Maia se movimenta para roubar o protagonismo de Guedes nas reformas econômicas

30 junho 2019 às 00h00

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Presidente da Câmara dos Deputados elabora projeto de reforma tributária que pode suplantar propostas do ministro da Economia

Com recentes polêmicas no Palácio do Planalto e com o presidente da república distante dos temas econômicos, Rodrigo Maia (DEM) se movimenta para ocupar politicamente o nicho das grandes reformas que deverão ocupar o parlamento no segundo semestre. O presidente da Câmara dos Deputados já afirmou que, tão logo a reforma da Previdência for aprovada, será instalada a discussão pela reforma tributária para a qual tem seu projeto preparado. O colegiado que debaterá a legalidade das mudanças nos impostos já foi formado, mas ainda não atua para não prejudicar a tramitação da reforma da Previdência.
No tempo em que a reforma da Previdência ia e vinha entre as comissões do Congresso, crises se instauraram e o presidente da Câmara se indispôs com o Ministro da Economia, Paulo Guedes, por conta da alterações no relatório da Previdência dentro do Congresso. Ambos trocaram ofensas pela imprensa, buscaram reconciliações frustradas e, mais recentemente, usaram a mídia para trocar afagos, às vésperas da votação da reforma da Previdência.
No período de desacordo entre Executivo e Legislativo, Maia montou uma equipe de economistas para desenhar versões de reformas paralelas às propostas da Presidência. O presidente da Câmara aposta que, caso suas pautas sejam aprovadas, a população se lembrará de que foi o Legislativo, e não o Executivo, quem escreveu as reformas. Bernard Appy, Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Samuel Pessôa trabalham no que a revista Veja apelidou de “Calendário Maia”, uma agenda de projetos que o presidente da Câmara fará tramitar independentemente do apoio do governo.

O primeiro páreo acontece pela reforma tributária. De um lado, há a proposta nascida na equipe de Jair Bolsonaro, escrita pelo secretário da Receita Federal, o economista Marcos Cintra. O texto, que cria o chamado de Imposto Único, foi apresentado por Paulo Guedes e tem como principal apelo a redução dos custos de administração do governo por meio da eliminação da exigência de notas fiscais, guias de arrecadação, declaração de bens, declaração de renda e outros. Em seu site, o economista Cintra explica que isso é possível ao se cobrar alíquota de 1% sobre transações bancárias.
O título “imposto único” se deve à junção de impostos declaratórios federais, estaduais e municipais em um só, além da cobrança de tributos diretamente no fim da cadeia de consumo. Com o consumidor pagando impostos no caixa do supermercado, incorporados ao preço do produto, coíbe-se a sonegação e a produção é aliviada de encargos.
No entanto, a medida está longe de ser consensual. O economista Walter Marin expõe pontos de discordância no texto: “A tributação justa atua sobre a renda, os bens de consumo e o patrimônio, de forma progressiva. Na proposta do Cintra, o imposto incide sobre quem ganha menos; 1% de imposto no quilo de carne representa fatia grande no patrimônio de um pobre e pouco na de um rico. Isso é regressivo, aumenta a desigualdade.” Walter Marin faz questão de lembrar, ao final de sua fala, que é a igualdade completa não é desejável em uma sociedade justa, mas que a acentuação do abismo social deve ser evitada no código tributário.

Rodrigo Maia sabe das divergências causadas pela reforma tributária, conforme revelou à Exame: “Enquanto a Previdência divide a sociedade e unifica a federação, a tributária unifica a sociedade e divide a federação”. Apoiado pelo presidente da Câmara e ciente do interesse de Estados produtores em incentivos fiscais, Bernard Appy escreveu uma proposta que tem a assinatura formal do deputado federal paulista Baleia Rossi (MDB) e é mais radical do que a apoiada pelo governo. Criando o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), Appy extinguiu ainda mais impostos (principalmente federais) e pretende apresentar um sistema de distribuição que acabaria com guerra fiscal entre unidades federativas.
O texto é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19 e é o único a extinguir o ICMS, principal fonte de captação dos estados. A medida, entretanto, desoneraria empresários e diminuiria a burocracia. Com o IBS, Estados produtores seriam compensados de alguma maneira, já que incentivos fiscais seriam extintos junto com os impostos. A pauta que concorrerá com a de Cintra tira responsabilidades dos Estados e municípios, de modo que estes precisarão de menos fiscais e auditores.

Entretanto, a proposta submetida por Baleia Rossi também não está livre de críticas. Segundo o economista Everaldo Leite, a atual concentração da receita nas mãos da União é um problema maior do que a própria carga tributária. “Cada município sabe melhor qual investimento precisa e, por isso, a redistribuição da receita só funcionará se municípios puderem fazer gastos obrigatórios e sobrar para investimentos. Como atualmente o governo federal é provocado por prefeituras e Estados a participar de projetos, acontece aquela história do pires na mão.”
O professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) Valdivino de Oliveira concorda com a simplificação gerada pela PEC 45/19, mas não ao custo da autonomia de entes federados. “O projeto de Bernard Appy tem muitos pontos que são negativos para a sociedade”, afirma o economista. “Tirar a competência de Estados e municípios para coletar seus principais tributos significa centralizar recursos e facilitar bloqueios feitos pela União. Além disso, ao se juntar IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, se eleva a alíquota e gera-se uma proliferação da atividade informal, o que faz com que a carga seja ampliada em cima dos que pagam”.
