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Por volta das 6h da manhã dessa quinta-feira, 26, o rádio goiano perdeu seu maior ícone da narração esportiva. Edson Rodrigues era dono de um grave de fazer inveja, uma voz imponente daquelas que fazia tremer o rádio. Seus gritos de gols ecoavam por muitos segundos, graças ao fôlego prolongado e privilegiado do narrador.

Edson perdeu a guerra para um tumor silencioso alojado no pâncreas, no prazo de 30 dias da descoberta até o dia do falecimento. O “monstro sagrado” como era conhecido pelos colegas de profissão, partiu aos 79 anos de idade.

O locutor nasceu no distrito de Amanhece, em Araguari (MG) antes de fazer sucesso em Goiás e, consequentemente, em todo o Brasil. Ainda na década de 70, quando dava seus primeiros passos na profissão, passou por muitas dificuldades. Quem relembra a época é o também narrador, José Silvério, mineiro e também consagrado como “monstro da narração”. “Já passamos fome quando fomos para o Rio de Janeiro tentar a vida por lá. Me perguntam porque somos amigos até hoje e digo: é porque dividimos um prato de comida por vários dias, isso nos uniu para sempre”, relembra.

Foram 60 anos de militância na crônica esportiva. Nesse período, Edson teve participação em mais de quatro mil transmissões, com quase 20 mil gols narrados. Atuou em quatro Copas do Mundo: 1970, no México; 1990, na Itália; 1998, na França; e 2014, no Brasil. Portanto, o Pelé da narração esportiva estava presente na ascensão ao reinado, do Pelé do futebol. Seu filho Edson Júnior, inclusive lembra que o pai narrou também o milésimo gol de Pelé. Na ocasião, Edson trabalhava pela rádio Itatiaia de Minas Gerais.

Quedinha

Edson Rodrigues: gostava de todos os times, mas tinha uma quedinha pelo Vila Nova, revela viúva | Foto: Arquivo Pessoal

Edson era casado com a bacharela em direito, professora aposentada e cantora dona Leila Ribeiro, 65. Foram 49 anos de relacionamento, três filhos e dois netos. Dona Leila afirma que perdeu o amor da vida dela, enquanto o Brasil perdeu um grande homem. “A crônica esportiva e o Estado de Goiás perderam uma pessoa extraordinária, uma pessoa simples, uma pessoa humilde, solidária, sem grandeza e vaidade”, destaca. Ela acrescenta ainda que talvez seja por isso que ele foi – e ainda é – querido por todas as torcidas. “É muito difícil ter alguém do rádio que agrade a todos. O Edson foi essa exceção. Era unânime. Todos gostavam dele!”.

Leila lembra que conheceu o marido por causa de uma narração. “Conheci o Edson na final do Campeonato Goiano de 1973, entre Goiás e Vila Nova. Na verdade, a empregada da minha irmã gostava de futebol e estava escutando esse jogo. Eu ouvi a narração e comentei com ela ‘que voz bonita desse cara, vou ligar para ele.’ Eu liguei no dia seguinte e a partir daí começou a nossa história de amor”, conta

Questionada sobre o time que o narrador torcia, Dona Leila se esquiva e diz que sabe somente qual é o time dela. “Eu torço para o Vila Nova, por causa daquele jogo. Ele gostava de todos. Mas, vou te dizer: o Edson tinha uma quedinha pelo Vila Nova”, comenta com um pouco de risos, em meio às lágrimas).

Na verdade, o monstro sagrado, sempre falava que era um torcedor do futebol goiano, ele nunca revelou publicamente qual o seu time de coração. Esse foi seu grande diferencial, era imparcial em suas narrações, não por acaso, estavam cobrindo o seu caixão – as camisetas de Goiás, Atlético Goianiense, Vila Nova e Goiânia.

Companheiros

Charlie Pereira, da Rádio Sagres, companheiro profissional de Edson Rodrigues durante 30 anos, afirma que nunca viu alguém tão profissional e responsável. “Ele nunca atrasou, estava sempre com a voz limpa, tinha controle total de uma transmissão. O profissionalismo sem dúvidas nenhuma norteou o Edson por esses 63 anos de carreira”. Charlie realça ainda que o locutor não tinha ouvintes, tinha torcedores. “As pessoas torciam por ele”.

Evandro Gomes, da Rádio CBN e TV Brasil Central, além de colega de trabalho era um amigo pessoal de Edson e padrinho de um de seus filhos. Ele lembra que o narrador sempre representou o que há de melhor no relacionamento humano. “Um relacionamento de respeito, de indicar a pessoa para os caminhos melhores da vida, indicar para um rumo profissional que a gente não imaginava ter. Com ele eu vivi isso”, relembra. “Tivemos uma convivência de mais de 50 anos. É difícil aceitar essa partida, embora, entendo. Vão ficar gravadas todas as memórias que tivemos juntos, dentro e fora do rádio, afinal, foram mais de mil jogos. Respeito todos os profissionais que trabalharam comigo, mas igual ao Edson, nunca vi”.

Para José Carlos Lopes, cronista da Sagres, Edson foi o maior e melhor narrador esportivo que já viu. “Trabalhei por cerca de 30 anos com ele e nunca vi um igual. Desde criança já gostava das suas narrações e para mim foi uma alegria enorme. Saí de simplesmente um fã, para trabalhar com um ídolo”.

Nivaldo Carvalho, da Band News, é outro que enaltece a forma singular das narrações do monstro. “Era sem dúvidas, um dos maiores narradores do Brasil e de Goiás, o melhor de todos os tempos. Será difícil encontrar um substituto para o Edson que, além de ter uma voz linda, era muito criativo”, destaca.

Romes Xavier, colega de trabalho na Rádio Bandeirantes, diz que foi um prazer trabalhar com o Edson nos seus últimos dias de trabalho. “Ele fez história na narração esportiva em Goiás e no mundo. Tinha uma narração moderna e passou a valorizar mais o gol e quem fez o gol, colocando mais emoção nesse que é o momento mais importante de um jogo de futebol. O Edson, não por acaso, usava uma abertura que dizia que ‘nós abrimos para Goiás o caminho do rádio moderno’. Foi exatamente isso que ele fez”.

O jornalista Cleber Ferreira, da Band News FM, destaca que perdeu uma parte de si com a partida do narrador. “Eu perdi uma parte de mim, porque perco um grande amigo e um grande exemplo de homem, de caráter, de humildade, de profissionalismo, de lealdade aos amigos, coisa rara. Havia, e ainda há, um amor muito grande entre nós como amigos. Eu de ouvinte na infância, passei a ser colega de trabalho do Edson. Cheguei a ser seu coordenador, mas nunca perdi a admiração. O Edson nunca encerrou a carreira. Ele morre na ativa. O rádio está mais pobre, a comunicação está mais pobre, o futebol está mais pobre e eu estou muito triste”, lamenta.

O locutor esportivo Ronair Mendes, da Band News, também lamentou a morte de um amigo e ídolo. “Edson foi o maior de todos os tempos, uma grande referência para todos nós locutores. Ele teve uma participação enorme na minha carreira, sempre trocamos muitas ideias a respeito do nosso trabalho. Ele sempre foi muito dedicado, muito profissional, e isso me chamava muito a atenção. Ele me falava que gostava muito do meu jeito de narrar e me dava muitos conselhos. Tenho certeza que todos eles me fazem ser melhor a cada dia. O Edson se foi, contudo, a sua bela história será eterna”.

Ex-jogadores

Amigos e autoridades enviaram homenagens para velório do narrador | Foto: Cilas Gontijo

O ex-jogador Guilherme, ídolo do Vila Nova na década de 70, declarou estar muito sentido com a morte de um amigo. “Conheci o Edson em 1968, em Araguari, e em Goiânia nossa amizade se prolongou. Hoje é um dia muito triste”. Macalé, ex-zagueiro do Goiás, também lamentou a perda e lembrou da responsabilidade do narrador sobre seu apelido. “Nunca vou esquecer o Edson, porque foi exatamente ele que colocou em mim o apelido de Macalé. Aliás, na minha época ele colocava apelido em todos os jogadores (risos). Mas isso era de uma forma carinhosa e respeitosa. O Edson faz parte de uma transição do Estádio Olímpico para o Serra Dourada, então não tem como falar da história do futebol goiano sem citar Edson Rodrigues”.

Tim, ex-jogador do Vila Nova e comentarista esportivo, relata que conviveu com o narrador por vários anos e só tem que agradecer a Deus por isso. “Foram muitos jogos e gols meus que ele narrou brilhantemente, que com certeza são inesquecíveis. Sou um privilegiado porque tive a oportunidade de trabalhar ao lado dele na Sagres, onde aprendi muito. Tenho certeza que quem vai sentir muito essa perda, são os torcedores”.

Dirigentes

Edmo Pinheiro, presidente do Conselho Deliberativo do Goiás, define a morte de Edson como uma perda muito grande. “Estamos falando do Pelé das narrações esportivas, disparado o melhor do Brasil. Não por acaso, o seu apelido era ‘monstro sagrado’. Então, hoje, é um dia muito triste. Ele tinha o dom de transformar um jogo comum em um clássico repleto de emoções do início ao fim. Penso que nunca terá outro igual”.

Adson Batista, presidente do Atlético Goianiense, também lamentou a perda irreparável. “Peço à Deus que conforte a toda família. Edson Rodrigues foi uma referência, fez muito bem para o maior esporte desse país que é o futebol. Os gols mais emocionantes da minha vida, no Atlético, foi ele quem narrou. Então, fica aqui meu agradecimento por tudo que ele fez pelo futebol, pelo respeito que ele tinha pelo Atlético e por minha pessoa”.

Sizenando Ferro, ex-presidente do Vila Nova, lembra de Edson Rodrigues como um baluarte do rádio. “Foi e sempre será o maior locutor esportivo do Brasil. Tinha uma locução espetacular. Desde criança eu já acompanhava suas narrações. Um dos fatores que fez dele o melhor, era a sua imparcialidade, narrava qualquer gol de qualquer time com a mesma emoção”.

O atual vice-presidente do Vila Nova, Leandro Bittar, também registrou homenagens a Edson Rodrigues, destacando a data como muito triste para todos do futebol. “Edson era alguém que transcendia o estado pela capacidade que ele tinha, pelo seu talento. O Vila Nova lamenta muito o seu passamento. Porém ficam os grandes feitos dele, é isso que temos que ressaltar. Com a sua competência, ele nunca deixou transparecer para qual time torcia, mas ficamos felizes e nos sentimos orgulhosos em saber que ele tinha uma quedinha pelo Tigrão (risos)”, brincou.

Torcedores

Fernando Cardoso torcedor do Vila Nova, revela que agora as narrações do rádio não terão mais graça. “Às vezes eu ouvia um jogo narrado por ele, parecia que era Real Madrid e Barcelona, de repente eu ligava a TV e percebia que o jogo era muito ruim (risos). Eu voltava logo para o rádio”.

Antônio Alves torcedor do Atlético, enfatiza que será difícil encontrar outro igual ao Edson. “Ele era sem comparação, penso que nunca mais ouviremos uma voz tão bela narrando futebol”.

A perda de Edson também foi lamentada por seu médico urologista e amigo, Dr. Urano Ribeiro Guimarães, que inclusive lembra de quando foi homenageado durante uma narração de gol de seu time do coração. “Edson Rodrigues foi meu paciente e meu grande amigo. O que mais me chamou atenção foi que uma vez eu falei que era santista, e em jogo contra o Goiás, o Santos fez um gol e ele falou: ‘Esse gol faz muito feliz o Dr. Urano, meu urologista’ (risos). Eu fiquei pouco sem graça, mas ele era muito autêntico e narrava fantasticamente. Foi meu paciente por muitos anos e vai estar sempre no meu coração com sua sabedoria e sua inteligência”, recorda.