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O Ministério dos Povos Indígenas, em seu primeiro ano de criação, demarcou 8 terras indígenas no Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) expressou, em abril de 2023, a meta de demarcar todos os territórios em pendência até o fim de seu mandato, em 2026. Desde 2018 o país não homologava terras indígenas.

De acordo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), há 247 territórios esperando pela regularização: 132 estão sob estudo, 48 estão delimitados e 67 tiveram declaração como terra indígena. Outros 12 receberam homologação, a última fase antes da demarcação, e 477 finalizaram a regularização. Existem ainda 490 áreas reivindicadas por indígenas e sob análise inicial da Funai.

A promessa de Lula enfrenta desafios significativos, especialmente devido ao elevado número de territórios aguardando demarcação. A situação se complicou ainda mais quando o Congresso promulgou, em dezembro, o Marco Temporal. Essa tese estabelece que apenas as reservas indígenas que consigam comprovar o uso do território até a promulgação da Constituição em 1988 podem ser demarcadas. No entanto, muitos povos indígenas argumentam que, em vários casos, não conseguem fornecer essa comprovação, uma vez que foram expulsos por invasores.

Apesar do Supremo Tribunal Federal (STF) ter declarado inconstitucionalidade no texto (Lei 14.701/23), o Congresso promugou o Marco Temporal. A nova lei só admite a demarcação de terras indígenas que já estavam ocupadas ou eram disputadas pelos povos originários até 5 de outubro de 1988. A polêmica já se arrasta por décadas. Em setembro, o STF havia derrotado o marco temporal, mas, em outubro, Câmara e Senado aprovaram a retomada da tese por meio da nova lei, parcialmente vetada pelo presidente Lula.

Após a derrubada dos vetos pelo Congresso, em dezembro, PT, PC do B, PV, Psol e Rede Sustentabilidade recorreram ao STF pedindo a nulidade de vários trechos da legislação. A coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), expôs argumentos culturais, humanitários e ambientais contra o marco temporal. “O marco temporal é uma tese anticivilizatória de país, é premiar ladrões de terras indígenas e uma derrota para toda a humanidade. Acabamos de sair da COP, e nós, povos indígenas, somos tidos como uma das últimas soluções para barrar a crise climática”, afirmou.

Como funciona a demarcação?

  1. Estudo e Processo Administrativo:
    • Inicia-se com um estudo para identificar áreas de interesse cultural e produtivo para as comunidades indígenas.
    • Antropólogos são enviados a campo, juntamente com a participação das comunidades indígenas interessadas.
    • Um relatório é elaborado para delimitação da área.
  2. Aprovação pela Funai:
    • O relatório é submetido à Fundação Nacional do Índio (Funai) para aprovação.
    • Se aprovado, é publicado no Diário Oficial da União (DOU) e do estado correspondente.
  3. Período de Contestação:
    • Após a publicação no DOU, há um período de 90 dias para que qualquer parte conteste a demarcação.
  4. Análise no Ministério da Justiça:
    • O processo segue para o Ministério da Justiça.
    • Pode ser devolvido para diligências adicionais ou avançar para a declaração de posse permanente pelos indígenas.
  5. Homologação pelo Presidente da República:
    • O presidente da República homologa a área por meio de decreto.
    • Este é o estágio final em termos de decisão governamental.
  6. Registro em Cartório:
    • O último passo é o registro formal da demarcação em cartório.

A distinção entre territórios homologados e regularizados está na documentação formal em cartório. Isso implica que, após a homologação, é necessário formalizar legalmente a demarcação por meio do registro em cartório para que o reconhecimento seja plenamente efetivado.

É importante notar que o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil é muitas vezes objeto de controvérsias políticas, legais e sociais, refletindo diferentes visões sobre o uso da terra e os direitos das comunidades indígenas.

Apesar de importante para garantir a segurança dos indígenas que vivem no território, a demarcação não é capaz de resolver todas as questões de um povo, como mostrado pela crise dos Yanomamis, em Roraima. A regularização da área ocorreu em 1992, após uma escalada de violência dos garimpeiros ilegais.

Na última semana, o ministro Rui Costa, da Casa Civil, anunciou orçamento de R$ 1,2 bilhão para ações para os Yanomamis. As medidas incluem a presença permanente das Forças Armadas e Polícia Federal, além de pontos da Saúde, Educação, Funai e Ministério dos Povos Indígenas para oferecer suporte à população.

Veja a lista das terras indígenas homologadas

  • Arara do Rio Amônia (AC), com população de 434 pessoas e portaria declaratória do ano de 2009
  • Uneiuxi (AM), com população de 2.300 pessoas e portaria declaratória do ano de 2006
  • Kariri-Xocó (AL), com população de 143 pessoas e portaria declaratória de 2004
  • Tremembé da Barra do Mundaú (CE), com população de 580 pessoas e portaria declaratória do ano de 2015
  • Rio dos Índios (RS), com população de 249 pessoas e portaria declaratória do ano de 2006
  • Avá-Canoeira (GO), com população de nove pessoas e portaria declaratória do ano de 1996
  • TI Rio Gregório fica no município de Tarauacá e tem área aproximada de 188 mil hectares abrigando 580 indígenas das etnias Katukina Pano e Yawanawá
  •  TI Acapuri de Cima está entre os municípios de Fonte Boa e Jutaí, com área aproximada de 19 mil hectares, onde vivem 101 indígenas da etnia Kokama

Relembre a crise dos Yanomamis

A agência Sumaúma noticiou que 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis, entre 2019 e 2022, na Terra Indígena (TI) Yanomami (AM-RR). As fotos de crianças e idosos esquálidos, desnutridos, divulgadas na imprensa e nas redes sociais causaram comoção dentro e fora do Brasil. 

Acompanhado de vários ministros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi a Roraima avaliar a crise. O governo decretou emergência de saúde na área e anunciou uma série de medidas, como o envio de equipes médicas à região e a instalação de um hospital de campanha em Boa Vista.

A repercussão do caso gerou indignação, dúvidas, surpresa, com a impressão de que o problema veio a público só agora. Logo começaram a circular notícias falsas para desviar o foco da responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Há décadas, as comunidades que vivem na Terra Indígena Yanomami, no Norte do Brasil, sofrem com a interferência de não indígenas na região, principalmente devido ao garimpo ilegal, que aumentou consideravelmente os índices de violência, degradação ambiental – impactando diretamente na alimentação – e doenças.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, em janeiro deste ano, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue suspeitas da prática de genocídio e de outros crimes por parte de autoridades do governo de Bolsonaro, devido à situação enfrentada pela comunidade Yanomami.

A Lei 2.889/1956 diz que o genocídio é caracterizado pela “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, por meio de atos como: “matar membros do grupo; causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”.

No mesmo mês, ao assumir o governo, o presidente Lula anunciou uma série de medidas que visam socorrer os povos que vivem na área Yanomami. Os quadros de subnutrição severos são difíceis de serem revertidos e levam meses de tratamento. De acordo com o último informe semanal de saúde do Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami, de janeiro a 7 de junho foram registradas 129 mortes na área, a maioria (43,4%) entre crianças de até quatro anos. A principal causa das mortes são doenças infecciosas, principalmente pneumonia.

Crianças indígenas Yanomami, no Norte do Brasil. | Foto: Divulgação

Com uma área de mais de 9 milhões de hectares, em um perímetro de 3.370 km, a Terra Indígena Yanomami está localizada na Amazônia Legal e ocupa parte dos estados de Roraima e Amazonas, na região Norte do Brasil, fazendo fronteira com a Venezuela. O território, homologado por decreto presidencial em 1992, sobrepõe três unidades de conservação: o Parque Nacional Pico da Neblina, o Parque Estadual Serra do Aracá e a Floresta Nacional Amazonas.