De origem na militância sindicalista, Mauro Rubem é uma das referências da esquerda em Goiás. Em seu quarto mandato como deputado estadual, ele já passou também pela Câmara de Goiânia e é um dos parlamentares mais combativos na Assembleia Legislativa, destacando-se nas discussões relativas à saúde e à segurança pública.

Mauro é considerado “à esquerda” dentro do espectro petista, mas entende como “concreta e correta” uma eventual aliança com o senador Vanderlan Cardoso (PSD) para as eleições na capital. Ele também vê como provável a união entre direita e extrema direita em Goiânia, na qual o governador Ronaldo Caiado (UB) terá papel fundamental por conta de sua anunciada pré-candidatura à Presidência da República e a busca do apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para esse desafio.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, o deputado faz a defesa da pré-candidatura de seu partido à Prefeitura de Goiânia, à qual também foi postulante: “Eu estava como pré-candidato e, quando Adriana se apresentou, vimos que a possibilidade de vitória com ela seria maior. Então, fiz minha adesão e abracei a pré-candidatura dela como militante”, conta.

O sr. está no quarto mandato como deputado estadual, já conhece muito bem como a Assembleia Legislativa lida com os anos de campanha eleitoral. Como o sr. prevê que serão os trabalhos este ano, em que até o presidente da Casa, Bruno Peixoto (UB), quer sair candidato a prefeito?

Na Assembleia, teremos os deputados que serão diretamente candidatos, como pode ser o caso de Bruno. Acredito que vai ser um ano em que as tensões serão um pouco reduzidas, a não ser onde haverá disputa direta, já que são 246 municípios e em algum lugar vai ter uma corrida eleitoral em que parlamentares podem estar apoiando candidatos diferentes – como deve ser o caso de Goiânia, Anápolis, Aparecida, Rio Verde, enfim, as cidades maiores. Mas, no geral, avalio que os parlamentares vão estar envolvidos em retribuir o apoio que tiveram. Um viés que, a meu ver, diferencia estas próximas eleições é justamente o acirramento em que a sociedade brasileira está, o que vem desde 2013. Em que pese as últimas eleições gerais, que já terão dois anos quando voltarmos às urnas em outubro, esse acirramento continua crescente. Nas maiores cidades, o tema nacional vai ser pauta e, creio eu, também a Assembleia vai repercuti-lo. Agora, concretamente, terão de ser discutido os projetos de solução para os problemas da sociedade. E esses dois modelos que tiveram embate no segundo turno de 2022 vão se reproduzir também em diversos municípios. Então, na Assembleia, aí sim, eu acho que esse ambiente pode continuar quente.

Mauro Rubem concede entrevista ao editor Elder Dias na sede do Jornal Opção: “A polarização terá uma influência maior do que nas outras vezes nos municípios” | Foto: Leoiran / Jornal Opção

Alguns políticos com muita experiência também, como o sr., dizem que nas campanhas municipais não cola muito essa polarização ideológica, e que elas se submetem mais às questões urgentes da população, porque na cidade os eleitores geralmente já conhecem os candidatos. O sr. acredita que vamos ter uma polarização menor, também, uma influência mais branda do cenário nacional?

Eu acho que essa polarização terá uma influência maior do que nas outras vezes nos municípios. É bem verdade que os candidatos que disputam a prefeitura têm uma vivência na cidade, diferentemente de candidatos a deputado ou até ao Senado, como foi o caso do Wilder Morais [senador de Goiás eleito em 2022 pelo PL, partido que preside no Estado], que foi eleito apesar de ter uma penetração pequena na sociedade, mas com uma campanha eficiente e com resultado eleitoral.

Mas veja que há candidatos aqui em Goiana que são adeptos do negacionismo, que praticam fraude nas informações que compartilham, e que estão puxando o debate para esse terreno ideológico. Isso objetivamente vai provocar uma polarização.

A eleição de Goiânia, então, também corre risco de ficar ideologizada, enquanto as pessoas passam por problemas concretos, como a questão do lixo, por exemplo, ou a saúde e a educação?

A vida real – o lixo, a falta de vaga nos Cmeis, o paciente esquecido numa unidade de saúde etc. – é muito forte, traz o povo para a realidade. Mas o que temos agora é uma grande capacidade de manipulação dessa realidade, com notícias fraudulentas e uma manipulação da informação muito forte. Em Goiânia, temos o [deputado federal Gustavo] Gayer (PL), que representa esse papel. Temos portais de notícias, sites, empresas de produção de conteúdo nesse viés – tanto que a Choquei [perfil de fofocas nas redes sociais, recentemente envolvido em um caso de suicídio de uma jovem] – é daqui de Goiás. Não se preocupam com nada, a não ser monetizar e ganhar acessos.

Também preocupa a frequência com que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vem a Goiás. É importante ressaltar que o governador Ronaldo Caiado (UB), se puder, quer fazer uma aliança com o Bolsonaro já para o primeiro turno das eleições municipais, com vistas a seu projeto de candidatura presidencial.

Analisando as pesquisas eleitorais em Goiânia e no Brasil, há um fator interessante. O índice de rejeição da pré-candidata Adriana Accorsi, de seu partido, é de cerca de 25%, relativamente baixo, pelo conhecimento que ela na população já tem após duas eleições para a Prefeitura e o forte antipetismo no Estado. Porém, quando se mostra o nome de Lula ou seu governo, há um grande crescimento na rejeição. Essa será uma dificuldade da campanha do PT em Goiânia?

Primeiramente, é preciso dizer que nós temos uma excelente candidata. Adriana tem o mesmo potencial de Lula, ambos superam os limites do partido. Se fizer uma análise, se aqui fosse talvez Salvador ou outra cidade do Nordeste, seria o inverso, quem Lula indicasse já sairia com 60% ou 70%. A segunda questão é que vivenciamos uma nova onda de luta política, em que as redes sociais e toda essa manipulação da informação mudam tudo. Ora, se essa rede de comunicação hoje consegue colocar na cabeça de uma mãe, cujo ser que ela mais adora é uma criança recém-nascida, que ela não deve vacinar seu bebê contra paralisia infantil, imagine a capacidade dessa mesma rede de impor mentiras na cena política para aumentar rejeições de seus opositores. É natural que todo governante tenha rejeição, mas o que ocorre com Lula não corresponde ao real. A rejeição real é aquela que existia lá no início do ano passado, de 28% a 30%. Quando isso chega a 43% ou 45% aqui no Centro-Oeste é algo descabido, diante do governo de realizações que está acontecendo concretamente. Ou seja, é uma realidade fraudada por essa ideologia.

Veja o caso da pesquisa Quest do final do ano passado: as maiores críticas contra o Lula são ou porque “ele viaja muito” ou porque “não declarou o Hamas como grupo terrorista”. Também tem a questão de dizer que Lula está transformando o Brasil numa Venezuela. Isso tudo mostra a força da manipulação das informações e risco concreto que a democracia passa.

E qual seria o antidoto para isso?

Sou adepto de que temos de potencializar nossa capacidade de comunicação e mostrar a realidade concreta, aquilo que, de fato, a gente está vivenciando. E, claro, todo e qualquer crime real ou virtual precisa ser combatido.

A evolução tecnológica precisaria estar a serviço da sociedade e não de um grupo

A esquerda tem dificuldade de reagir a esse mundo novo das redes sociais, que a extrema direita sabe manusear tão bem? O que vemos é um embate interno no grupo, entre uma esquerda mais tradicional, até representada pelo próprio Lula, e a chamada esquerda identitarista.

A esquerda sempre estimulou a construção da capacidade crítica de todos os seus militantes. Tanto é verdade que o PT se organiza em diversas correntes políticas, algo que é salutar, fundamental. A experiência da esquerda brasileira quando organiza o Partido Comunista no Brasil, na década de 20 do século assado, só é superada quando o PT é criado. Nosso partido, na luta política, é como aquele negro que sabe jogar capoeira, que não tem arma nenhuma, mas tem uma energia capaz de fazê-lo sobreviver. Quando essas correntes se constroem dentro do partido, se estimula profundamente o debate interno. Um exemplo histórico é o de Luizianne Lins, que se lançou como candidata a prefeita de Fortaleza e peitou Lula, que foi lá para dizer que ela não deveria ser candidata. A regra do PT permitia que seu nome fosse apreciado e o partido respeitou – claro que nem todos os petistas.

Essa capacidade da esquerda é muito rica, por um lado, e às vezes não muito viável eleitoralmente, pelo outro. De qualquer forma, vejo com muita maturidade. O que vemos hoje é uma direita anabolizada pelo controle que tomou mundialmente das comunicações. Vivemos a grande ditadura das comunicações. Além da militância dos próprios donos das redes, eles controlam o ambiente virtual, se você não pagar, você não conversa com o mundo. Se não seguir a regra dos donos da plataforma, ninguém se estabelece. A evolução tecnológica precisaria estar a serviço da sociedade e não de um grupo.

Enquanto isso, na esquerda, nesse aspecto a gente sempre teve dificuldade. Praticamente nunca tivemos jornais, nunca tivemos concessão de TV nem rádio. Nisso, dou exemplo pessoal: sou militante de rádio comunitária desde a década de 80. Nós só fomos conseguir uma primeira rádio comunitária em Goiânia há poucos anos, na região noroeste. Isso quando a comunicação já estava dominada por essas plataformas das big techs. Isso não é grave só para a política, mas para a civilização em si, porque é nesse antro, nesse esgoto, que circula toda essa ideologia da morte, essa necropolítica, que prega, por exemplo, que as pessoas não se vacinem.

Foto: Fabrício Vera / Jornal Opção

Pré-campanha de Adriana tem mostrado a capacidade de trazer tudo para a realidade

Como o sr. vê o quadro eleitoral em Goiânia? O sr. acredita que possa haver o risco de uma vitória da extrema direita por aqui?

Eu vejo uma ameaça neste momento. Gayer se aproveita das mentiras, da fraude, da manipulação da realidade. Hoje tem uma rejeição menor, mas sabemos que esse quadro deve evoluir. Mas o que eu vejo como risco é o nível de engajamento que Caiado deverá ter nesta eleição por conta de suas pretensões em relação às eleições de 2026. Por exemplo, se para ter apoio de Bolsonaro daqui a dois anos, for exigido do governador que apoie o deputado da extrema direita em Goiânia. Aí, então, teríamos a soma da direita com a extrema direita. Porém, mesmo nesse cenário, a pré-campanha de Adriana tem mostrado a capacidade de trazer tudo para a realidade, para o que a população vive. Às vezes, pode ser difícil mostrar a realidade do País inteiro enfrentando o que circula nos grupos de WhatsApp, mas numa cidade a vida é bem mais concreta. É simples: a saúde está funcionando? Como está a coleta de lixo? Há vagas nas escolas?

No caso da saúde, dá para ver nitidamente a incompetência da administração municipal, mas também tem é possível ver a responsabilidade do Estado. Goiás dá o paraíso para as organizações sociais, mas não ajuda nenhum município. Ou seja, se a pessoa entrar no hospital, ela tem lá seu atendimento. Só que a maioria não entra e, como o sistema não é só para hospital – o sistema deveria funcionar também para atenção básica, urgência e emergência etc. –, o Estado é cúmplice desse caos. Creio que o debate eleitoral vai esclarecer isso.

O que haveria de favorável ao PT em Goiânia nas próximas eleições?

Temos em nosso favor os fatos concretos. Recentemente, o presidente da Fieg [Federação das Indústrias do Estado de Goiás, Sandro Mabel] publicou um artigo na imprensa fazendo mil elogios à política de industrialização que o governo federal lançou, embora sem dar os devidos créditos. Mas o que interessa é que estamos mudando a realidade, porque essas pessoas são bolsonaristas e começam a ter um choque de realidade positivo. Porque, na verdade, há uma alucinação por parte desses grupos. Basta pensar sobre o que Lula fez em suas viagens internacionais. Ora, ele ampliou o mercado de negócios do Brasil assustadoramente. No entanto, uma parte dos empresários que serão beneficiados com esse novo mercado que vai se abrir, numa pesquisa de avaliação dessas, indicará essas viagens que o presidente fez como uma coisa negativa.

Está bem claro o nível positivo dos benefícios obtidos pelo governo Lula em relação aos gastos das viagens

É o conflito entre a pauta concreta – dos benefícios que estão chegando com os acordos de investimento – e a pauta moral – o suposto esbanjamento do dinheiro público com hotéis e diárias para viajar pelo mundo?

Nesse caso, não vejo como conflito. É pura mentira e só, porque está bem claro o nível desproporcionalmente positivo dos benefícios que estão sendo obtidos pelo governo, principalmente para essas mesmas pessoas, em relação aos gastos das viagens.

O quadro em Goiânia demonstra que o PT, mesmo nos piores cenários, tem força na cidade. Diante das circunstâncias, apesar de não ir ao segundo turno, Adriana Accorsi foi relativamente bem votada nas eleições de 2016 e 2020, quando enfrentou as consequências de uma gestão mal avaliada – a de Paulo Garcia em seu segundo mandato, de 2013 a 2016, e também um forte antipetismo. E temos quase 30 anos desde o governo de Darci Accorsi, que foi muito bem avaliado. A população de Goiânia mudou muito desde então, com uma alta migração. De qualquer forma, o sr. acha que ela terá como aproveitar esse legado do pai dela como bom prefeito e gestor?

Terá, sim, embora eu veja que ela tem um brilho próprio. Apesar do tempo, a gestão Darci foi vivenciada por uma parcela significativa da população e é um legado muito respeitado. Os mais jovens recebem uma difusão de informações, não existe hoje uma centralidade como era naquela época. Acompanhando Adriana semanas atrás, em uma unidade de saúde, pude perceber como é incrível a aceitação dela, bem como a sempre boa referência ao pai. Darci fez grandes políticas públicas na capital. Junte-se isso ao fato de que Adriana vem em um crescente a cada eleição, com cada vez mais votos em Goiânia, e temos um bom somatório.

Por outro lado, ela tem uma coisa importantíssima: a grande vontade de dirigir Goiânia. Eu estive em julho na cidade de Maricá (RJ) e Adriana foi recentemente lá, também. É um lugar com ótimas políticas públicas para resolver problemas que temos por aqui, como na questão do transporte coletivo. Maricá, desde a década de 2010, já tem tarifa zero universal, além de intercâmbio com outros municípios, o que dinamiza a vida cultural por lá e o consumo na cidade.

De Maricá trazendo a questão para Goiânia, se fizermos um levantamento sobre o jovem da periferia, se ele conhece outras regiões da cidade, vamos perceber que uma minoria é que vai conhecer. Essa é uma questão de mobilidade, uma política pública importante que podemos resolver. Além disso, temos no perfil de Adriana uma pessoa preocupada com a saúde e que é expert em segurança pública.

Segurança pública é um item em que Goiás tem se destacado positivamente, diante do cenário nacional. Como isso se aplicaria a Goiânia, numa eventual gestão de Adriana?

É preciso ter políticas públicas de fato na área. O trabalho da Prefeitura não vai substituir a PM, mas podemos pegar experiências como a de Diadema [município da Grande São Paulo, na região do ABCD Paulista], que tinha um índice de mortes violentas que baixou de 100 por 100 mil habitantes para uma razão de 3 a 4 para cada 100 mil habitantes. Isso com integração com as forças policiais e protagonismo do município, hierarquizando como resolver os problemas. Por exemplo, há questões para uma força policial altamente qualificada, repressora, como uma quadrilha de assaltantes; e há um ladrão de bicicleta ou que faz pequenos furtos, então isso vai para a guarda municipal. Tudo isso é algo com que Adriana já tem experiência e, inclusive, orienta toda a discussão da bancada do PT no Congresso nesse debate.

Recentemente o Jornal Opção, por três edições, discutiu com profundidade o desafio da drenagem urbana na cidade em meio às mudanças climáticas. É uma questão ambiental e, infelizmente, a pauta do meio ambiente acaba sendo relegada a um plano secundário ou terciário, por não “dar voto” e por raramente afetar de forma direta uma pessoa ou uma família. Como fazer com que ações necessárias e urgentes, como essa, sejam assimiladas como prioritárias em uma gestão, apesar de não serem tão populares?

Tem aí uma coisa a que Adriana já aderiu e que foi uma das minhas pautas de campanha como vereador, que une o poder público, especialmente as prefeituras, às universidades. Figurativamente, vejo uma prefeitura como um ser musculoso, agitado, que funciona 24 horas por dia, não para nunca, mas que tem o cérebro muito pequeno, visão baixa e não ouve direito. Já a universidade é um grande cérebro, que vê além do horizonte. Penso que Adriana vai aproveitar a expertise e os conhecimentos das universidades que temos para completar o que esse ser musculoso precisa.

Portanto, é preciso discutir como intervir no meio ambiente. Na questão da drenagem urbana, a gente a vê apenas no efeito mais visível, quando há as grandes enchentes, mas a causa disso está na impermeabilização, na falta de regras que leva a cada um construir do jeito que quiser. Pior, estamos fazendo leis que agravam esse quadro, como o que foi estabelecido pelo novo Plano Diretor, que promove a destruição da região norte de Goiânia, profundamente sensível e que funciona como caixa d’água da cidade.

O próprio setor empresarial e produtivo, a área da construção civil, eles já têm percebido o que estão fazendo e o que está acontecendo. Não temos mais como achar que vai ficar tudo tranquilo fazendo o que está sendo feito com o meio ambiente. Numa cidade, nesse cenário que está sendo montado, é preciso priorizar pessoas que estão em condições vulneráveis, em casas precárias. Veja a situação da Vila Roriz [bairro construído na área de inundação do Rio Meia Ponte e do Ribeirão Anicuns], com as pessoas expostas a toda enchente. É preciso que haja uma política pública de habitação popular que respeite as populações, que as coloque em lugares dignos, perto de onde elas já estão.

Algo como o que Pedro Wilson [prefeito de 2001 a 2004] fez em sua gestão, para a ampliação da Marginal Botafogo, colocando as pessoas que moravam ali na área de risco no Residencial América Latina, que foi construído ali ao lado da via, no Jardim Goiás.

Exatamente. Isso é outra visão e que desejamos. Temos também a questão do Centro, que precisa ser reocupado por inteiro. O Centro só vai ficar mais vivo se a gente colocar mais vida lá.

A pauta da revitalização do Centro de Goiânia é algo que já virou tradição estar em toda campanha em eleição municipal, mas nunca se realiza. Será que desta vez vai?

Se outras cidades brasileiras – nem vou falar do exterior – conseguiram, por que não Goiânia? É possível, sim, e todo o ambiente político que está em torno da pré-campanha que Adriana Accorsi mostra que há elementos suficientes para tratar essa questão.

Enfim, há muitas coisas a fazer. E é bem verdade que problemas estruturais, como a ocupação do solo, são para resolver em 10 ou 15 anos, em quatro ou cinco governos. Mas tudo seria mais fácil se o poder público buscasse parcerias com as instituições. Eu era vereador até 2022 e, na Câmara de Goiânia, tive oportunidade de chamar uma reunião com quase todos os reitores para oferecer ao prefeito e seus secretários os serviços das universidades conforme a necessidade da administração.

Mas, dando a César o que é de César, o prefeito Rogério Cruz implantou, por meio de uma parceria com a UFG, a elaboração do Plano Diretor de Drenagem Urbana (PDDU-GYN), que está sob a coordenação do professor Klebber Formiga, da Escola de Engenharia.

Foi um projeto específico, é válido, mas vejo que ele pegou isso muito mais por causa da pressão pela perda de vidas por conta das enchentes. Mas o que nós discutimos com ele é para que usasse sistematicamente as instituições de ensino e pesquisa para analisar a riqueza de dados e informações que a Prefeitura tem. Quem é que lê isso? Quem analisa isso para dizer, “olha, por que a gente não vai para cá?”.  Temos pelo País diversas experiências que deram certo – em casos mais complexos, como é o do meio ambiente e da ocupação urbana, isso é muito valioso.

Qual será o papel do sr. na pré-campanha e na campanha propriamente dita de Adriana e do PT?

Eu estava como pré-candidato e, quando Adriana se apresentou, vimos que a possibilidade de vitória com ela seria maior. Então, fiz minha adesão e abracei a pré-candidatura dela como militante. Estou na coordenação para todas as funções nesse primeiro momento. Agora fizemos uma rodada muito interessante de conversação com PV, PSOL e Rede. Estamos dialogando com outros partidos, como o Avante, discutindo para fazer a composição. Política é a arte de encantar corações e apresentar soluções. Meu papel vai ser ajudar em todas as frentes. Nossa prioridade será a disputa em Goiânia e em Anápolis. Naturalmente, vamos buscar as reeleições de nossos prefeitos em Itapuranga [Paulinho Imila], Goiás [Aderson Gouvea] e Professor Jamil [Ney Novaes]. E, é claro, em outros municípios. Mas, hierarquicamente, Goiânia e Anápolis são fundamentais para nosso projeto, que é reorganizar o desenvolvimento do Brasil. É preciso que as cidades também estejam conectadas com isso.

Aliança com Vanderlan Cardoso é uma possibilidade correta e concreta

O PT, em suas eleições vitoriosas em Goiânia, sempre teve partidos aliados de centro ou até de direita. Como o sr. vê a possibilidade, para esta campanha, de uma aliança com o PSD do senador Vanderlan Cardoso?

Eu acho uma possibilidade correta e concreta. O diálogo tem sido intenso como respeito a Vanderlan. Ele também tem um projeto para a cidade e é pressionado para ser candidato, mas nós entendemos que esse diálogo deve acontecer. É bem verdade que os atores da política acabam sendo influenciados pela música que está tocando. Qual era a tocava até um tempo atrás? A música do negacionismo, da desindustrialização, o estímulo à agiotagem, a exclusão de nossos projetos locais. Até 2022, quem dava as diretrizes da economia era alguém como Paulo Guedes [ministro da Economia durante o governo Bolsonaro]. Vanderlan acabou sobrevivendo a esse período, com as particularidades de Goiás, quando ele se elegeu. Agora, nacionalmente e especialmente no Congresso, o PSD tem mostrado que o Brasil está sob outra orientação. Portanto, eu não vejo problema de dialogar e de ver quais as propostas que Vanderlan tem para Goiânia e como equacioná-las em nosso projeto para a cidade. A política tem seu próprio tempo, não se pode viver o ontem nem antecipar o amanhã. Então hoje essa aliança tem importância.

Concretamente, um ator importante na política goiana é Caiado. Mas ele tem um projeto no qual não está preocupado com Goiânia ou com outra cidade, está literalmente obcecado pela possibilidade de ser candidato a presidente. E assim, a meu ver, ele rebaixa a política. Tenho certeza de que Vanderlan não se submete a um processo como esse. Há também indefinições de Bruno Peixoto [UB, presidente da Assembleia Legislativa]. E temos ainda outros atores que estão nesse embate. E o que Caiado diz, da parte dele? Que tudo será discutido democraticamente, com todos os partidos, desde que o candidato seja Jânio Darrot. Esse autoritarismo coloca Vanderlan em outro projeto.

É bom lembrar também que Caiado fez uma trincheira eleitoral contra a reforma tributária, uma necessidade que o Brasil precisava há 30 anos. Uma reforma que é de simplificação, nem é a que defendemos, que seria mais profunda.

Na divisão dos votos da eleição municipal, Adriana será o único nome da centro-esquerda. A direita e a extrema direita terão seus candidatos. Isso, em tese, facilitaria a ida dela para o segundo turno. O problema da chapa passa a ser, então, enfrentar a união desses outros dois blocos quando a disputa se afunilar?

Mesmo que Vanderlan não esteja conosco no primeiro turno – embora, em meu entendimento, é possível que isso aconteça, estamos construindo outro bloco, para o segundo turno, que se diferencia desse bloco que Caiado polariza. É visível que há um esforço do governador Caiado para agradar Bolsonaro em tudo que ele queira. Ele não dimensiona as ofensas que recebe de Bolsonaro porque quer o apoio dele.

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Professor Edward será um de nossos grandes puxadores de voto

Em 2020, o sr. foi o único vereador eleito pelo PT em Goiânia e, ainda assim, foi um progresso, já que, em 2016, o partido não tinha conseguido eleger ninguém. Como o sr. vê a formação de chapa para 2024 na capital? O professor Edward Madureira, que recentemente se lançou pré-candidato à Câmara, tem condições de ser um grande puxador de votos?

É preciso ressaltar que o legado de Paulo Garcia foi muito maculado por erros menores, mas que tomaram grande dimensão, sobretudo na questão financeira. O caso do IPTU, que precisava mesmo ter sido corrigido naturalmente, mas foi conduzido de forma equivocada. Em 2020, recuperamos uma vaga na Câmara e agora, para 2024, a possibilidade real é de fazermos quatro ou cinco vereadores.

Edward será um de nossos grandes puxadores de voto, afinal teve 30 mil votos para deputado federal somente em Goiânia. Além disso, ele tem uma capacidade de fidelização muito grande de votos e movimenta um nicho muito influente. Dessa forma, creio que ele possa repetir para vereador algo em torno de 30 a 40% dessa votação que o levou a se tornar suplente em Brasília.

Então, penso que Edward vai ajudar muito nossa chapa, que ainda tem nomes muito fortes e qualificados, como o de nossa vereadora Kátia Maria, que está fazendo um mandato muito importante, e também gente como Ana Rita, o ex-vereador Djalma Araújo, Divininho da Feira Hippie e outros que deverão estar se apresentando conosco, como a ex-deputada Isaura Lemos (PCdoB). Sobretudo, a atitude de Edward em assumir essa disputa mostra preocupação e vontade de construir um ambiente, de qualificar o Parlamento. Fui vereador por dois anos e, em discussões graves, importantes para a cidade, como o código tributário e outras questões estruturantes da cidade, eu era praticamente uma voz única.

O nível da Câmara de Goiânia é ruim?

Os vereadores estão focados em projetos muito pequenos, que às vezes não ultrapassam nem mesmo um bairro, às vezes se concentra em algumas quadras de um setor e nada mais. Por outro lado, temos a própria regra eleitoral, que agora tende a fortalecer os grandes partidos e diminuir essa pulverização de representação.

No lançamento da pré-candidatura de Edward, o sr. falou uma frase forte: “Se a extrema direita tivesse uma bala para escolher entre três alvos e esses fossem o PT, os partidos da esquerda em geral e a universidade federal, não teriam dúvida em atirar na última. Por que o sr. fez essa avaliação?

Nossa história mostra – e vocês entrevistaram aqui no Jornal Opção o professor João Cezar de Castro [historiador e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), referência no estudo de movimentos fascistas e do bolsonarismo], que estuda esse fenómeno – que as instituições de ensino e pesquisa, onde se constrói o pensamento e a capacidade de reflexão, passaram a ser os alvos principais da extrema direita durante a ditadura militar.

Nesse sentido. O professor Edward cumpre um papel importante porque traz consigo toda a academia, além de uma comunidade de 30 mil pessoas que se movimentam em torno da UFG, diretamente e diariamente.

O sr. é odontólogo de formação, atua na área e sua trajetória política também é muito ligada à questão da saúde pública. Como vê essa questão da polêmica em torno da validade de se vacinar, discussão que não havia tempos atrás?

A ideologia dominante de direita puxa o índice de vacinação para baixo. Isso vai desmontando o serviço de saúde pública. O que é uma coisa aparentemente simples, como uma campanha de imunização, vira uma retórica. É bem verdade que a população precisa fazer seu papel, mas o próprio Estado não faz o papel que lhe é devido.

Quando o sr. diz isso, se refere à negligência à atenção devida na política pública ou no discurso oficial? Porque em Goiás, por exemplo, não se pode falar que Ronaldo Caiado (UB) seja negacionista, como, por exemplo, pode se atribuir aos governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), que declararam oficialmente que em seus Estados não há obrigatoriedade de vacinar as crianças.

Eu refiro-me à prática do governador Caiado. Eu sou sanitarista e ele faz o que chamamos de prática hospitalocêntrica: quanto mais hospital se constrói, menos saúde pública se faz. Porque 80% das doenças podem ser resolvidas na atenção básica. O Estado deveria ajudar fortemente os municípios nesse sentido, para cada cidade ter PSFs [programas de saúde da família] melhores. Se o prefeito está com dificuldade nisso, o Estado vai até lá e leva ajuda. Também ajudar na atenção de urgência e emergência intermediária, como é o caso do município de Goiânia. Na gestão do professor Pedro Wilson [PT, prefeito de Goiânia de 2001 a 2004], o professor Libânio [Otaliba Libânio de Morais Neto, então secretário municipal de Saúde] formulou um cinturão de atenção intermediária em urgência e emergência, com os Cais [Centros de Atenção Integrada à Saúde] e Ciams [Centros Integrados de Atenção Médico-Sanitária]. Os Ciams não faziam urgência e emergência, os Cais eram policlínicas especializadas, não eram de urgência e emergência. Então não há nenhuma dessas unidades – são 12 unidades, ao todo – funcionando adequadamente.

As OSs são o câncer com metástase no Sistema Único de Saúde

Como estão os PSFs hoje em Goiânia?

Completamente desestruturados. Como o foco é para a parte hospitalar – por isso falamos em gestão hospitalocêntrica, os PSFs funcionam bem abaixo do que poderiam, apesar de ser uma boa política pública. Precisam ser dinamizados. Hoje a distribuição dos agentes é falha, não há mais a busca ativa – ou seja, a saúde chegar na pessoa antes de ela adoecer. Então, há uma falência da saúde pública mesmo, que gira em torno daquela máxima: aqui a gente atende bem, mas é preciso estar bem grave, senão não tem atendimento, não entra no hospital. Ou seja, é preciso estar à beira da morte para ter socorro.

Outro grave problema que temos no sistema de saúde em Goiânia é o seguinte: quando uma ambulância chega com um paciente a um hospital que foi assumido por uma OS [organização social], a unidade segura a ambulância até saberem o que vai acontecer com o paciente. O veículo fica parado – e é bom lembrar que temos hoje apenas seis ambulâncias funcionado em Goiânia. Ou seja, como       os hospitais, cada um, têm seu interesse, seu contrato, eles não gerem o direito à saúde da população, mas, sim, o contrato que possuem. Aí ocorre de ambulâncias que deveriam estar ajudando a população ficarem paradas, aguardando. Imagine o Samu, com tão poucas ambulâncias e tê-las paradas por duas, três, quatro horas. Nas OSs, que são um processo de privatização, só se vê o próprio contrato. Seria até ingenuidade nossa pedir que a OS que administra o Hugo se preocupar com a saúde pública lá de Porangatu. Por isso que considero incompatíveis com a saúde pública essas privatizações. Essas OSs são o câncer com metástase no Sistema Único de Saúde (SUS).

As OSs, como administram contratos, vão sempre trabalhar para ter gastos cada vez menores. No Hugo, segundo me foi relatado, o governo cometeu um crime: tiraram 300 funcionários efetivos, pessoas com 15 a 20 anos lá dentro, médicos da linha de frente, enfermeiros, enfermeiras e técnicos experientes. O contrato da OS diminui o contrato, abatem a folha de pagamento. Então, saem quatro ou cinco funcionários qualificados, experientes – alguns que estavam lá desde que o Hugo abriu –, para colocar um ou dois recém-formados, com pouca experiência. Ora, trabalhador vai trabalhar onde abrir a porta, tem boleto para pagar, mas o sistema não pode funcionar assim, precisar ter uma parte de gente forte, com experiência.

E para onde foram relocados esses funcionários experientes?

A sede do SindiSaúde tem um “depósito” de funcionários, não só do Hugo – onde foram, repito, 300 de uma vez só, por solicitação da OS. Interessante que, em uma de nossas manifestações, o então deputado federal Delegado Waldir [UB, hoje presidente do Detran-GO] estava lá, firme, apoiando os trabalhadores, tem até gravação disso.

Isso foi quando?

Foi entre 2020 e 2021. Esse pessoal foi realocado, todos, para a burocracia. Recentemente, um médico entrou em depressão, tinha 25 anos de Hugo, atendimento sempre na linha de frente, e botam o sujeito para ficar atrás do computador. Teve crises com a gestão e, por fim, se aposentou. Tem uma unidade de saúde, que é uma área administrativa do Estado, que fica no Bairro Santo Antônio, ao lado do HDT [Hospital de Doenças Tropicais], no mesmo quarteirão do Hospital de Medicina Alternativa. Lá tem um galpão gigante onde devem ter uns 600 funcionários desviados de função, porque o Estado não pode pagar. Estamos preparando uma ação contra isso, porque é incompetência administrativa. Contratam a OS, tiram o funcionário de sua função e ele não pode ser demitido. E as OSs, onde tinham 300 funcionários, colocam apenas 100, e com muito menos experiência.