Grupo se reúne contra lei goiana que estabelece escuta de coração de feto antes de aborto

14 janeiro 2024 às 18h07

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Recente legislação goiana, sancionada na última semana, estabelece que o Estado estabelece fornecimento às gestantes ultrassonografia que inclua os batimentos cardíacos do feto antes do procedimento de aborto. Lideranças feministas questionam a constitucionalidade dessa lei argumentando que ela alimenta um processo de revitimização das mulheres violentadas. Isso porque na própria lei brasileira, o aborto é legalmente permitido em apenas três situações: gestação resultante de violência sexual, risco à vida da mulher e anencefalia fetal. Cabe ainda lembrar que em Goiás o Hospital Estadual da Mulher (Hemu) é a única instituição na rede pública autorizada a realizar o procedimento.
Diante de tudo disso, nesta segunda-feira, 15, um coletivo que se posiciona contra essa lei fará reunião remota com feministas de Goiás, profissionais da saúde, defensores dos Direitos Humanos às 19h.
Uma das organizadoras do movimento, Geralda Cunha, afirma que a vida das mulheres está sempre sob ameaça. “As convenções sociais ditadas pela religião aliada ao poder político e vice-versa é o que importa. Neste caso, todo e qualquer argumento baseado no senso comum, na moral e nos bons costumes, é mais importante que as vidas das mulheres. O Brasil ocupa o 4° lugar em morte materna causadas pelos abortos clandestinos. Faltam políticas públicas que garantam os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, no entanto, de quando em vez, os políticos usam do oportunismo para emplacar leis que violentam as mulheres”, critica.
Geralda conta que em 2013, quando publicou o artigo – As mulheres, a igreja, os políticos e o estado laico – reacionários pressionavam por uma lei que colocava abaixo garantias previstas no Código Penal vigente deste 1940. Agora em janeiro de 2024, novamente “deparamos com a aprovação de uma lei, que de novo, violenta a vida das mulheres, negligenciando, camuflando um grave problema social, e não prevendo investimentos em políticas de prevenção a violência sexual”, afirma.
Especialistas em saúde e em direito que conversaram com o Jornal Opção afirmaram que essa lei goiana fere o princípio da dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, III da CF/88) e o Art. 5º, III da CF/88, pois submete a gestante – que diante das hipóteses legais ou corre risco de vida, ou foi abusada sexualmente – a tratamento desumano ou degradante.
Além disso, eles explicam que existe já o Decreto 7.958/13, que estabelece diretrizes para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual por profissionais do SUS, que indica a realização de um atendimento humanizado, respeitando a dignidade da pessoa, a não discriminação, sigilo e privacidade; além de propiciar um ambiente de confiança e respeito à vítima.
Lei semelhante já foi elaborada em outras unidades da federação. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS) se manifestou sobre o assunto afirmando em parecer que essas leis que delimitam tal prática violam o direito e pretendem sujeitar a mulher, vítima de violência sexual, a uma nova violência.
“Pode-se notar o total desconhecimento do regramento jurídico nacional ao qual a proponente, ao apresentar tais projetos de lei, se debruça em uma cegueira deliberada. Ao formular tal projeto legislativo, tergiversando sob justificativa inconsistente, objetiva claramente propagar medidas que desestimulem – a qualquer custo e sem qualquer embasamento técnico – o exercício de um direito por parte das vítimas de violência sexual”, diz trecho de documento da OAB RS. Procurada na tarde deste domingo, a OAB GO informa que deve ter uma resposta sobre o assunto amanhã, 15 de janeiro.
A justificativa para a lei estadual, apresentada pelo ex-deputado estadual Fred Rodrigues (DC), destaca que o objetivo seria de prevenir casos de aborto ilegal que possam prejudicar a saúde pública e os direitos à vida. O projeto foi aprovado pela Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) em dezembro e sancionado pelo governador Ronaldo Caiado (UB) em 11 de janeiro.
Além de estabelecer as diretrizes para a campanha, a nova legislação designa 8 de agosto como o Dia Estadual de Conscientização Contra o Aborto. A campanha, que ocorrerá ao longo do ano, incluirá palestras sobre a problemática do aborto, com a participação das Secretarias da Saúde e da Educação, visando conscientizar crianças e adolescentes sobre os riscos associados à interrupção da gravidez.
A lei também enfatiza informações sobre métodos contraceptivos e promove atividades para sensibilizar a população sobre os direitos do nascituro, o direito à vida e as implicações penais do aborto ilegal.
A controvérsia em torno do texto se intensifica, especialmente em relação a uma das diretrizes que exige que “o Estado forneça, assim que possível, o exame de ultrassom contendo os batimentos cardíacos do nascituro para a mãe”. A legislação não especifica ainda como isso será implementado, nem se aplicará a todas as gestantes ou apenas àquelas que expressarem interesse na interrupção da gravidez.
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