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PL das Fake News é criticado como tentativa de restringir liberdades por big techs e defendido como avanço por profissionais do Direito Digital

O Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, é defendido por seus apoiadores como ferramenta para conter a disseminação de desinformação durante as eleições de 2022. Entre seus críticos, políticos alinhados à direita e empresas de tecnologia, é visto como ameaça ao direito de livre expressão. O Jornal Opção ouviu especialistas em direito digital e em inteligência artificial, além de parlamentares, para entender como a tramitação pode transformar a comunicação digital no Brasil. 

O que diz o PL das Fake News

Contenção das fake news: Talvez a principal implicação da lei seja a moderação do conteúdo publicado pelos usuários por parte das plataformas. Atualmente, empresas usam softwares para detectar desinformação sobre a pandemia, as eleições, discurso de ódio, e outros tópicos de interesse público. Estes softwares, entretanto, são considerados “caixas pretas” do ponto de vista da programação. Em outras palavras, não se divulgam relatórios atualizados sobre a tecnologia usada para remover postagens e mensagens. 

A lei determina que as mídias sociais deverão ser transparentes, renovando a cada três meses os informes sobre a metodologia utilizada e sobre os conteúdos e contas retiradas da internet. O texto afirma que deverá ser claro: “o número total de disseminadores artificiais, redes de disseminação artificial e conteúdos patrocinados destacados, removidos ou suspensos, contendo a devida motivação, localização e processo de análise e metodologia de detecção da irregularidade.”

Redes Sociais: O PL 2.630/2020 responsabiliza as empresas provedoras das plataformas de comunicação pela desinformação disseminada nelas e facilita a identificação de usuários. Atualmente, para criar uma conta em redes sociais, é necessário apenas um endereço de e-mail ou número de celular. Com a nova legislação, as empresas de tecnologia devem solicitar a apresentação de documento de identidade. O PL das Fake News determina que a automatização de contas em redes sociais deve ser assumida. Isto é, perfis podem utilizar robôs, desde que admitam explicitamente. 

WhatsApp e Telegram: Outra importante mudança para o período eleitoral diz respeito ao número máximo de vezes que uma mensagem pode ser encaminhada por aplicativos de mensagem privada como WhatsApp e Telegram. Atualmente, não há limites. Com aprovação do PL, um mesmo recado poderá ser enviado para até cinco usuários ou grupos e, em período eleitoral, situações de emergência ou de calamidade pública, a restrição reduz para apenas uma vez. Serviços de mensagens também ficam obrigados a armazenar registros de mensagens compartilhadas em massa por três meses.

Usuários não serão punidos: As punições vão para as empresas mantenedoras das plataformas digitais cujos usuários violam as normas. A multa é de, no máximo, 10% do faturamento da companhia.

Vai funcionar?

Celso Camilo é doutor em Inteligência Artificial e professor da professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e professor visitante na Carnegie Mellon University (EUA). O cientista da computação afirma: “O combate às fake news não é tarefa fácil para nenhum governo, pois a mensagem tem características ambíguas e essa não é uma decisão automática simples. Assim, qualquer regra legal não será completa no objetivo de eliminar fake news. No entanto, para tentar mitigar o problema, as medidas deveriam ser voltadas para três dimensões: educação do leitor-cidadão; melhoria nos mecanismos de detecção de fake news das plataformas e canais de mídia; punição dos autores.”

“Fazer o leitor avaliar o canal de comunicação por onde está recebendo as informações é uma forma de mitigar a invasão de desinformação”, diz Celso Camilo | Foto: Divulgação

Neste sentido, o PL 2.630 pode de fato colaborar, por reforçar o segundo ponto citado por Celso Camilo. De forma geral, a traria benefícios ao exigir maior transparência das plataformas de redes sociais, especialmente sobre o conteúdo patrocinado. “Mas também traz problemas”, diz ele. “A divulgação dos mecanismos para combater a desinformação usados pelos canais de mídias digitais permite que pessoas mal intencionadas entendam como a proteção é feita e como se pode burlá-la. Por fim, a obrigação de representante legal no Brasil facilita o cumprimento de medidas legais e investigativas.”

Celso Camilo lembra ainda que o projeto exige maior transparência quanto às campanhas de impulso à conteúdos, mas não cria alternativas para aqueles que julgarem as campanhas antiéticas. “Um elemento que poderia ser contemplado pelo PL é dar a opção ao usuário de provedores de redes sociais ou mensagerias a não receber conteúdo patrocinado. Ou, pelo menos, poder escolher as marcas e conteúdos que aceita receber. Fazer o leitor avaliar o canal de comunicação por onde está recebendo as informações é uma forma de mitigar a invasão de desinformação e aumentar o senso crítico.”

O que pensam as empresas de tecnologia

Nesta sexta-feira, 11, o presidente do Google Brasil, Fabio Coelho, publicou uma carta em reprovação ao texto do projeto 2630/20. Na semana anterior, representantes do Facebook, Instagram, Twitter, Mercado Livre e novamente Google já haviam assinado uma carta conjunta repudiando a proposta. 

Segundo as empresas, a lei pode tornar as plataformas menos seguras ao obrigar a divulgação de informações estratégicas que poderiam ser usadas por pessoas mal intencionadas. Segundo a carta de Fabio Coelho, divulgar a metodologia utilizada para detectar fake news é oferecer um “guia” sobre como contornar as proteções dos sistemas a pessoas mal intencionadas. 

Além disso, Fabio Coelho critica a restrição ao uso de dados de usuários: “Se o texto atual do projeto de lei for aprovado, milhares de pequenas e médias empresas no Brasil – muitas delas ainda se recuperando da crise causada pela pandemia – terão dificuldades em aumentar suas vendas com a ajuda da publicidade on-line. Isso porque o projeto de lei impede as plataformas de publicidade de usar informações coletadas com o consentimento dos usuários para conectar empresas com potenciais consumidores. Dessa maneira, os anúncios digitais podem gerar menos vendas e as empresas pequenas terão de investir mais para alcançar o mesmo número de clientes, ou seja, ficará mais difícil para elas prosperarem.”

Por fim, o presidente do Google Brasil desaprova a obrigação de remunerar conteúdo jornalístico publicado em suas plataformas: “[O PL] obriga pagamento pelo ‘uso’ de ‘conteúdo jornalístico’, sem definir o que seria este ‘uso’ ou o que seria ‘conteúdo jornalístico’. […] Ferramentas de busca poderiam acabar sendo forçadas a remunerar qualquer site que alegue produzir conteúdo jornalístico, apenas por exibir pequenos trechos de conteúdo, com os respectivos links para suas páginas indexadas da web.”

Direito Digital e pragmatismo

Advogado e consultor jurídico na área de regulação e tecnologia, Fernando Abdelaziz é especialista em Direito Digital e Inovação. O advogado afirma que o PL 2630/20 tem, de fato, o potencial de restringir a circulação de fake news, e destaca a importância de ser pragmático ao ouvir as críticas emitidas em carta pelas big techs. 

“Era previsível que essas empresas seriam contrárias a qualquer proposta de regulamentação de suas atividades”, afirma Fernando Abdelaziz. “Mesmo que haja problemas no texto (que precisam ser corrigidos), alguma regulamentação é necessária em nosso cenário de ano eleitoral e pandemia. Atualmente, nas redes sociais, qualquer pessoa pode dizer o que quiser sem ser responsabilizada. Pessoas públicas, principalmente, encontraram aí um ambiente para fazer o que não se tolera em qualquer outro ambiente.”

Fernando Abdelaziz lembra o que disseram as empresas de tecnologia sobre o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14). Houveram prenúncios do fim da neutralidade da rede e da inovação digital – temores que se provaram infundados. “Precisamos avançar na regulamentação das plataformas, que se tornaram entidades paraestatais. Basta olhar para as últimas eleições americanas. Vimos a capacidade das redes de influenciar o futuro de um país cuja democracia é sólida e, mesmo assim, ficou exposto a influências de pessoas mal intencionadas.”

“Temos de ser pragmáticos”, diz Fernando Abdelaziz. “Temos de encontrar um caminho que garanta proteção de instituições e pessoas sem inviabilizar a atuação das redes e dos empreendedores que hoje dependem exclusivamente delas”. O especialista em direito digital critica a limitação do projeto às redes sociais e afirma que o texto precisa ser mais abrangente, englobando também websites e marketplaces, que ainda carecem de regras claras. 

Tramitação

O PL 2630/20 tem autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), e foi aprovado pelo Senado Federal ainda em junho de 2020. Em debate na Câmara, o texto sofreu diversas alterações e teve tramitação arrastada. Para valer ainda para as eleições presidenciais, a lei precisa deferida pelos deputados, voltar ao Senado, passar por sanção presidencial e ser publicada no Diário Oficial da União até o dia 2 de julho.  

Segundo o Correio Braziliense, cobranças vindas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pressionaram o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a colocar a votação da ferramenta para coibir a disseminação de notícias falsas em pauta. Arthur Lira se reuniu com o relator do projeto, o deputado Orlando Silva (PCdoB), e defendeu que o texto tramite em regime de urgência – sem discussão, com votação em plenário. 

O deputado federal Vitor Hugo (União-GO) afirma que, em geral, textos polêmicos passam por período de debate para que um meio-termo entre as diferenças de opinião seja encontrado. “Caso o texto vá para a votação da forma que está, o meu voto e o do meu partido será ‘não’”, diz o deputado. Ele comenta que suas discordâncias com o conteúdo atual são naturais, pois o relator é membro do PCdoB. Em seu ponto de vista, a lei irá restringir a liberdade de expressão ao responsabilizar redes sociais pelas postagens publicadas. 

Já o deputado Rubens Otoni (PT-GO) diz esperar que os últimos ajustes no texto, a serem feitos pelo relator, “respondam ao interesse do TSE e também da maioria do Congresso, que é a criação de uma regulamentação para o debate político eleitoral na internet.” Segundo Rubens Otoni, o projeto é prioridade e só não será votado em regime de urgência caso os líderes dos blocos não cheguem a acordo sobre o conteúdo do relatório final.