Crise econômica mundial pode desacelerar a produção de commodities em Goiás
15 setembro 2019 às 00h00

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Em um primeiro momento, o volume de exportação física não diminuirá se a crise for curta; se persistir, haverá forte redução na produtividade

O colapso econômico mundial previsto para 2020, ou no mais tardar, 2021, pelo economista americano Nouriel Roubini, pode levar o empresariado goiano a retirar ou diminuir os investimentos na produção de commodities agrícolas e minerais, pilares da economia goiana. Esse arrefecimento resulta em desemprego no campo e na cidade, quedas sucessivas nos índices de consumo, que desmonta outro pilar mantenedor de impostos para o Estado: o comércio.
O economista americano enxergou sinais de recuo puxados, principalmente, pela indústria automobilística, geradora de milhares de empregos no mundo todo, e o efeito para o declínio seria a guerra comercial entre Estados Unidos e China. A incerteza sobre o futuro da economia global é outro elemento que, na teoria de Roubini, deve acentuar a segurada nos investimentos e derrubar a expectativa de crescimento.
Para o presidente da Federação do Comércio de Goiás (Fecomércio), Marcelo Baiocchi, o estado já passa por uma retração econônomica bastante visível quando se delimita o foco, por exemplo, ao comércio, que decai dia-a-dia com o fechamento de pequenas empresas, como salões de beleza, padarias, oficinas e outros, porém, “nada ainda catastrófico”, como frisa Baiocchi.
O empresário do ramo imobiliário assegura que o setor de comércio e serviços, grande empregador, representam 45% da economia goiana, apesar de o estado ser tradicionalmente baseado no agronegócio. “As consequências de uma recessão mundial serão desastrosas para Goiás porque não atingiriam, basicamente, o setor primário do estado, o agronegócio, mas seriam generalizadas em toda a cadeia de negócios”, assevera Baiocchi.
Um outro fator que pode fortalecer a crise no estado é a condição de grande fragilidade em que o governo estadual se encontra no âmbito das contas públicas, segundo argumentos do economista Everaldo Leite, não podendo realizar investimentos públicos nem conceder novos incentivos para atrair investimentos privados. “O Estado não conseguiria escapar de uma forte recessão caso o Brasil sofresse os impactos negativos da crise do mercado internacional. Os preços futuros das commodities cairiam certamente e os produtores goianos se sentiriam desestimulados a aumentar a produtividade para os próximos anos”, avalia o economista.

Goiás, sendo um Estado pequeno, não consegue influenciar em quase nada na melhoria do cenário nacional e o impacto de uma crise sobre as receitas públicas pode piorar ainda mais esse quadro, elevando os problemas fiscais, segundo Everaldo Leite.
O Doutor em Economia pela Universidade Federal de Brasília e professor da PUC-Goiás, Jeferson de Castro Vieira, explica que Goiás deve buscar novas parcerias e novos mercados, além de investir pesado na industrialização e melhoria na qualidade dos produtos exportados. “O desafio para Goiás é entrar na competitividade com valor agregado. Não dá para pensar só na exportação de soja in natura, mas é preciso olhar também para a produção de milho, algodão e açúcar”, sugere Castro.
Período entre crises econômicas estão diminuindo

O economista Jeferson de Castro diz que os estudiosos da economia perceberam uma redução no período entre uma crise e outra. Há cerca de 80 anos, as crises se intercalavam num período de 20 em 20 anos. Mais recentemente, esse período caiu para 15 em 15 anos e de um tempo para cá, reduziu para 10 anos. A última grande crise mundial aconteceu em 2008 nos Estados Unidos, ainda não superada.
Jeferson chama a atenção para a intensidade das crises desde a revolução tecnológica, chamada de “ponto com”, em meados dos anos 1990. O acesso à internet acelerou a globalização econômica e as relações de dependência entre países. E a globalização mostrou o lado ruim da economia compartilhada: afeta um, afeta todo mundo. “A crise que o Roubini prevê é ainda mais forte do que a de 2008 porque envolve o mundo todo”, ressalta.
Há outro fator, segundo o economista, influente no desaquecimento do consumo global: o endividamento dos países e das famílias; e muito forte no Brasil. Situação similiar acontece com as famílias norte-americanas, empobrecidas na crise de 2008, e que não conseguiram soerguer. “O poder de compra do americano hoje não é o mesmo de 2008”, explica Castro.
Para a realidade brasileira, não dá para mais para acreditar em “marolinha” como consequência ecconômica. Jeferson diz que o Brasil está inserido na economia globalizada.
“O debate hoje é a proporção da crise e quais instrumentos as autoridades mundiais vão usar para freá-la. O Brasil terá muita dificuldade se não melhorar o investimento em Educação, Tecnologia e competitividade de seus produtos. E vamos ter dificulade em vender as commodities agrícolas e minerais porque a industrialização brasileira ainda é precária diante da mundial”, opina Jeferson de Castro.
Diante dos indícios, Roubini afirmou em seu artigo que “é fácil imaginar como essa situação pode levar a uma implosão em escala do sistema de comércio global”.
Guerra comercial
Para a economista e analista de investimentos da Bolsa de Valores brasileira, Greice Guerra, a tendência mundial de desaceleração é alimentada guerra comercial entre Estados Unidos e China. “Quando os americanos colocam tarifas e sanções para outros países, como a China, o mundo sente porque impacta diretamente os mercados de capitais e, principalmente, as bolsas de valores no mundo. A tendência dos investidores é não investir em lugar nenhum”, analisa Greice.

Roubini diz em seu artigo publicado no periódico Financial Times, na primeira semana de setembro, que a redução da taxa de rendimento dos títulos públicos americanos precedeu a crise de 2008. A mesma redução foi oficializada pelo governo de Donald Trump em agosto deste ano. Para Roubini, sinal forte de crise pela frente.
Há dinheiro americano investido em aplicações com juros negativos. Já são mais de US$ 15 trilhões aplicados nesses investimentos negativos, sinal de que os investidores procuram segurança e não mais o lucro desenfreado, como analisa Nouriel Roubini. Segundo Greice Guerra, os índices econômicos impactam diretamente os mercados mais frágeis como o Brasil, a África, e economias em desenvolvimento.

Um pano de fundo da crise seria o crescimento econômico chinês – sem precedentes – e sem previsão de desaceleração que deixa os Estados Unidos em alerta, na avaliação do economista Salatiel Correia. “Os chineses sabem quem querem ser daqui a 50 e 500 anos e qual papel querem exercer no mundo. Houve planejamento estratégico do governo chinês para um crescimento a longuíssimo prazo e de forma sustentável. Isso assustou o mundo. A China cresce, em média, de 6% a 8% ao ano”, avalia Correia.
Porém, Greice Guerra adverte que “o mercado chinês não é muito confiável. Eles não se preocupam com o resto do mundo. A China pede um navio carregado de carne brasileira, por exemplo, e suspendem a compra antes mesmo do navio chegar ao país asiático se cismarem com alguma coisa. Eles não têm ética comercial”.
Segundo Everaldo Leite, o ciclo de valorização e crescimento de papéis nos EUA esticou em muito o que se poderia chamar de período normal de um ciclo financeiro. A inversão entre as taxas curta e longa dos títulos públicos americanos, em agosto, mostrou a fragilidade em que se encontra essa situação, com a forte queda do S&P 500, um dos mais importantes índices das Bolsas dos EUA.
“Ao reduzir os juros básicos, o FED [sistema de reserva federal americano] demonstrou uma preocupação efetiva com um provável desaquecimento da economia estadunidense e colocou os agentes econômicos em todo o mundo em estado de alerta. Mas não há pânico ainda. A guerra comercial entre China e EUA pode ser revista pelos dois países, que acredito não são suicidas, e isso faria o mundo retomar um fluxo positivo de comércio”, espera Everaldo Leite.
Além disso, a crise dos Estados Unidos com o Irã, que tem gerado muitas incertezas, “também pode ser negociada e revertida, visto que um desfecho mais crítico seria péssimo para todo o mundo”, considera Leite.
O “Brexit”, segundo o economista, merece também certa atenção e deverá ser superado no médio prazo via acordos. “Se, numa visão mais otimista, essas variáveis políticas e institucionais forem solucionadas o mundo não entra em recessão, caso sejam levadas a ferro e fogo daí uma crise mundial será instalada”, observa.
Economia brasileira não tem solidez para enfrentar a recessão global

Num contexto de crise econômica mundial, o Brasil sofreria impacto titânico, segundo Everaldo Leite, já que ainda se encontra sob a forte ressaca do colapso das contas públicas. As reformas trabalhista e previdenciária mudam para melhor a perspectiva para o futuro, mas não são suficientes para estimular investimentos e retomadas na produção no curto prazo, avalia o economista. “O consumo cresce de modo muito medíocre e ele representa dois terços do PIB”.
Para a economista Greice Guerra, a economia brasileira não tem solidez para enfrentar a força que a crise promete ter. “O Ministério da Economia não segura o país porque a economia brasileira não é sólida o suficiente e a recuperação econômica está morosa”, salienta.
E caso o Congresso Nacional aprove a medida de taxação sobre movimentação financeira, uma espécie da extinta CPMF, “a economia brasileira tende a piorar com a política financeira de aumento de impostos, que, por consquência, aumenta a inflação, aumenta a taxa de juros Selic, o dinheiro brasileiro fica mais caro e os investimentos se retraem ainda mais”, sublinha Greice, que complementa dizendo que “o governo precisa aprovar reformas estruturantes, como a tributária, mas sem colocar o setor produtivo para pagar a conta, com essa taxação para depósitos em dinheiro e pagamentos com cartão de débito e crédito”.
A construção civil, grande empregadora do Brasil, continuará tocando devagar suas atividades enquanto o estoque imobiliário não diminuir significativamente, algo que não se sabe quando irá acontecer, avalia Everaldo Leite. “A taxa de desemprego, portanto, deverá continuar alta e a renda média do brasileiro deverá continuar caindo por mais algum tempo”, prevê.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem apoiado algumas medidas keynesianas de estímulo ao consumo (liberação de FGTS, diversificação de taxas etc.), mas de forma insuficiente, não chegando a sustentar um novo crescimento. “Com essa lentidão e gradualismo o Brasil, se pego pelo ciclone da recessão internacional, possivelmente despenca para um estado de depressão, o que levaria também a um colapso político, se levarmos em consideração a nossa situação de crise desde 2014”.
Questionado se Nouriel Roubini vai acertar sobre a nova crise global, Everaldo Leite diz que “ele segue as evidências que estão bem discutidas no mercado. Se não houver uma reação política dos governos do EUA e da China para evitar a recessão, o economista estará certo novamente. Ele enxerga corretamente o comportamento da maré, mas, como sempre, não oferece uma exatidão sobre quando a recessão se iniciará e qual a sua real proporção”.