram a realizar as análises para dar transparência ao trabalho realizado. No Cerrado, estamos produzindo os dados de desmatamento agora. Desde 2015.

Sérgio Noronha – Que foi lançado em 2018.

Leandro Parente – E temos outra questão. A floresta é mais comovente. As pessoas olham para a Amazônia e não têm dúvida de que aquilo é uma floresta. No Cerrado, é mais difícil criar o conceito de floresta. E às vezes não é tão comovente como, por exemplo, desmatar uma área de floresta na Amazônia.

“A Amazônia já tinha dados de desmatamento na prateleira. No Cerrado, estamos produzindo os dados agora”

Sérgio Henrique de Moura Nogueira - Lapig UFG - Foto Fábio Costa Jornal Opção (1) editada
Em seu doutorado, Sérgio Noronha pesquisa o desmatamento no Cerrado e a ocupação sustentável da agropecuária nas áreas abertas no bioma | Foto: Fábio Costa/ Jornal Opção

Augusto Diniz – Visivelmente, os campos do Cerrado seriam um patinho feito dos biomas. Por isso a dificuldade em defender a sua importância.
Sérgio Noronha – Sim. Não tem floresta. Mas por outro lado, temos uma reserva hídrica que praticamente abastece todo o Brasil. Você não tem um apelo tão grande para um tipo de serviço ecossistêmico que seria a regulação do clima, como é o da Amazônia. Mas temos uma questão de segurança hídrica nacional.

O desmatamento na região do Matopiba tem avançado para áreas ambientalmente mais frágeis. Nos últimos anos houve uma redução na taxa de desmatamento. Mas não sabemos como ficará 2019. O problema é que há uma falsa impressão de que o desmatamento está diminuindo. O que ocorre é que o desmatamento está migrando para áreas ambientalmente e socialmente mais frágeis, causando conflitos por terra e uma série de problemas, não só a questão do clima.

Augusto Diniz – Existe de fato uma preocupação com o fato de o Cerrado ser o berço das águas ou é uma discussão que não recebe a devida atenção?
Sérgio Noronha – Pontualmente a discussão existe em algumas cidades que já sofrem com períodos de escassez, como Correntina (BA), que há um conflito por água. A questão foi levantada no município. Outra cidades que visitamos, Uruçuí (PI), que é um dos municípios onde tem ocorrido um boom de agricultura e também uma alta incidência de câncer por conta do uso de agrotóxicos.

O abastecimento de água de Uruçuí é subterrâneo. O agrotóxico foi para baixo em uma região de solos arenosos, o que faz com que o lençol freático seja contaminado. Ainda não existe um estudo científico confirmando essa correlação. São ocorrências bem pontuais, não em grande escala no bioma.

Leandro Parente – O dado desmatamento do Cerrado é gerado pelo Inpe em um projeto chamado FIP [Programa de Investimento Florestal em inglês] Cerrado. O FIP Cerrado ainda é disponibilizado – a gente não sabe até quando – na plataforma do TerraBrasilis, que o Inpe desenvolveu. Temos nessa plataforma os dados de desmatamento do Cerrado e dos outros biomas. Os dados da Amazônia também estão no TerraBrasilis.

Especificamente sobre os dados do desmatamento do Cerrado, nós do Lapig também fazemos parte do FIP Cerrado. O nosso trabalho é fazer uma espécie de validação independente dos dados do Inpe. Como é o Inpe que produz os dados como instituição, um arranjo dentro do projeto foi ter uma outra instituição capaz de produzir o dado de validação e indicar uma medida de qualidade para as informações.

Italo Wolff – É como se fosse uma revisão por pares?
Leandro Parente – Exatamente. O que fizemos foi sortear um conjunto de pontos, com todo um desenho para garantir a representatividade estatística em todo Cerrado em área de vegetação natural e em áreas que o Inpe traz como desmatada. Depois de todas as análises, chegamos a uma taxa da acerto de 95% dos dados do Inpe. Essa foi uma das análises estatísticas que fizemos.

Sérgio está conduzindo a análise de validação em campo. Vamos a regiões que têm uma grande taxa de desmatamento e fazemos sobrevoo com drone para verificar se a área foi realmente desmatada e para ter uma noção do contexto. O caso que o Sérgio contou de Uruçuí foi percebido dentro do trabalho de campo que está em realização. O dado é relativamente recente.

Dentro do produto de desmatamento que o Inpe gera, temos dois grandes resultados. Um deles é o Mapa de Desmatamento, que é um produto anual que nos traz informações sobre o que está desmatado no Cerrado. Uma vez que está desmatado, o Inpe não olha mais aquela área. Isso quer dizer que uma área que foi desmatada entre 2005 a 2008 o Inpe vai classificar como área desmatada.

Pode ser que aquela área seja abandonada, a vegetação volte a crescer, mas o Inpe não voltará a monitorar aquela área porque a preocupação é de uma vez desmatado o efeito ambiental já foi causado, apesar de a área ter sido abandonada e recuperada. A mesma lógica é utilizada na Amazônia. O dado é gerado anualmente. Esse é o Mapa de Desmatamento, com as áreas que já foram convertidas.

O Cerrado tem 50% do bioma conservado e 50% desmatado. Só que a proporção de maior parte de áreas preservadas está ao Norte, enquanto as menos preservadas estão ao Sul do bioma. Por mais que digamos que ainda exista 50% do Cerrado de pé e o Código Florestal permita 20% – em partes, porque há a particularidade do Mato Grosso que já foi citada -, isso não está distribuído uniformemente no território.

Existe um outro produto do TerraBrasilis que inclui os alertas. Os mapas de alertas são uma espécie de detecção em tempo real, que serve para a fiscalização. O que está desmatado já foi desmatado e o Inpe acompanha o avanço do desmatamento no primeiro mapa. Aqui o trabalho é para uma ação de fiscalização. O Mapa de Alerta emite dados praticamente diários. Se baixarmos os dados agora, pode ser que encontremos dados de um polígono de desmatamento que o Inpe verificou há cinco dias.

É um dado que é gerado constantemente. Mas é um dado que tem uma resolução um pouco mais grosseira e o Inpe tem um canal de comunicação direta com o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] para orientar ações de fiscalização no Cerrado. É importante distinguir os dois produtos. Especificamente os alertas, pode ser que haja uma notificação falsa de desmatamento, que o Ibama verifica em campo.

Augusto Diniz – Seu comentário sobre não saber até quando o trabalho de mapas de desmatamento e alertas do Inpe será continuado tem a ver com a fala do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que duvidou dos dados do instituto sobre desmatamento e falou sobre a não divulgação de informações negativas no setor ambiental?
Leandro Parente – Sim. Porque o Inpe usa uma metodologia bastante conservadora para produzir os dados, basicamente trabalham com inspeção visual. E são dados bastante consolidados e bem aceitos na comunidade científica.

Sérgio Noronha – No monitoramento de desmatamento, são dados tratados como referência no mundo inteiro. Um colega nosso estava no Japão. E um dos painéis tinha como referência de monitoramento de cobertura de desmatamento os métodos utilizados pelo Inpe, o projeto Prodes. Não só por ser uma metodologia consolidada, mas por ser utilizada há mais de 30 anos, é preciso ter um pouco de cuidado na hora de fazer alterações.

Leandro Parente – A metodologia tem de garantir a compatibilidade com os dados do passado. É por isso que é uma metodologia consolidada e por isso baseada em inspeção visual. O Prodes é feito na Amazônia desde 1988, no que é chamado de Prodes analógico, porque era feito em mesa digitalizadora. É uma metodologia bem consolidada e produz bons resultados. Questionar esse tipo de coisa cientificamente não faz muito sentido.

Augusto Diniz – A partir das críticas feitas pelo presidente aos dados do Inpe pode vir uma mudança de política pública de acompanhamento do desmatamento e de proteção dos biomas brasileiros?
Leandro Parente – O Inpe sempre teve uma política de tornar os dados públicos. Se fosse pensar em algo que talvez poderia acontecer era realmente tentar fechar um pouco mais o acesso a esses dados, o que seria um retrocesso do ponto de vista da instituição.

Augusto Diniz – O que poderíamos ter de consequências se, por exemplo, houver uma proibição da divulgação dos dados oficiais de desmatamento?
Sérgio Noronha – Continuaríamos a ter acesso a outros dados que são produzidos sobre desmatamento em escala global e no MapBiomas, que será divulgado em agosto com relação ao desmatamento. Não tem como tapar o Sol com a peneira. O problema é que não teremos um dado oficial e uma comunicação direta com o Ibama. Isso pode facilitar o desmatamento.

Leandro Parente – O Prodes é considerado praticamente uma política pública. E uma política pública de sucesso. Se não me engano, o Prodes Amazônia tem orçamento fixo na União. Se realmente fecha-se o acesso a esses dados, podemos ter como efeito colateral dar mais visibilidade para dados que são gerados pelo terceiro setor. Existem dados globais, como os produzidos por um laboratório da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que faz o monitoramento dos trópicos no mundo e que tem boa convergência com o que produzimos no Brasil. É algo que nós analisamos.

Pelos dados do MapBiomas, que tem todo o mapeamento de uso e cobertura, podemos comparar os mapas para conferir os dados de desmatamento. Com os dados do MapBiomas poderíamos ter taxas de desmatamento. Ainda continuaremos a ter dados públicos, apesar de não poderem representar oficialmente o que o País coloca. Ao mesmo tempo há a pressão dos dados públicos que são produzidos por outras fontes. Teríamos uma confrontação de informações.

Augusto Diniz – Mas faltaria uma divulgação oficial de dados.
Leandro Parente – Um dos sucessos da moratória da soja foi trabalhar com dados oficiais. É inquestionável. O dado oficial pode ser usado em um processo. Tem toda uma questão jurídica. Apesar de ter a possibilidade de isso vir a ser mais restrito, haverá um aumento da pressão com outros dados. Mas de fato não sei o que isso poderia gerar.

Voltando à questão do MapBiomas, a parte de alertas da plataforma começou como mapeamento. Hoje estamos produzindo mapas. Várias instituições utilizam e trabalham com esses mapas. Também segue a mesma lógica. Vem desde 1985. E há uma coleção anterior, que chamamos de coleção 3. Em agosto, vamos atualizar toda a série de mapas e lançar a coleção 4, que inclui o ano de 2018.

Em termos de mapeamento, o MapBiomas está relativamente bem resolvido. Entramos quase que em uma fase de operação. O coordenador do projeto resolveu partir para uma outra inciativa, que é uma espécie de desdobramento do MapBiomas, que chamamos de MapBiomas alerta. É um refinamento dos dados de alerta com imagens de alta resolução.

Augusto Diniz – E é ligado a trabalho de pesquisa realizado por vocês?
Leandro Parente – É porque também estamos inseridos nessa iniciativa. No Lapig, somos responsáveis pela organização e análise dos dados que estão no sistema. Não validamos os desmatamentos no MapBiomas, são outros grupos que fazem isso, e não desenvolvemos a plataforma. Nós organizamos, analisamos os dados e cruzamos com uma série de informações. É uma plataforma um pouco mais refinada.

No mapa, podemos ver alertas de desmatamento em Goiás. São alertas feitos de outubro de 2018 a março deste ano. Se clicarmos em um dos alertas, o portal mostra o antes e o depois do local. A ideia do conceito dessa plataforma é o mesmo da placa do carro, que quando você toma uma multa e isso é inquestionável porque tem a foto da placa do veículo. A proposta é gerar um sistema capaz de fazer isso.

Nós utilizamos diversas fontes de alertas, como o Deter, que é um alerta que o Inpe gera, e refinamos a informação contida. O alerta que está no portal veio do Deter. Em Goiás, nós só trabalhamos com alertas do Inpe. Pegamos esse alerta, que é uma espécie de um polígono grosseiro, que muitas vezes não tem muita aderência com a imagem do Google, que é uma imagem de alta resolução, compramos as imagens – Planet -, que são de satélites CubeSats, que são satélites do tamanho de uma caixa de sapato que captam diariamente imagens do Brasil e do mundo.

Uma empresa americana detém uma constelação de mais de 200 satélites. Como eles têm vários satélites no espaço, são disponibilizadas imagens diárias. Para todos os alertas que foram validados, nós temos um par de imagens, do antes e do depois. É algo praticamente inquestionável. Você consegue ver pelo site o desmatamento na íntegra. Com a informação do alerta do desmatamento, é possível cruzar com o cadastro ambiental rural, o CAR. É possível atribuir um responsável.

São feitas várias análises que mostram o desmatamento. O desmatamento específico que vemos aqui pegou parte da reserva legal. Os dados do MapBiomas são utilizados no alerta, vemos que é uma área que foi mapeada como vegetação natural. Isso é o que chamamos de laudo do desmatamento, que é algo que o Ibama gera. É como se o Ibama pegasse esses dados e fizesse todo o trabalho para tomar uma ação.

É uma iniciativa do terceiro setor, que tem se aproximado dos órgãos que usam essa informação, como Ministério Público e o próprio Ibama, para entregar uma informação processada para que as autoridades competentes ajam sem gastar tempo no processamento dos dados.

Augusto Diniz – Quantos alertas de desmatamento foram feitos em Goiás de outubro a março?
Leandro Parente – São 270 alertas para uma área somada de 6.144 hectares. E já há uma torca de informações com a Semad [Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável] para que a pasta analise os dados e decida quais ações serão adotadas para verificar esses alertas.

Todos os cruzamentos que estão incluídos na plataforma têm o cadastro da propriedade. A partir do CAR, qualquer órgão governamental de fiscalização consegue saber quem é o responsável por aquele desmatamento por meio do código do cadastro ambiental rural. Os alertas precisam ser verificados in loco, porque pode haver uma eventual falha no alerta.

Os dados de abril e maio estão em processo de validação. E a quantidade de alertas aumentou muito. Esse desdobramento do MapBiomas está focado principalmente na questão do desmatamento.

Augusto Diniz – Vocês contam com um equipamento doado ao Lapig. O que vem a ser e como ele é utilizado?
Leandro Parente – Aquele equipamento foi construído – acredito que montaram manualmente – pela Embrapa Informática, que fica em São Paulo. Era usado para processamento de alto desempenho, que foi substituído por um equipamento mais recente. Por nossa boa relação com a Embrapa, dissemos que se o equipamento fosse enviado nós aproveitaríamos em nossas pesquisas.

Cada placa é como se fosse um notebook. É um processador de baixo desempenho. Mas são 60 processadores. Cada paquinha daquela tem um processamento e o espaço de memória. O que fazemos é um processamento distribuído em todas as placas. Se eu precisar fazer um processamento de todo o Cerrado, pego cada parte do Cerrado e divido entre as máquinas. Elas trabalham em paralelo e melhoram o tempo de resposta. Um processamento que demoraria uma semana para ser feito, o equipamento me ajuda a concluir em um dia.

É essencial para ganhar performance e conseguirmos trabalhar mais rápido com as análises que fazemos no Lapig. As análises muito pesadas são realizadas na plataforma Google Earth Fenge. E as que não estão disponíveis na plataforma da Google nós realizamos aqui com um grid de processamento e alguns servidores locais também.

Lapig UFG - Foto Fábio Costa Jornal Opção (3) editada
Equipamento de alto desempenho doado pela Embrapa Informática utiliza 60 placas de notebook para agilizar a análise de dados e diminuir o tempo de processamento de informações da pesquisa | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção