Goiano defende o gol do Brasil na “Copa do Mundo” dos padres
25 março 2017 às 11h45

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Carlos Gomes defende o time nacional na Clericus Cup, torneio organizado pelo Vaticano com 18 equipes de ordens religiosas de todo o mundo

Elder Dias
Todo sábado, é preciso encarar o frio de 10 graus e treinar. “Já esteve pior, mas para nós, brasileiros, esse tempo é sempre difícil, né?”, diz ele. O campeonato está aí, no outro dia tem confronto contra os sul-africanos do Mater Ecclesiae e não será moleza até o fim: afinal, em dez edições da Clericus Cup, o Colégio Pio Brasileiro não passou de um 3º lugar, em 2010. A Clericus Cup é considerada a “Copa do Mundo dos padres”. O torneio é disputado anualmente em Roma por seminaristas e sacerdotes de vários institutos religiosos que geralmente têm uma nacionalidade específica.
Neste ano, um goiano está fechando o gol do Colégio Pio Brasileiro, a “squadra brasiliana” na capital da Igreja Católica: o time alcançou a classificação antecipada às quartas-de-final graças a seus “milagres”, entre eles uma cobrança de pênalti defendida no tempo normal, a cinco minutos do fim, garantindo o empate por 1 a 1. Do outro lado, batido na disputa de “calcio di rigore” (pênalti, em italiano), estava o Vaticano-Anselmiano, o time da casa. O jogador em questão, de que trata o primeiro parágrafo da matéria, é o padre Carlos Gomes Silva, 37 anos, um baiano (nasceu em Santa Maria da Vitória) que fez a vida em Goiás e serve à Arquidiocese de Goiânia.
Carlos – ou Silva, seu nome de jogador para as redações dos jornais italianos – está em Roma desde agosto do ano passado, para um doutorado em Direito Canônico que o deixará por ainda três anos longe do calor do Brasil. “Mas vou passar as férias aí em julho deste ano, tenho muita saudade de meus pais”, manda avisar, e completa, risonho: “Coloca aí que eu estudo muito, também, senão o povo pensa que só vim pra jogar bola…”.

É a primeira vez que ele disputa o campeonato e se mostra surpreso com a repercussão e a organização. “Não esperava que fosse assim. Tudo é muito bem estruturado e as condições de jogo aqui são perfeitas, parece um tapete”, referindo-se ao gramado de um dos campos do centro de treinamento da Roma, o principal time da capital e um dos maiores da Itália. A final será disputada no lendário Estádio Olímpico da cidade.
Criada em 2007, pelo cardeal Tarcisio Bertone, o auxiliar “número 1” do papa Bento XVI, a Clericus Cup tem rendido holofotes mundo afora, especialmente na Europa. Disputada por 18 agremiações, o torneio se estende de março até maio, com uma parada durante todo o mês de abril: o período da Páscoa é reservado para um maior recolhimento.
A intenção da competição é unir os religiosos católicos sob uma égide um pouco esquecida, a do esporte. Em outros tempos era até tradicional que padres praticassem futebol, mas isso foi se perdendo. Fanático pela modalidade, o cardeal Bertone teve a ideia de criar um campeonato entre os diversos colégios das ordens. Hoje, o torneio já tem respeitabilidade e atrai cada vez mais a atenção da imprensa. Grandes jornais da Itália – como “Corriere della Sera” e “Gazzeta dello Sport” – e de outros países (o espanhol “Marca”, especializado em esportes, entre eles) estão acompanhando de perto a 11ª edição do torneio. Mesmo a Rede Globo já fez material especial com o time brasileiro. A correspondente Ilze Scamparini, veterana de coberturas da Itália e do Vaticano, esteve em um dos treinos da equipe. Um dos entrevistados foi o goleiro. “Devemos aparecer no ‘Fantástico’ deste domingo”, anuncia. Na verdade, a previsão era de já ter sido matéria da edição passada, mas a Operação Carne Fraca atropelou o trabalho de Ilze, bem como várias outras pautas previstas para a revista eletrônica daquela semana.
Há algumas adaptações nas regras convencionais do futebol para o campeonato da Igreja. Uma delas é que não existe o cartão vermelho, mas, sim, o azul. Em vez de ser expulso, o jogador faltoso ou indisciplinado é retirado de campo por cinco minutos. “É o tempo que ele tem para esfriar a cabeça, rever sua postura e voltar arrependido”, relata Carlos. “Bem mais cristão”, complemento, do outro lado da conversação. O padre-goleiro ri do comentário.
O futebol está presente na vida de Carlos Gomes desde a adolescência. A Itália, também. Torcedor do Atlético Clube Goianiense, o padre conheceu a Europa ainda jovem. Seu pai espiritual era um sacerdote italiano, Salvatore Filia, que deixou família na Sardenha para se tornar um missionário no Brasil. “Minha formação humana plena foi dada por ele, meu mestre, aquele que me fez olhar o mundo com olhos mais fraternos.” Tocar no nome de seu inspirador emociona o padre-goleiro, que, em sua primeira incursão no Velho Mundo, quase virou profissional do futebol em Cagliari, cidade da ilha em que Salvatore nasceu.

Outra bela experiência com o futebol ocorreu anos atrás, mais precisamente em 2010, quando ele foi um dos fundadores do Batinas Futebol Clube, o time dos padres da Arquidiocese de Goiânia. Desde então, a equipe faz partidas regularmente, principalmente na região metropolitana da capital – agora sem o goleiro principal, que, aliás, já tinha trocado de posto na escalação, passando a atuar na linha.
Ao lado do goleiro pegador de pênaltis, outro goiano – e também da família Silva: padre Anevair, da Diocese de Anápolis, que estava como pároco em Pirenópolis antes de ir para a Itália. Mas o destaque na mídia internacional é uma feliz coincidência em termos de propaganda para a seleção brasileira de padres: há um Neimar (assim, com “i” mesmo) entre eles. Só a posição que não tem nada a ver com a do craque do time de Tite: o homônimo sacerdote é volante. “De qualquer forma, ele nem teve como jogar direito ainda, está machucado.” Pelo menos o nome do contundido serviu para jogar mais foco no Colégio Pio Brasileiro.
A média de idade do elenco está em 35 anos. O jogador mais novo é Alisson, da Diocese de São José do Rio Preto, de 29 anos, e o mais velho o padre Cássio, de Osasco, com 40. “Este é um craque, nosso camisa 10”, salienta Carlos. Pode parecer uma média alta, mas é uma constante entre os times. “Os americanos são mais novos, média de 26 anos, correm bastante, mas não têm muita habilidade”, diz. Perigosos são os nigerianos. “Esses são novos e talentosos.”
Mais uma curiosidade da Clericus Cup é o time belga, vencido pelos brasileiros na 1ª rodada, por 2 a 1. O Chape Cusmano Belga usa verde, ideia do técnico da equipe, o padre brasileiro Adenis de Oliveira, que é de Chapecó (SC), para homenagear o clube da terra natal. Outra particularidade: só há um jogador nascido na Bélgica. Sem problema: diante do ideário cristão, a bandeira importa bem menos que a solidariedade. É esse o espírito da Clericus Cup.