Cel. Washington Luiz Vaz Júnior: “Ainda há donos de boates que não procuram os Bombeiros para fazer a certificação”

08 março 2023 às 20h57

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A última pesquisa realizada em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou o Corpo de Bombeiros como a instituição mais confiável para os brasileiros, com 87,1% de aprovação. “Um levantamento nos colocar como a instituição mais confiável só nos dá mais responsabilidade. Somos vocacionados a servir pessoas, essa é a nossa principal missão”, afirma o coronel Washington Luiz Vaz Júnior, atual comandante do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (CBMGO).
No Brasil, a instituição foi criada em 2 de julho de 1857, quando, por decreto, Dom Pedro II implementou o bombeiro da Corte, em virtude de vários incêndios ocorridos na época. Por esse motivo, o imperador foi consagrado o patrono dos bombeiros e essa data é vista como a da fundação do Corpo de Bombeiros no Brasil.
Portanto, a criação do profissional bombeiro se deu com um único objetivo: apagar incêndios. Em Goiás, a primeira equipe foi criada cem anos após o ato de Dom Pedro, em 1957 – quando o bombeiro ainda nem era bombeiro efetivamente, pois os homens pertenciam à Polícia Militar. Por causa de alguns incêndios verificados no Estado, 12 oficiais foram escolhidos para fazer um treinamento em Minas Gerais. A partir daí, foram se formando vários grupos até que em 1988, com a nova Constituição Federal, criou-se uma autonomia institucional e a corporação passou a “andar sozinha”. Criou-se assim, de forma definitiva, o CBMGO.
Apesar de ter sido estabelecido em princípio somente para controlar incêndios, na atualidade o Corpo de Bombeiros possui um vasto leque de atuação, que inclui, entre outras, a Defesa Civil, salvamentos, captura de animais, resgates, vistorias, inspeções a partir de atividades técnicas e projetos sociais.
Militar com 24 anos de corporação, o coronel Washington Luiz Vaz Júnior tem um currículo respeitável, já tendo estado à frente de vários batalhões pelo Estado. Há 11 meses como comandante, ele diz que a atual posição é um reconhecimento pelos anos de serviços prestados em Goiás. “Sou filho de bombeiro, meu pai é major da reserva. Eu digo que, na verdade, não tenho ‘apenas’ 24 anos na corporação, mas 44 anos, porque desde pequeno eu ia com meu pai para o quartel. Então, eu vivo isso, respiro isso desde criança”, pontua.
Nesta entrevista exclusiva para o Jornal Opção, o comandante fala de várias ações e projetos que estão sendo implementados em todo o Estado, inclusive da criação de mais unidades em várias cidades de Goiás. Ele detalha também o amplo trabalho do Corpo de Bombeiros e mais propostas a realizar.

A minimização de acidentes se deve à atividade técnica da corporação
Novos projetos
“Apresentei ao governador Ronaldo Caiado (UB) um projeto chamado Capilaridade, que trata da expansão do Corpo de Bombeiros, hoje com 65 unidades em 45 municípios do Estado, para que tenhamos mais 45, fazendo gestão de recursos humanos e reduzindo a quantidade de homens nas unidades que serão abertas. Isso se dará com emendas parlamentares e parceria com as prefeituras. Nossa meta é chegar a esse número nos próximos 48 meses”, garante. O coronel ressalta que o CBMGO possuía uma estrutura acanhada na área de saúde para a corporação e, em sua gestão, está sendo construída a primeira policlínica para melhor atender aos bombeiros e seus familiares.
De acordo com o comandante, existe um trabalho realizado pelo CBMGO que é pouco falado, mas que é de uma importância única para a população: a prevenção. “A minimização de acidentes se deve à atividade técnica da corporação. O comando de atividade técnica vai às empresas, aos prédios, bares, restaurantes, casas de shows, e faz uma checagem se o sistema preventivo está funcionando. É uma atividade muito importante”, esclarece. Somente em 2022 o CBMGO realizou 40.360 ações preventivas. Em 2023, já conta com 6.302 ações.
Atendimentos
Na área operacional, o CBMGO atua no salvamento terrestre, onde muitas vezes é preciso retirar pessoas das ferragens de veículos e todo esse trabalho é extremamente técnico, com carros cada vez mais cheios de tecnologias, explica Washington. “Têm modelos de airbags que, dependendo do corte que for feito, pode acontecer de abrir, e se ele for aberto em cima de uma vítima que já está traumatizada, poderá levar a pessoa a um colapso e até provocar óbito”.
Os números gerais de atendimentos realizados pelo CBMGO em todo o Estado em 2022, ultrapassam a marca dos 168 mil. No início de 2023, com apenas dois meses, a estatística já impressiona de forma negativa: são mais de 27 mil assistências realizadas pelos bombeiros. Os dados registrados se referem a todo tipo de suporte feito pela corporação.
“Portanto, nossos homens são extremamente preparados tecnicamente para todo tipo de situação. Temos também o pessoal de salvamento aquático, haja vista a grande quantidade de mananciais em nosso Estado. A quantidade de busca e salvamento neste ano já chega a mais de 4 mil. No ano passado, foram mais de 21 mil. Além disso, há também o serviço de emergências médicas, que é feito por terra, mas também por helicóptero; e ainda o aeromédico, feito com três aeronaves para qualquer situação de saúde que esteja regulada dentro do sistema em qualquer parte de Goiás”, destaca. Os traslados feitos pelas aeronaves no ano de 2022 chegaram a 376. Neste ano, já são 33.
Combate a incêndios florestais
Os incêndios são divididos em categorias: incêndio florestais, industriais e residenciais. O coronel Washington Luiz diz que a corporação não se cansa de realizar a sua missão, que é de salvar vidas, bens e o meio ambiente. Ele ressalta ainda que o CBMGO tem evitado grandes queimadas por todo o Estado com o trabalho de prevenção. “Temos a Operação Cerrado Vivo e a Operação Férias, no Araguaia. A Operação Cerrado Vivo tem nove meses de duração, no período de seca. Somente no ano de 2022, foram 6.873 registros, sendo de junho a outubro, os meses com maior número de intercorrências.”
Todo os trabalhos são feitos em parceria com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento (Semad), a Goiás Turismo e demais secretarias. “A corporação está preparada para combater incêndios tanto urbanos como florestais”, informa.
Incêndios em arranha-céus
Para um edifício ser considerado um arranha-céu, precisa ter no mínimo 150 metros de altura, de acordo com a empresa Emporis GmbH, especializada em construções. Segundo ela, das cem cidades do mundo com maior número desses prédios gigantes, o Brasil possui cinco cidades e dentre elas, está Goiânia.

Prédios gigantes são ‘autocombatíveis’, têm tecnologia para combater incêndios em seu interior
No Brasil, existem atualmente dez arranha-céus entre os mais altos do mundo. Goiânia possui dois deles: o Órion Complex, no Setor Marista, com 191,48 metros; e o Kingdom Park Residence, no Setor Nova Suíça, com 181 metros. Há ainda diversos por volta de 150 metros. Pensando em combates a incêndio nesses arranha-céus, logo se imagina que os bombeiros precisam de escadas e mangueiras gigantes para combater o fogo. No entanto, o comandante explica que isso é somente uma ilusão, já que esses novos prédios são preparados com tecnologias avançadas desde sua base até ao último pavimento para combater por si só qualquer foco de incêndio. Em 2022, os bombeiros atenderam a 6.562 chamados para combater incêndios urbanos. Neste ano, o número já chega a 607.
“Para ter ideia, hoje não encontramos no mundo nenhuma magirus (escada para combate a incêndio) que ultrapasse 80 metros. As altas escadas, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não são exatamente para o combate a incêndio direto nem para a retirada de pessoas de forma indireta. Elas são feitas para uso em pequenas edificações, para combates em galerias e em galpões. Na verdade, esses prédios gigantes são o que a gente chama de ‘autocombatíveis’, têm tecnologia para combater incêndios em seu interior, são construídos já preparados para isso.”
O departamento de atividade técnica do CBMGO precisa aprovar os dispositivos de segurança desses edifícios. Um desses projetos é a criação das escadas enclausuradas, que são à prova de fumaça. “Essa escada permite que as pessoas desçam de qualquer pavimento sem ter fumaça dentro daquele ambiente. Ou seja, o andar pode estar pegando fogo e as pessoas estarão saindo sem maiores problemas”, destaca.

Foram nossos cães que fecharam o cerco policial ao fugitivo Lázaro
Trabalho em nível nacional
O CBMGO já participou de operações em outros Estados e também em atividade policial. Entre outros, vale destacar a utilização de cachorros em salvamentos. “Nós temos o tipo de salvamento em que são utilizados os binômios [dupla formada por um bombeiro e um cão], com cães treinados para essa tarefa. Nossos cães hoje são referência nacional em salvamento. Temos postos em Goiânia, Anápolis e Luziânia. O trabalho é feito de acordo com o tipo de ocorrência – se é óbito, se é desaparecimento etc. Existe um cão especifico para cada serviço.” O coronel faz questão de sublinhar o trabalho dos cães na operação de captura do fugitivo Lázaro Barbosa, no Entorno do DF, em 2021. “Uma coisa que não foi divulgada na época é que foram nossos cães que fecharam o cerco policial a ele [Lázaro]. Eles foram identificando a presença de suor e, assim, afunilando o espaço para encontrar o fugitivo, o que facilitou o desfecho da operação”, conta Washington Luiz, para ressaltar que o CBMGO trabalha de forma integrada com as forças de segurança do Estado.
“Podemos destacar externamente os trabalhos em Brumadinho (MG) [município onde, no começo de 2019, cedeu uma barragem de dejetos], onde nossos cães foram essenciais para o resgate de muitos corpos dentro do lamaçal. Também no Recife e no sul da Bahia, em tragédias ambientas, eles foram utilizados, além de equipes com nossos homens e mulheres. Posso garantir que o CBMGO está totalmente preparado, com homens especializados em várias áreas para atender a qualquer demanda, onde for preciso.”
Depressão na corporação
É notório que na Polícia Militar existe um número muito alto de depressão na corporação, talvez pela atividade de alto risco no combate direto com o infrator da lei. No CBMGO, segundo o comandante, isso também ocorre, mas em número menor. “A ansiedade e a depressão são problemas que estão na sociedade como um todo, infelizmente. Usufruímos de um núcleo de integração de saúde e lá temos psiquiatras e psicólogos. Temos multo cuidado e um carinho especial com nossos homens e mulheres e sua saúde mental e emocional. Não é comum para nós a perda de um membro por esse motivo, não há conhecimento de algum bombeiro que chegou ao ponto de tirar a própria vida”, disse.
No entanto, os bombeiros atendem muitos chamados em caso de pessoas que estão em processo de tentativa de suicídio, em todo o Estado. Os números são subestimados, porque tratam apenas dos casos em que os bombeiros são acionados. Porém, mesmo assim, ainda é algo alarmante: em 2022, foram 1.373 ocorrências, com 114 que consumaram o fato. Já em 2023, somente nos dois primeiros meses do ano, já foram 233 chamados, com 12 óbitos. Contudo, vale mais destacar o grande número de pessoas que os bombeiros conseguiram salvar com diálogo e persistência. Em 2022, foram 1.259 vidas salvas e, em 2023, 221 êxitos.
Segurança em boates
O Jornal Opção recentemente mostrou em uma reportagem que algumas boates em Goiânia não estariam respeitando a legislação estabelecida. Por ocasião da tragédia na Boate Kiss em Santa Maria (RS), há dez anos, o Parlamento brasileiro criou uma nova legislação para casas noturnas em território nacional, a chamada Lei Kiss.
Em 27 de fevereiro, o CBMGO deu início à Operação Boate Segura 2023, a qual, no primeiro balanço apresentado, na sexta-feira, 3, constatou um número elevado de casas noturnas funcionando de forma irregular, especificamente sem o certificado dos bombeiros, que é o documento mais importante para a atividade – sem ele, o estabelecimento não consegue o alvará e, consequentemente, não pode funcionar.
“Vivemos dois períodos: um antes da boate Kiss e outro, depois da boate Kiss. Logo após essa tragédia, as leis ficaram muito mais rigorosas, em nossa percepção. Todos os anos, temos operações de fiscalização e vistorias em bares, restaurantes, boates e locais de aglomeração de pessoas. Porém, infelizmente existem proprietários que não nos procuram para fazer a certificação do local e funcionam sem o certificado e sem o alvará. Nesses casos, só ficamos sabendo de algum local que está irregular por meio de denúncias, que, aliás, são muito bem-vindas”, diz. Os canais para as denúncias ao CBMGO são os telefones 193 ou 3286-1500. Ainda é possível fazer o relato pelo site http://www.bombeiros.go.gov.br, todas elas de forma anônima.
O comandante dos Bombeiros ainda informa que, diariamente, são feitas mais de 30 denúncias, que são averiguadas pelos bombeiros e, se o local possuir o mínimo de segurança, o responsável tem um prazo de 30 dias para apresentar toda a documentação exigida. Se, porém, o estabelecimento não dá condições mínimas de segurança, ele é fechado e lacrado imediatamente. “É importante deixar bem claro que, por lei, a responsabilidade é do proprietário. Nosso certificado é de acordo com uma visita de conformidade, ou seja, se estiver tudo conforme o que está previsto na lei, aí sim, é emitido o certificado”, afirma. Vaz explica que a participação do usuário é muito importante nesse processo e conclama os clientes dessas boates a conhecerem a lei para sua própria segurança. Dessa forma, se necessário, podem denunciar aquilo que não estiver de acordo com as regras estabelecidas.
Somente no ano de 2022 foram mais de 67 mil vistorias para funcionamento de algum tipo de estabelecimento. As análises de projeto passaram de 14 mil. Nos dois primeiros meses de 2022, as vistorias passam de 12 mil e as análises de projetos, mais de 2 mil.
Mulheres têm uma pegada técnica e são muito objetivas. Temos bombeiras em todas as patentes
Mulheres no comando
Aproveitando a semana do Dia Internacional da Mulher, o comandante destaca a presença das mulheres na corporação. O número de bombeiras hoje chega a 270. “Em 2000, tivemos a primeira turma de mulheres no CBMGO, com 46. Elas estão preparadas da mesma forma que os homens. Minha esposa é a sargento Victoria Ribeiro Vaz; já temos uma tenente-coronel e, em todas as patentes, mulheres envolvidas nesse trabalho. Elas trouxeram uma pegada técnica. São muito objetivas, elas estão na atividade de treinamento e capacitação”, diz o coronel.
“Temos as que coordenam cursos, operam cursos e ensinam homens a operar, motoristas de viatura e de caminhão. Atualmente, contamos com três comandantes mulheres: a capitã Mírian Lopes dos Reis Araújo, em Uruaçu; a major Gyovana da Cruz Martins, em Planaltina; e a capitã Joyce Ferreira Faria Dias, em Pires do Rio. Há ainda a major Helaine Vieira dos Santos, que é subcomandante regional, e várias que são tenentes e estão em serviços operacionais”, disse.
“Quero ainda fazer menção à primeira coronel da corporação, a coronel Aline Chadud Matoso, odontóloga. Recentemente realizamos um curso para oficiais administrativos e, entre 20 participantes, 5 eram do sexo feminino. Todas passaram e ainda ocuparam a 1ª e a 2ª colocação do curso, mostrando que estão preparadas”. Parabéns a todas as mulheres valorosas e altruístas da nossa corporação e também do Brasil”, finalizou, o comandante do CBMGO.