“Não se dorme com medo da barragem estourar”, diz ambientalista de Crixás

14 julho 2023 às 22h00

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A sirene de emergência que tocou na segunda-feira, 10, às 10h da manhã, acendeu o sinal vermelho sobre a grande barragem Serra Grande, localizada próximo a cidade de Crixás, no Norte de Goiás. A Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados (OAB) do município relatou ao Jornal Opção uma série de problemas que podem estar relacionados à mineração na região. Em resposta, a Anglo Gold Ashanti informou que a desativação da barragem está em andamento.
O reservatório de resíduos foi construído pelo método de montante. Isto é, o mesmo adotado nas barragens que se romperam em Mariana e Brumadinho. Por isso, em 2021, a Justiça determinou a desativação. Para efeito de comparação, a barragem Serra Grande possui 474.608,99 m², quase o dobro da que existia no município de Brumadinho (250 mil m²), que varreu o distrito de Córrego do Feijão.
A barragem, de acordo com a Anglo Gold, está 464,64 m (Máximo Maximorum) do nível do mar, enquanto a cidade de Crixás se encontra a 458 m. Diferente do distrito de Brumadinho, que a formação foi atribuída à instalação de uma unidade da mineradora da Vale, historicamente, Crixás foi habitado há quase três séculos. As primeiras explorações na região foram atribuídas ao bandeirante Manoel Rodrigues Tomás, companheiro de Bartolomeu Bueno, o Anhanguera. Isso é datado entre 1726 a 1734. No entanto, Crixás apenas se tornou município em 1954.
A chegada da mineradora foi há três décadas. De acordo com moradores, após a instalação houve diversos impactos na cidade, entre eles a instalação de diversas placas avisando sobre os riscos de acidentes. Mas, além disso, eles relatam que há aumento periódico de habitantes e registros de muitas doenças.
A sirene emergencial disparada, considerada acidentalmente, trouxe outro problema, o pânico. “Não se dorme. Por que não se dorme? Porque a população tem medo de qualquer momento a barragem estourar”, afirmou ao Jornal Opção o presidente da Comissão Ambiental da OAB de Crixás, o advogado Guilherme Dietz.
Ele cita que há registros de muitas doenças respiratórias e cânceres, as quais o ambientalista suspeita estar ligada com a exploração de minério no município, que gera muita poeira. “Há grande quantidade de câncer de pele, câncer na cabeça, de pessoas que morrem por silicose pulmonar”, enumera o advogado. Guilherme e outros advogados suspeitam que houve uma explosão na região, de acordo come eles, antes do alerta foi sentido um tremor de terras.
Para o presidente da OAB Crixás, Rumenigge Dietz, o sensor da barragem não é disparado de forma involuntária, pois é automatizado. “Qual é o grande temor aqui da população? Na verdade, a gente não sabe o que está acontecendo, porque nossa barragem aqui, conforme as análises que fizeram, por mais que ela seja uma barragem mais seca, que não é igual a de Brumadinho. O risco dela se romper é alto”, disse. “Precisamos de mais clareza sobre a situação por parte da empresa,” cobra o advogado, responsabilizando a inércia da prefeitura sobre a situação.
O diretor da OAB de Crixás, Dagner Machado, entende que há dependência da população em relação à empresa, que, por isso, não existe tanta oposição, mas que o alerta mostrou problemas de insegurança, apesar de haver um plano de emergência deste ano. Mas, para ele, o episódio demonstrou o despreparo da empresa. “Há 300 a 400 veículos da mineradora para resgate e nenhum veículo foi de encontro com a população, para orientar as pessoas”, denuncia.
Em resposta sobre o caso, o prefeito do município, Carlos Seixo (Cidadania), afirmou que esteve na barragem e descartou qualquer risco de rompimento. “Adianto que não há nenhum dano estrutural na barragem, onde pude acompanhar toda estrutura junto com o vice-prefeito Tiago Dietz, presidente da câmara de vereadores, Maurinho, representante da comunidade Rômulo e equipe da defesa civil de Crixás”, acentuou.
Respostas da mineradora
Acerca do suposto tremor de terras antes da sirene, a Anglo Gold Ashanti rebateu: “Não houve nenhuma detonação próximo do horário do acionamento indevido da sirene”.
Em relação à evacuação da população da cidade em caso de rompimento da barragem, a empresa informou que há treinamentos com a comunidade são realizados anualmente e contemplam seminários teóricos e simulados práticos. “Os últimos realizados foram: 16 e 17/05/2023 (seminário) e 19/05/2023 (simulado). Além disso, a cada dois meses são realizados testes audíveis para verificação do funcionamento do sistema de comunicação de emergência”, cita trecho da nota.
Em breve análise pelo Google Earth, foi possível notar um acúmulo de sedimentos no meio do reservatório da barragem (imagem). A mineradora esclareceu que “esses locais são de obras do processo de reconformação da barragem, considerando o projeto de descaracterização para seu fechamento”.
Para mitigar os impactos ambientais e sociais, a Anglo disse que fez investimentos na região nos últimos anos. “A Operação Serra Grande investiu R$ 3,7 milhões na gestão ambiental em 2022. Entre as diversas ações, destacamos: recuperação de 3,8 hectares de áreas degradadas próximas dos cursos de água; 3,1 mil mudas nativas do cerrado foram plantadas nas Áreas de Preservação Permanente; mais de 3 mil mudas foram doadas ao município e moradores de Crixás. Por meio do Programa de Educação Ambiental (PEA) realizamos atividades voltadas para a conscientização ambiental, mantendo um diálogo sobre temáticas socioambientais de forma educativa e interativa. Somente em 2022 foram cerca de 2 mil participantes”, acentua.
A empresa lembra também que no passado destinou mais de R$ 450 mil de investimento social em Crixás. Dentre os quais voltados para projetos culturais, socioambientais, esportivos, de saúde e voltados para crianças, adolescentes e idosos. “Vale citar ainda o valor de R$ 164 milhões investidos em compras com fornecedores locais, ajudando a girar a economia local, além dos R$ 16 milhões pagos em taxas e impostos ao município”, acrescentou.
Fiscalização
A Agência Nacional de Mineração (ANM) informou ao Jornal Opção que uma equipe da superintendência de Goiás esteve vistoriando a barragem, na terça-feira, 11, mas que ainda não concluiu a análise. O órgão não soube responder se houve alguma explosão na região, que possa ter provocado o alerta de emergência. Cabe ressaltar que após a visita, os servidores goianos decidiram aderir à greve nacional da categoria, que teve início em março deste ano. O que pode demorar mais tempo para conclusão do que realmente aconteceu na mineradora para disparar a sirene.
O Ministério Público de Goiás (MP-GO) afirmou que acompanhou o caso e que no mesmo dia do incidente (segunda-feira,10) teve uma reunião com a empresa responsável pela barragem. Estevirem presentes a promotora de Justiça de Crixás, Ana Paula Ferreira Gomes, gerentes setoriais da AngloGold Ashanti e técnicos do MP e da mineradora. “Após, foi instaurado um procedimento extrajudicial para acompanhamento da atualização do Plano de Ação de Emergência e da regularidade da Declaração de Estabilidade da Barragem, bem como para apuração e ressarcimento de eventuais danos sofridos pela população local”, citou a assessoria de imprensa do órgão.
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