A cada quatro anos o goianiense tem renovada a esperança de que o Centro da capital terá o seu processo de degradação interrompido, e assim, passando a ter nova valorização patrimonial, econômica, cultural, social e arquitetônica. Mas no decorrer de duas décadas essa é uma pauta que só ganha notoriedade nas campanhas eleitorais, já que, as ações se mostram limitadas, vagarosas e incapazes de conter a célere deterioração da região central de Goiânia. 

Ao longo do tempo, o Centro de Goiânia, como de  outras tantas capitais, passou por transformações econômicas e de consumo do espaço. Esses são fatores que ocasionaram mudanças sociais que inverteram a forma de ocupação da zona urbana da cidade. Mesmo sendo definida como espaço de grande importância para a capital, em razão de abrigar funções relevantes, sobretudo o comércio e acesso a serviços públicos, além de representar um “espaço vivo” para o convívio da população, a região central não foi capaz de se manter como prioridade dos investimentos – públicos e privados. O fato se justifica pelo desejo de modernização e das novas demandas da sociedade.

Em um artigo publicado em 2016, intitulado 3/21: O Plano Goiânia 21 e as intervenções no Centro de Goiânia, o doutorando em Arquitetura e Urbanismo Pedro Henrique Máximo, o mestre em arquitetura Lucas Jordando e a arquiteta Mayara Dayanne Sousa, apontaram que “embora tenha se passado menos de um século de sua existência, o Centro de Goiânia já apresenta uma dicotomia típica dos centros de capitais mais antigas: entre a necessidade de preservação e manutenção de uma escala urbana que não provoque conflitos de linguagem entre antigos e novos conjuntos edificados, e a urgência de soluções para o esvaziamento habitacional do Centro, cujo risco é a deturpação da escala original que projetos de revitalização pretendem preservar.”

Janaina de Holanda, vice-presidente do CAU

A mesma linha de raciocínio dos pesquisadores é defendida pela vice-presidente do Conselho de Urbanismo e Arquitetura (CAU) Janaina de Holanda. De acordo com sua observação, o esvaziamento e degradação do Centro foi acelerado pela pandemia de Covid-19. No entanto, anteriormente às medidas de isolamento, também não havia ações efetivas para resgatar o potencial da região. “A discussão sobre a requalificação do Centro é algo sazonal (em período de campanha). O tema não é tratado como uma política de Estado em que, independente de quem esteja à frente da gestão, os projetos sejam tocados. As medidas necessárias são de médio e longo prazo”, aponta.

Revitalização do Centro de Goiânia deve ser feita em três eixos

Apesar das limitadas ações para conter a degradação do Centro, essa é uma região que já foi reconhecida poder público e pela iniciativa privada como local de oportunidade para geração de atividades e receitas, assim como produção habitacional. Mas o tema revitalização tende a ser encarado apenas como intervenções físicas, com um programa que envolve melhorias urbanas, criação de condições de maior controle do espaço público, valorização de monumentos e a recuperação de áreas degradadas. Entretanto, a revitalização é um processo de planejamento estratégico, capaz de reconhecer, manter e introduzir valores de forma cumulativa. Dessa maneira, ela intervém em médio e longo prazo com execução de obras como a recuperação de logradouros, ornamentação, iluminação e gerência do espaço público, mas exige também prioridades relacionadas a economia, sensação de segurança, acesso e respeito à arquitetura histórica e atendimento social.

“Não adianta fazer isenção de IPTU no valor de R$ 2 mil, se uma reforma não fica menos de R$ 200 mil”

Janaina de Holanda

“Temos um quadro social agravado pela pandemia. Estamos falando em pessoas em situação de rua e também de dependentes químicos que hoje ocupam a região central. Simultaneamente, temos muitos imóveis públicos desocupados no Centro – exemplo é o antigo prédio do INSS, na Avenida Goiás – que poderiam cumprir função de abrigar ou cumprir algum papel de interesse social para acolher essa população. Essa é uma ação que precisa e só pode ser feita pelo poder público”, aponta Janaina de Holanda, ao falar de um problema que precisa de urgente intervenção. 

Uilson Manzan, presidente da Acic

O apontamento vai ao encontro do posicionamento do presidente da Associação Comercial e Industrial do Centro (Acic), Uilson Manzan. Segundo ele, o poder público é falho em lidar com o problema de pessoas em situação de rua, que nos últimos anos viram na região central um local ideal para se manter, mas que, em contrapartida, traz um processo que resulta na imagem de insegurança e descuido para o Centro. 

Uilson  Manzan adiciona outro fator a questão social que precisa ser combatido pela Prefeitura de Goiânia: os ambulantes. As calçadas das duas principais avenidas do Centro – Anhanguera e Goiás – se tornaram concorridas para instalação irregular de comércio ambulante. É perceptível para quem passa pelo Centro ou que frequente a região, que não há nenhum tipo de fiscalização para coibir a presença desses vendedores. 

“Esse é um problema social imenso. A Prefeitura fica com pena dos ambulantes, só que um ou dois deles conseguem causar o fechamento de 15 ou 20 postos de trabalho formal. Isso ocorre porque muitas lojas fecham em decorrência da presença dos ambulante. E ainda tem o fato do Estado e o Município deixarem de arrecadar os tributos. Esse é um enfreamento que precisa ser feito a curto prazo”, avalia Uilson Manzan.

Centro de Goiânia | Foto: Fernando Leite

Um segundo eixo que precisa ser atacado está relacionado com a infraestrutura do Centro. Janaina de Holanda pondera que Goiânia não tem uma política de preservação do patrimonio histórico. Segundo a arquiteta, esse é um ponto crucial, pois interfere na imagem e paisagem da região. “Falo em relação ao pavimento, calçamento, arborização, tamanho dos imóveis, disposição das fachadas, entre outros”, diz. “Mas não temos essas políticas. E aqui me refiro a dinheiro e financiamento para as pessoas proprietárias de imóveis conseguirem manter essas casas em bom estado de conservação. Não adianta fazer isenção de IPTU no valor de R$2 mil, se uma reforma não fica menos de R$200 mil. Tem que ter dinheiro público, ou financiamento com taxa baixa que seja interessante para empresas se instalarem nesses locais, e readequar para demanda modernas”, salienta a vice-presidente do CAU.

Esse é mais ponto de convergência entre a arquiteta e o presidente do Acic. Na opinião dele, é preciso que Prefeitura de Goiânia tenha um programa específico para o Centro, para atuar como indutor de investimentos. “Essa seria uma forma de aquecer o comércio e para termos mais empreendimentos imobiliários. Hoje há um desinteresse total por parte das construtoras e incorporadoras em lançar empreendimentos no Centro”, reafirma. 

“Hoje há um desinteresse total por parte das construtoras e incorporadoras em lançar empreendimentos no centro”

Uilson Manzan

Segundo Uilson Manzan, é evidente a falta de cuidados com os mobiliários urbanos instalados no Centro. Para ele, seria necessário um mutirão de serviços para consertar bancos, postes, meio-fios, lampadas e tubulações expostas. O presidente da Acic ainda cita que é preciso ampliar as varrições, podas de árvores e cuidado com a jardinagem. “Fazendo esse básico já teremos algum indicativo que o poder público quer cuidar e fazer do Centro algo atrativo.”

Além dos outdoors: Filme vencedor do Fica de 2007

Por último, tanto Uilson Manzan quanto Janaina de Holanda, apontam que ações que fortaleçam a economia da região devem se tornar prioridade. A arquiteta chama de mix de atividades. Segundo ela, é necessário haver programas de fomento, seja por meio de alíquotas de ICMS ou financiamentos que tenham por objetivo  atrair novas atividades e fortalecer as já existentes no Centro. “Estou sentindo o esvaziamento. Tem imóvel para alugar e vender. Isso é fruto da desvalorização do Centro. Mesmo sendo uma região muito acessível, que seria um lugar de excelência para os serviços públicos, percebemos o deslocamento desses equipamentos para outras regiões. Esse é um fator que impacta negativamente na economia e na valorização.”

Uilson Manzan confirma que um levantamento feito pela Acic, concluiu que há 517 imóveis de fachada (térreos) para alugar na região central. Boa parte deles há mais de um ano estão com as portas fechadas. “Precisamos de uma série de diretrizes para a reorganização econômica do Centro. A proposta é a implantação do Arranjo Produtivo do Centro.”

Revitalização do Centro precisa preservar potencial econômico

No cenário altamente competitivo da atual fase da economia de mercado, as cidades precisam se destacar por via de um diferencial. A valorização da tradição e da cultura local é um dos mais explorados. Mas, uma vez que o modelo difundido no mundo é que Centros precisam se revitalizar para tornar as cidades competitivas. Nesse ponto, o Centro de Goiânia se destaca pelo seu forte potencial econômico. 

O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Goiás (Fecomércio-GO), Marcelo Baiocchi, faz a análise que o Centro de Goiânia precisa ser reocupado, o que, segundo ele, traria valorização para região. O líder classista aponta que a região central perdeu a atratividade, e consequentemente as empresas, tanto de serviço, como de comércio, se deslocaram para outras localidades, como shoppings, Avenida T63, Avenida 85, Avenida Bernado Sayao e região da Rua 44. 

Marcelo Baiocchi, presidente da Fecomércio

Apesar de ter perdido investimentos, de vivenciar o fechamento e deslocamento de empreendimentos para outros setores, Marcelo Baiocchi aponta que o Centro possuí as melhores características capazes de agregar valor aos negócios. “O Centro de Goiânia tem infraestrutura para se instalar qualquer atividade. O potencial do Centro é grande e certo. O que falta é ação”, evidencia. “Na região pode-se instalar comércio, empreendimentos ligado a gastronomia, ensino, atividade na área cultural, na área de shows, empresas de tecnologia, e tantas outras. Há uma farta infraestrutura para isso”, completa.

O presidente da Fecomércio calcula que o poder público precisa ser o grande indutor para os investimentos em qualquer projeto de revitalização, entretanto, o setor privado precisa ser considerado parceiro. Segundo ele, a classe empresarial tem disposição em participar da requalificação do Centro de Goiânia. 

“O potencial do Centro é grande e certo, o que falta é ação”

Marcelo Baiocchi

Um dos modelos de parceria seria alteração consorciadas entre empresas e a Prefeitura de Goiânia. Marcelo Baiocchi cita um exemplo: “o Centro tem muitos imóveis que estão presos em processos sucessórios. A Prefeitura tem meios para desapropriar em parceria com o setor privado, que pode indenizar à vista. Assim, o imóvel fica liberado para receber investimentos e novos empreendimentos.”

Centro foi redescoberto pelos frequentadores de bares e restaurantes

Pub & bar Casa Liberté, instalado no Centro

A degradação do Centro de Goiânia – tanto pela economia, quanto pela arquitetura e equipamentos públicos – fez com que durante muitos anos, a medida que cessava o movimento provocado pelo comércio ou pelo trânsito das pessoas voltando para suas residências, a região esvaziava-se. A ausência de moradores fazia com que o cenário de grande fluxo durante o dia seja substituído pelo vazio noturno. 

Mas nos últimos anos, com mais intensidade no cenário pós-pandemia, empreendedores se apoiando exclusivamente na criatividade tem conseguido atrair público para a região. Frequentadores de bares e restaurantes estão redescobrindo o Centro. 

O desenvolvimento de uma economia essencialmente noturna e baseada na cultura, na música e gastronomia mostra que o Centro de Goiânia é viável economicamente. Empresários apostaram no patrimônio urbano, apesar da decadência da região, eles conseguiram estruturar vários pontos de  animação e de criatividade da noite goiana.

Imagens aéreas do Centro | Imagens: Mozart F.

À noite, o movimento no Centro segue em ritmo marcado pelos dias da semana. A segunda-feira e a terça-feira são dias vazios. Apenas na quarta-feira há uma movimentação um pouco mais intensa. A partir da quinta-feira, inicia-se um crescimento que vai até o sábado. O público é frequente, mas ainda reduzido para o potencial que a região possui. Há uma resistência surda do poder público em repensar o Centro como local de vivência cultural e econômica da cidade.

Histórico dos projetos de Revitalização do Centro de Goiânia

Goiânia completa 90 anos em outubro deste ano. Um presente a altura da capital nonagenária seria a devolução da vida para o coração da cidade.

No Brasil, os principais casos de revitalização de Centros históricos de grandes cidades também são marcados pela presença do poder público, em especial no financiamento das intervenções. Ter o poder público como indutor da revitalização do Centro  não é uma demanda recente. Essa vontade já se faz presente desde os anos 90, tanto o é, que em 1998, o então prefeito Nion Albernaz, encomendou um projeto de revitalização para o Centro da cidade ao escritório do arquiteto Luiz Fernando Cruvinel Teixeira.

A partir daí foi criado o Plano Goiânia 21, sendo elaborado junto a profissionais das diversas áreas. Nesse projeto ficou constatado que o Centro de Goiânia, da década de 90, era motivo de descontentamento por parte da população porque estava em um processo crescente de degradação. Para reverter este processo, o Plano de Revitalização do Centro de Goiânia definiu 21 intervenções estruturantes, para aumentar a habitabilidade e melhorar os espaços públicos, principais anseios da população da época – a desmotivação das pessoas para irem ao Centro da cidade é causada pela ausência de conforto físico e visual, além de inexistir incentivo para a permanência da população.

Dos 21 projetos, apenas 3 saíram do papel

  • Projeto Cine Teatro Goiânia: projeto voltado para a cultura, com proposta de transformação da paisagem urbana, pois requisitou a desapropriação das propriedades vizinhas ao teatro. Se trata do espaço batizado de Vila Cultural Cora Coralina.
  • Projeto Centro Olímpico: A intervenção no Centro olímpico existente visava requalificar o local para oferecer um lugar de esportes mais completo integrado à cidade, conformando-se com piscina de saltos e suas arquibancadas, pavilhão de esportes, escola de natação e piscina de competição.
  • Projeto Praça Pedro Ludovico: o projeto tinha finalidade de resgatar as atrações importantes da configuração original da Praça Cívica, perdidos quando o local passou a ser utilizado ostensivamente como estacionamento. Outra intenção deste projeto seria a conformação de um local de atividades culturais em diversos segmentos.

No ano de 2001, o projeto Revitalização do Centro de Goiânia, também executou intervenções no Centro. Foram feitos o mercado aberto da Avenida Paranaíba e o canteiro Central da Avenida Goiás.

Em 2008 foi executado o projeto Cara Limpa, que visava restaurar 49 edifícios do Centro. Mas ao final do processo apenas 5 prédios históricos passaram pela restauração. 

Em 2018, houve o projeto Vem pro Centro, que foi proposto pelo Governo do Estado. Mudanças para o Centro foram discutidas com a sociedade organizada e seriam incluídas no Plano Diretor. 

Em 2019 houve a revitalização da Rua do Lazer. 

A atual gestão assumiu o Paço Municipal em 2020, e segundo as entidades ligadas ao Centro e a arquitetura da cidade, não foi aberto um diálogo para discutir a revitalização da região. “Nada avançou. Pelo contrário. É só discurso e a situação do Centro está cada vez mais caótica. Por parte da Prefeitura nunca teve provocação para discutir o assunto junto a Acic. Ficamos sabendo pela imprensa de um possível projeto sobre isenção de impostos. Mas não há diálogo”, afirma Uilson Manzan.

Janaina de Holanda tem a mesma posição. “Não tem nada sendo discutido com o CAU atualmente. Só houve um regramento que foi debatido dentro do Plano Diretor sobre uma proposta requalificando o Centro com novos prédios. Esses respeitarem a escala do Centro de Goiânia, portanto, não é algo positivo.” 

Embora não haja uma ação que possa ser vista aos olhos da população ou mesmo debatida com entidades que possuem know how sobre o tema, é importante lembrar que a revitalização do Centro consta no Plano de Governo da chapa que fez que Rogério Cruz (Republicanos) prefeito de Goiânia. 

No plano de governo proposto pela chapa Prá Goiânia Seguir em Frente, encabeçada por Maguito Vilela e tendo como vice o atual prefeito Rogério Cruz, três páginas são dedicadas a análise e propostas para revitalização do Centro de Goiânia. Entre as propostas registradas pela chapa está o “processo de requalificação, introduzindo ações específicas que trarão o brilho que o nosso Centro já possuiu. O Centro expandido está estruturado por todos os serviços necessários a vida em uma metrópole, mas o declínio das atividades os deixaram ociosos, infraestrutura urbana de água, energia, dados, transporte urbano, equipamentos públicos permitem recriar a dinâmica das atividades em toda região a um custo muito menor do que em outras áreas da capital. Para tanto será necessário criar atratividades, reformulando normas e agindo com a crença de que é possível esta mudança.”

Apesar do Plano de Governo constar projetos para revitalização do Centro, e a atual gestão já estar à frente do Paço há mais de dois anos, a administração municipal optou por não dar entrevista ou apresentar as ações que tem feito sobre o tema. Em nota, a Secretaria de Finanças de Goiânia informou que: O Plano de Revitalização do Centro de Goiânia encontra-se em fase de estruturação. O trabalho conta com o apoio de várias pastas da Prefeitura de Goiânia e, assim que for concluído, será amplamente divulgado. 

Diante da posição da Prefeitura de Goiânia, resta aos goianienses torcerem para que a gestão esteja discutindo soluções para as principais questões que envolvem a revitalização do Centro, como, por exemplo: como recuperar a região sem elitizar e sem expulsar os habitantes? O uso dos espaços públicos deverá ser marcado pela contemplação e pelo consumo? A revitalização será sinônimo de gentrificação ou pode ser pensada também como forma de inclusão social, promoção da cidadania e reforço das identidades? Que setores da economia terão incentivos para se instalar? Quais os investimentos em infraestrutura e conservação? Quais as regras os empreendimentos terão que seguir para não desconfigurar a arquitetura do Centro? 

Fica perceptível que há o Centro de Goiânia merece maior atenção do poder público e suas iniciativas. Há também um claro desejo da sociedade organizada em participar do processo, tanto é que há estudos, projetos e os eixos que precisam ser liderados pela Prefeitura para dar a região Central a revitalização que ela merece. Enfrentando, o tema só ganha espaço a cada quatro anos, durante a campanha eleitoral que concorre ao Paço Municipal.