Álcool e drogas: busca por ajuda cresceu 320% em Goiás
27 fevereiro 2022 às 00h00

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Dados do SUS relacionam o aumento significativo no consumo de bebidas ao isolamento social provocado pela pandemia
Ultrapassar a linha tênue que há entre consumo recreativo e a dependência de álcool e drogas, não se trata de apenas um passo, mas na maioria das vezes é um caminho sutil que leva do lazer e enfermidade. No último ano um número significativo de pessoas se viram em uma situação de abuso de substâncias químicas e precisaram a recorrer à ajuda do SUS para receber um tratamento adequado.
Um levantamento do Ministério da Saúde, mostra que os atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso abusivo ou dependência de álcool e outras drogas aumentaram 11%, no Sistema Único de Saúde (SUS), durante o ano passado. Mas o recorte para Goiás mostra um cenário ainda mais preocupante para o Estado.
Em 2020, os ambulatórios em Goiás atenderam a 2.220 pacientes com transtornos provocados pelo uso de álcool e drogas. Esse número saltou para 9.708 em 2021. A busca por ajuda teve um salto de representa 323% de um ano para o outro.
Pacientes do sexo masculino são a maioria dos usuários atendidos pelo SUS. Quando listado por faixa etária, o maior índice está entre aqueles que possuem de 25 a 59 anos. Ao todo 1.856 dos pacientes atendidos em 2020 tinham essa faixa de idade. O número de pessoas desde grupo que buscou ajuda em 2021 mais que triplicou, chegando a 7.814.
Desde 1967 o alcoolismo
é considerado uma doença crônica
pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
As autoridades sanitárias apontam que esse aumento na procura pelo atendimento em ambulatórios está associado a pandemia. Segundo foi divulgado pelo Ministério da Saúde, o aumento do último ano pode ser um indicativo de que, após evitarem ir a estabelecimentos de saúde durante todo o ano de 2020, com medo de serem infectados pelo novo coronavírus, mais pessoas voltaram a buscar atendimento médico em 2021.
Mas quem lida com o atendimento diário de pacientes que buscam ajuda em razão da dependência de álcool e drogas, a pandemia foi além de uma barreira para busca de ajuda. Especialistas apontam que o isolamento social também foi a motivação para iniciação no consumo das substâncias, assim como para o aumento das doses e frequências daqueles que já faziam o uso.
Sueli Almeida Neves Sousa é assistente social, área em que possui mestrado e que também pautou toda sua formação acadêmica e profissional. Atualmente ela atua como coordenadora geral do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Noroeste, em Goiânia. Diariamente ela presencia situações em que pacientes com dependência de álcool ou drogas busca por ajuda. É a partir dessa vivência que ela afirma categoricamente que houve aumento significativo na busca por ajuda, e que essa situação está relacionada a pandemia.
“Falta de trabalho, de renda e, principalmente, de perspectiva de futuro, são fatores que chegaram com a pandemia e que provocou em uma parcela da população uma busca maior pelo álcool e outras substâncias”, avalia Sueli Almeida.
Na perspectiva da assistente social, não foram só os impactos sociais e econômicos da pandemia que criou um ambiente propício para o aumento do consumo de álcool de drogas. Sueli avalia que, ao ficar mais tempo em casa, sem um convívio entre amigos ou em ambiente de trabalho, as pessoas se apegaram mais a bebidas. “Um dos maiores entretenimento neste período foram as lives, onde se observava a presença do uso do álcool, inclusive pelos artistas. Esse foi um recado. Não tínhamos de socializar, então uma das opções foi uso do álcool”, exemplifica.
A facilidade do delivery é uma herança da pandemia.
O aplicativo Zé Delivery, braço de entregas Ambev,
fez 27 milhões de entregas de bebida em 2020.
Quem bebia no happy hour, passou
a estocar bebida em casa.
A assistente social explica que a dependência de álcool de drogas não se trata de vício, mas sim de um adoecimento, que ocorre de forma gradual, conforme avança o uso frequente e abusivo das substâncias. Em razão disso, quanto mais gente se tem consumindo o álcool, por exemplo, maior é o percentual de pessoas que se tornarão pacientes com necessidade de ajuda profissional para lidar com a situação. Sueli cita alguns estudos ao relatar que de cada 100 pessoas que usam álcool ou outra droga, 93 não terão nenhum tipo de problema, os outros sete terão algum comprometimento que gera a dependência.
“Nestes 7% a droga vai afetar vida da pessoa, mas não é só fisicamente. É principalmente psicossocial. Essa é uma situação que não é fácil de identificar – nem mesmo para o próprio paciente”, conta Sueli Almeida. “Essa é uma situação que cresce muito na juventude. Veja que o álcool fica no organismo de 8 à 15 dias. Daí tem esse discurso de beber socialmente, mas se os jovens entram em um ritmo de beber dentro período, normal pela frequência de festas e eventos sociais, haverá sempre a substância em seu organismo e por vezes a família não consegue identificar a gravidade da situação”, complementa.

A relação do aumento do consumo de álcool de drogas com a pandemia também é confirmada gerente de Saúde Mental da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás, Helisiane Fiqueiredo. Ela é Doutora e Mestre em psiquiatria, e possui especialidade em detecção do uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas, aponta que as pesquisas revelam aquilo que já é sentido nas portas dos ambulatórios. “As pessoas que já faziam uso dessas substâncias, passaram a abusar e aumentaram significativamente durante a pandemia. Isso, claro, motivado por todas as circunstâncias que vivemos nos últimos dois anos.”
Helisiane aponta que a presença do poder público nas questões da saúde aumentou durante a pandemia, ou seja, os investimentos no setor houveram um incremento, e também chegou até as unidades destinadas a pacientes dependentes químicos. A gerente de Saúde Mental, aponta que há no Estado 93 Caps. Embora nem todos possuam a especialidade em álcool e drogas, essas estruturas são a porta de entrada para os tratamentos. “Nunca foi tão necessário falar sobre a saúde mental como agora. Em razão da pandemia é oportuno a oferta dos atendimentos de maneira ampla.”
Recaídas
Apontado como doença crônica, o alcoolismo é uma enfermidade que influencia principalmente em aspectos comportamentais, tornando o indivíduo tolerante à intoxicação do produto no corpo e gerando abstinência quando é retirado. Para quem está no front no atendimento aos pacientes, a impressão é que quem já tinha um consumo desequilibrado de álcool antes da pandemia se aproximou da dependência nos últimos meses. Mas há também aqueles que já haviam recebido tratamento adequado e conseguido reduzir os danos do álcool e drogas em suas vidas, entretanto, com os impactos sociais da Covid, acabaram por ter recaídas.
Dados do IBGE divulgados em junho de 2021 apontam
que a produção de bebida alcoólica cresceu 17,6%
nos primeiros quatro meses do ano passado
em comparação com o ano de 2020
“Muitas pessoas interromperam seu tratamento. Outras se viram em um nível de vulnerabilidade que acabaram por ter um retrocesso em relação ao tratamento”, narra Sueli Almeida.
Pessoas em situação de rua
Quando há falhas em outros setores sociais, os reflexos são sentidos no aumento do consumo de álcool e outras drogas. Sueli Almeida aponta, por exemplo, a falta de moradias e como isso é sentido nos ambulatórios.
“Uma grande parcela dos que buscam por ajuda nos Caps são pessoas que perderam seus lares. Estão nas ruas, sem nenhum tipo de apoio. São pessoas que precisam de uma atenção que vá além do tratamento para o consumo de álcool ou drogas. Precisa de uma política social mais ampla, de moradia, emprego e renda”, avalia a assistente social.
Sueli Almeida, relata haver casos em que pacientes procuram pelos Caps não só pelo atendimento médico e multidisciplinar ofertado nas unidades, mas por estarem necessitados de um abrigo. O tratamento recebido por esses pacientes visa reabilitação por meio da reinserção social e de dar condições para retomar a vida. Mas para isso é preciso uma rede de proteção que apresenta falhas, e muitas das vezes o paciente retorna imediatamente para situação de rua.
“São pessoas sem vínculo com a família. Na maioria dos casos esses familiares esperam algo que o paciente não consegue corresponder. Falo da população LGBT, população negra e aqueles com baixo nível de escolaridade. Muitas vezes faltam-lhes as oportunidades. São falhas que resultam a dependência dessas substâncias (álcool e drogas)”, enfatiza Sueli Almeida.
Segundo a Organização Pan Americana de Saúde (Opas), anualmente, cerca de 85.032 mortes
são atribuídas exclusivamente ao consumo do álcool. A maior parte destas mortes
aconteceu em usuários com menos de 60 anos. As principais causas de óbito
relacionadas à dependência do álcool foram por doença hepática (63,9%)
e distúrbios neuropsiquiátricos (27,4%). O Brasil, sozinho, corresponde
a 24,8% de mortes que possuem o álcool como um fator importante.
Caps – AD
Os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas são unidades de saúde feitas para atender gratuitamente quem precisa tratar o alcoolismo. O acompanhamento é realizado através de médicos, psicólogos e terapeutas. Também há abertura para a participação da família.
Quando o paciente mora em uma cidade que não tem o Caps – AD, pode procurar um Caps tradicional (que cuida da saúde mental) ou uma unidade básica de saúde de seu município para fazer o tratamento. Se houver necessidade de internação, é o próprio Caps que faz a solicitação e encaminha o paciente para alguma das instituições associadas.
Em Goiânia há Caps AD Noroeste. A unidade faz o atendimento 24 horas, todos os dias da semana. Ele fica localizado na Rua VMR Esquina com Rua São Domingos QD. 33 e 34 LT. 01 n° 01– Setor Vila Mutirão I. Os contatos podem ser feitos pelo telefone: (62) 3524-3497 ou pelo email [email protected]
Credeq
O Centro Estadual de Referência e Excelência em Dependência Química, em Aparecida de Goiânia (CREDEQ – Prof. Jamil Issy), é uma unidade da Rede de Atenção Psicossocial do Estado de Goiás, com oferta de tratamentos em regime ambulatorial e de internação, articulados com os demais serviços do sistema de saúde. Presta atendimento aos casos graves e de alta complexidade em dependência química (adicção), por meio da regulação estadual.
É uma unidade de reabilitação e não prevenção. Além das ações de assistência aos usuários e as suas famílias, por meio de programas de reinserções familiar, econômica e social, realizam-se atividades para a qualificação de profissionais da saúde, por meio da Residência Médica, e Pesquisa & Ensino sobre a temática da dependência química. O CREDEQ é um hospital capacitado para diagnosticar, tratar e realizar o acompanhamento longitudinal (curto e longo prazo) dos pacientes. É um hospital de psiquiatria especializado em dependência química.
A unidade fica na Avenida Tanner de Melo, S/N – quadra gleba 02, lote parte 02, Fazenda Santo Antônio Aparecida de Goiânia. O contato pode ser feito por meio dos telefones: 3952-5500 ou (62) 3952-5501. Também pelo email: [email protected]
Alcoólicos Anônimos
O grupo de ajuda mútua é referência no apoio ao alcoólatra que quer parar de beber. Ninguém paga nada para participar de uma reunião e um dos grandes princípios é o sigilo. Presente no Brasil há 80 anos, o Alcoólicos Anônimos possui reuniões em quase todas as cidades do Brasil.
Em Goiânia e região metropolitana há vários grupos. O contato pode ser feito por meio do telefone: (62) 3223-0445