Assembleia-Geral da ONU aprova resolução para trégua humanitária em meio à incursão em Gaza

27 outubro 2023 às 20h04

COMPARTILHAR
Enquanto Israel realiza uma nova incursão terrestre em Gaza, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou nesta sexta-feira, 27, uma resolução que exige uma trégua humanitária imediata. Liderada pela Jordânia, em conjunto com nações árabes e islâmicas, a resolução recebeu apoio de 47 Estados-membros, incluindo a Palestina. Importante notar que o documento possui caráter apenas recomendatório, não sendo mandatório.
A votação resultou em 120 votos favoráveis, 14 contrários e 45 abstenções. Para ser aprovada pela Assembleia-Geral, que abrange os 193 membros da ONU, uma resolução precisa do apoio de dois terços dos Estados presentes e votantes, totalizando 179 nesta sexta.
O Brasil expressou seu apoio, enquanto 14 países, incluindo os Estados Unidos e Israel, votaram contra, além de Áustria, Croácia, República Tcheca, Fiji, Guatemala, Hungria, Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Papua Nova Guiné, Paraguai e Tonga.
Comparado às quatro resoluções no Conselho de Segurança, o texto da Jordânia se assemelha mais às propostas pela Rússia, apresentando uma linguagem mais contundente contra Israel, sem menções ao Hamas, cujos ataques foram condenados nas resoluções brasileira e americana.
Uma emenda do Canadá, apoiada por 36 Estados, pedia a condenação do grupo terrorista Hamas por ataques e sequestro de reféns, com a exigência de sua soltura imediata e incondicional. Entretanto, a emenda foi rejeitada por não obter dois terços de apoio, com 88 votos favoráveis, 55 contrários e 23 abstenções, incluindo o voto favorável do Brasil.
A resolução final aprovada enfatiza o respeito ao direito internacional, com ênfase na proteção de civis e objetos civis, além do fornecimento de bens e serviços básicos à Faixa de Gaza, como água e combustível.
Ao referir-se a Israel como “Poder Ocupante”, a resolução exige a revogação da ordem de evacuação do norte de Gaza, rejeitando firmemente qualquer tentativa de transferência forçada da população civil palestina.
O embaixador israelense na ONU, Gilad Erdan, classificou a resolução como “ridícula” e a exigência de cessar-fogo como “audácia”, reiterando o compromisso de Israel em se defender. Erdan criticou as Nações Unidas, afirmando que este dia será lembrado como uma infâmia na história, dizendo que a organização não tem mais “um pingo de legitimidade e relevância”.
“É dever desse órgão nomear terroristas pelo nome. Por que vocês estão defendendo assassinos? Por que vocês estão defendendo terroristas? O que está acontecendo aqui?”
Frente à preocupação de vários países, inclusive aliados americanos, com a situação humanitária em Gaza, Erdan declarou que Israel está monitorando de perto e não considera a situação uma crise, de acordo com os parâmetros do direito humanitário. Ele criticou oficiais da ONU e outros Estados por confiarem nos números divulgados por autoridades palestinas, que, segundo ele, estão sob controle do Hamas.
A convocação da Assembleia-Geral ocorre devido à paralisia do Conselho de Segurança, a instância máxima das Nações Unidas, composta por 15 membros, dos quais 10 são eleitos e 5 são permanentes, com poder de veto. Apesar de ser responsável pela garantia da paz e segurança internacional, o Conselho falhou até agora em responder à escalada de violência no Oriente Médio.
Quatro resoluções foram submetidas a votação: duas pelos russos, que não alcançaram o mínimo de votos necessários; uma pelo Brasil, que teria sido aprovada não fosse o veto dos Estados Unidos; e outra por Washington, que também teria passado, embora com menos votos do que a brasileira, mas foi vetada por Rússia e China.
“Nós ainda acreditamos que nossa primeira proposta de resolução poderia ter sido o melhor resultado possível para o conselho quando nós a apresentamos”, disse Sérgio Danese, o embaixador brasileiro na ONU, em sessão da Assembleia-Geral desta sexta.
O diplomata não pleiteou um cessar-fogo imediato, ao contrário de outros países que apoiaram a resolução. “Uma cessação das hostilidades é urgentemente necessária, para que condições para um cessar-fogo completo, durável e respeitado sejam criadas”, pontuou.
A representante dos EUA, Linda Thomas-Greenfield, criticou a resolução pela falta de menções ao Hamas e aos reféns, atacando também os russos por apresentarem textos unilaterais e de má-fé no Conselho de Segurança. “Resoluções parciais são documentos puramente retóricos que buscam nos dividir em um momento em que devemos nos unir”, ressaltou.
Ela enfatizou o apoio dos EUA a pausas humanitárias, sem endossar o cessar-fogo exigido pela resolução aprovada. “Diante do cerco, dos assassinatos e do fracasso da comunidade internacional em pedir um cessar-fogo para permitir a entrada de ajuda humanitária, nós expressamos nosso descontentamento com a parcialidade e a seletividade ao lidar com essa crise, e lamentamos a hesitação de apoiar o direito do povo palestino de viver uma vida digna”, disse o representante da Arábia Saudita em um duro discurso.
O representante da União Europeia, Olof Skoog, criticou o uso de vetos pelos membros permanentes no Conselho de Segurança e o fracasso do órgão em cumprir sua missão. Ele apelou contra a desinformação nas redes sociais sobre o conflito.
Ao contrário da assembleia, uma resolução aprovada pelo conselho adquire natureza mandatória, implicando que aqueles que a desrespeitarem podem sofrer sanções. O Brasil está atualmente colaborando na elaboração de uma quinta proposta em conjunto com os demais membros não permanentes, na tentativa de contornar o veto dos Estados Unidos, Rússia e China. Vale destacar que França e Reino Unido também possuem o poder de derrubar resoluções, mas não exercem essa prerrogativa desde 1989.
Esta resolução foi aprovada como resultado da décima sessão de emergência, que teve início em 1997 a pedido do Qatar e tem sido convocada intermitentemente nos momentos de agravamento do conflito entre Israel e Palestina desde então.
Texto aprovado na íntegra:
A Assembleia Geral,
Guiada pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas,
Recordando suas resoluções relevantes sobre a questão da Palestina,
Reafirmando a obrigação de respeitar e garantir o respeito ao direito humanitário internacional em todas as circunstâncias, de acordo com o artigo 1 das Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949,
Recordando as resoluções relevantes do Conselho de Segurança, incluindo as resoluções 242 (1967), 338 (1973), 446 (1979), 452 (1979), 465 (1980), 476 (1980), 478 (1980), 904 (1994), 1397 (2002), 1515 (2003), 1850 (2008), 1860 (2009) e 2334 (2016),
Recordando também as resoluções do Conselho de Segurança sobre a proteção de civis em conflitos armados, incluindo crianças em conflitos armados,
Expressando grave preocupação com a mais recente escalada de violência desde o ataque de 7 de outubro e a grave deterioração da situação na região, especialmente na Faixa de Gaza e no restante do Território Palestino Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e em Israel,
Condenando todos os atos de violência contra civis palestinos e israelenses, incluindo todos os atos de terror e ataques indiscriminados, bem como todos os atos de provocação, incitamento e destruição,
Recordando a necessidade de respeitar os princípios de distinção, necessidade, proporcionalidade e precaução na condução das hostilidades,
Enfatizando que os civis devem ser protegidos, de acordo com o direito humanitário internacional e o direito internacional dos direitos humanos, e lamentando, a esse respeito, as pesadas baixas civis e a destruição generalizada;
Enfatizando a necessidade de buscar responsabilidade, e destacando a importância de garantir investigações independentes e transparentes de acordo com padrões internacionais,
Expressando grave preocupação com a situação humanitária catastrófica na Faixa de Gaza e suas vastas consequências para a população civil, composta principalmente por crianças, e enfatizando a necessidade de acesso humanitário completo, imediato, seguro, sem obstáculos e contínuo,
Expressando forte apoio aos esforços do Secretário-Geral das Nações Unidas e a seus apelos para acesso imediato e irrestrito de ajuda humanitária para atender às necessidades básicas da população civil palestina na Faixa de Gaza, sublinhando a mensagem do Secretário-Geral de que alimentos, água, medicamentos e combustível precisam ser fornecidos em escala, e expressando seu apreço pelo papel crítico desempenhado pelo Egito a esse respeito,
Expressando forte apoio também a todos os esforços regionais e internacionais destinados a alcançar uma cessação imediata das hostilidades, garantir a proteção de civis e fornecer ajuda humanitária,
Recordando que uma solução duradoura para o conflito israelo-palestino só pode ser alcançada por meios pacíficos, com base nas resoluções relevantes das Nações Unidas e de acordo com o direito internacional,
- Exige uma trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada, levando a uma cessação das hostilidades;
- Exige que todas as partes cumpram imediatamente e integralmente suas obrigações de acordo com o direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional e o direito internacional dos direitos humanos, especialmente no que diz respeito à proteção de civis e objetos civis, bem como à proteção de pessoal humanitário, pessoas fora de combate e instalações e ativos humanitários, e para permitir e facilitar o acesso humanitário para o fornecimento de suprimentos e serviços essenciais a todos os civis necessitados na Faixa de Gaza;
- Exige também o fornecimento imediato, contínuo, suficiente e sem obstáculos de bens e serviços essenciais para civis em toda a Faixa de Gaza, incluindo, mas não se limitando a, água, alimentos, suprimentos médicos, combustível e eletricidade, enfatizando o imperativo, de acordo com o direito humanitário internacional, de garantir que civis não sejam privados de objetos indispensáveis à sua sobrevivência;
- Exige acesso humanitário imediato, completo, sustentado, seguro e sem obstáculos para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo e outras agências humanitárias das Nações Unidas e seus parceiros implementadores, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e todas as outras organizações humanitárias, respeitando os princípios humanitários e prestando assistência urgente a civis na Faixa de Gaza, encoraja o estabelecimento de corredores humanitários e outras iniciativas para facilitar a entrega de ajuda humanitária a civis, e saúda os esforços nesse sentido;
- Exige também a revogação da ordem de Israel, o Poder Ocupante, para que civis palestinos e pessoal das Nações Unidas, bem como trabalhadores humanitários e médicos, evacuem todas as áreas ao norte do Wadi Gaza na Faixa de Gaza e se desloquem para o sul da Faixa de Gaza, recorda e reitera que os civis são protegidos pelo direito humanitário internacional e devem receber assistência humanitária onde quer que estejam, e reitera a necessidade de tomar medidas adequadas para garantir a segurança e o bem-estar de civis e sua proteção, em particular de crianças, e permitir seu livre movimento;
- Rejeita firmemente qualquer tentativa de transferência forçada da população civil palestina;
- Exige a libertação imediata e incondicional de todos os civis que estão sendo ilegalmente mantidos em cativeiro, exigindo sua segurança, bem-estar e tratamento humano em conformidade com o direito internacional;
- Exige respeito e proteção, de acordo com o direito humanitário internacional, de todas as instalações civis e humanitárias, incluindo hospitais e outras instalações médicas, bem como seus meios de transporte e equipamentos, escolas, locais de culto e instalações das Nações Unidas, bem como todo o pessoal humanitário e médico, jornalistas, profissionais de mídia e pessoal associado em conflitos armados na região;
- Destaca o impacto particularmente grave que o conflito armado tem sobre mulheres e crianças, incluindo refugiados e pessoas deslocadas, bem como outros civis que possam ter vulnerabilidades específicas, incluindo pessoas com deficiência e idosos;
- Ressalta também a necessidade de estabelecer urgentemente um mecanismo para garantir a proteção da população civil palestina, de acordo com o direito internacional e as resoluções relevantes das Nações Unidas;
- Enfatiza a importância de prevenir a desestabilização e a escalada da violência na região e, nesse sentido, apela a todas as partes a exercer o máximo de contenção e a todos aqueles que têm influência sobre elas a trabalhar para esse objetivo;
- Reafirma que uma solução justa e duradoura para o conflito israelo-palestino só pode ser alcançada por meios pacíficos, com base nas resoluções relevantes das Nações Unidas e de acordo com o direito internacional, com base na solução de dois Estados;
- Decide adiar temporariamente a décima sessão especial de emergência e autorizar o Presidente da Assembleia-Geral na sua sessão mais recente a retomar a reunião mediante solicitação dos Estados-membros.
Leia também: