Farsa pode ter autorizado obras irregulares da Europark e de mais 300 empreendimentos na capital
28 maio 2015 às 11h28

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Suposta venda de protocolos e abertura de brecha no Plano Diretor de Goiânia teria permitido que incorporadoras encaixassem projetos irregulares

O projeto de construção e as licenças de edificação que autorizaram o início das obras do Condomínio Europark não foram incluídos em anexo da lei municipal complementar 171, de 29 de maio de 2007, que avalizou a construção de novos empreendimentos em Goiânia.
A estimativa é de que mais de 300 construções teriam passado despercebidas por analistas da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Sustentável (Semdus), antiga Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo, Seplam), entre 2007 e 2010.
A maior prova está no documento de número 01º/2007, de 22 de novembro de 2007, que é assinado pela arquiteta Kellen Mendonça Santos, então chefe do departamento arquitetônico do órgão. Atualmente a profissional não está mais lotada na secretaria.
A Europark protocolou a primeira pasta no dia 11 de outubro de 2007, mas sem nenhum documento. Então, a arquiteta solicitou que fossem anexadas plantas baixas dos 311 pavimentos, de situação, de cobertura e fachada, além da autorização do Corpo de Bombeiros para a execução da obra e o decreto que autoriza o remembramento (junção) das glebas, que antes eram lotes.
Esse pedido consta na página 25, mas na página posterior é possível ver carimbo de maio de 2010 considerando o trâmite correto — ou seja, três anos depois, período em que a empresa espanhola e outras multinacionais encaixaram suas propostas de maneira irregular.
Em resposta, a Euroamérica enviou, na época, certidão de registro de 18 de agosto de 2009 com a matrícula do imóvel no cartório da 4ª Circunscrição, em Goiânia.
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Também foi acrescentado decreto de número 2.857, assinado pelo então prefeito Iris Rezende (PMDB), de 3 de julho de 2009, em que teria sido aprovado o remembramento das quadras. Nas entrelinhas, o documento mudava a data de publicação do Diário Oficial do Município (DOM) em que começa a vigorar o Plano Diretor. Em vez de 24 de setembro de 2007, passou a ser válido o dia 26 de julho, quando, na verdade, foi divulgado em 26 de junho.
Na prática, a mudança suspendeu a validade do Plano Diretor por um mês, abrindo janela de 90 dias para que a Euroamérica e outras incorporadoras pudessem se encaixar na antiga lei de zoneamento.
E o que deveria ser feito? Confirmada a falta de papeis, os analistas da antiga Semdus deveriam ter arquivado o processo automaticamente. Contudo, a análise foi travada pelos servidores e retomada em 2010, mas já com o status de aprovado, pois a documentação foi anexada de forma retroativa.
Mas como?
Primeiramente, a partir de decreto número 2.857 baixado pelo ex-prefeito Iris Rezende, em julho de 2009, atendendo ao interesse do Eurogroup Participações e Empreendimentos Ltda. O Artigo 209 da Lei Complementar número 171, de 29 de maio de 2007 (Plano Diretor de Goiânia) — regulamentado pelo Decreto no 176, de 23 de janeiro de 2008 — aprova o remembramento de 12 lotes no Setor Park Lozandes, que somam 7.141,41 metros quadrados. Na prática, a autorização do peemedebista deu aval para a junção das glebas. O resultado foi a extinção das ruas existentes e assim fosse facilitada a construção do condomínio.
Um ano depois, novo prazo foi concedido para que outras empresas pudessem se encaixar e adequar projetos barrados anteriormente. Nova polêmica foi iniciada, pois alegava-se que novos imóveis seriam construídos em áreas proibidas. Inicialmente, a prefeitura assegurou que seriam autorizados cerca de 100 projetos — o que de fato aconteceu.
A partir disso, foi acrescentada lista com 122 habitações coletivas em 28 setores da capital. E justamente na Lei Complementar 204, de 4 de maio de 2010, alterada por Iris Rezende. Ela prorrogou parágrafo único do Artigo 209 que renovou a Lei Complementar 171, de 2007. “Os projetos regularmente protocolados na prefeitura até 22 de outubro de 2007 serão avaliados de acordo com a legislação vigente à época do seu protocolo”, diz o documento, avalizado pelo atual prefeito, Paulo Garcia (PT).
Na prática, os interessados puderam complementar documentação necessária para avaliação até 20 de agosto de 2010. Isso comprova que os papéis da Europark foram inseridos em maio daquele ano, ou seja, três anos depois e de forma retroativa. A fraude teria ocorrido a partir da venda de protocolos na Semdus. A constatação partiu de denúncia que aponta brecha de 90 dias aberta no Plano Diretor de Goiânia e fere as regras do atual regimento, que não permite a verticalização nas proximidades do Paço Municipal.

“Isso é uma prova de que a denúncia é verdadeira. Não havia nada dentro das pastas”, diz o vereador Elias Vaz (PSB), que recebeu as denúncias. Ao apurar os fatos com servidores na secretaria, ouviu deles repostas que considerou impressionantes “Disseram pra mim que viram o anexo [contido na Lei Complementar 204] apenas como ‘referência’ nas análises e que acharam uma ‘injustiça’ conceder o benefício para apenas algumas empresas”, detalhou, completando que o caminho certo a seguir seria o arquivamento dos projetos incompletos.
O artigo 209 da Lei Complementar 204 diz que os projetos regularmente protocolados na prefeitura até 22 de outubro de 2007 seriam avaliados de acordo com a legislação vigente à época do seu protocolo. No entanto, o que ocorreu foi uma simples consulta ao órgão, o que acabou por garantir o decreto legislativo que autorizou o começo das obras.
Já o prazo máximo para que a administração municipal promovesse ou não a aprovação e licenciamento com a emissão do alvará de construção dos projetos referidos passou a ser em 22 de outubro de 2010. O terceiro parágrafo reza ainda que os processos relativos à aprovação e licença de parcelamento do solo não estarão sujeitos à limitação de prazos para sua conclusão, salvo os casos que se constituírem em documento hábil para atendimento do previsto no inciso anterior.
“O que acontece é que se eu fizer uma simples consulta hoje na Semdus com a intenção de construir uma obra em qualquer lugar de Goiânia terei autorização para construir, daqui há alguns anos, em um local não permitido pelo Plano Diretor”, esclarece Elias Vaz.
A janela teria sido aberta no período de 90 dias entre a aprovação da lei no Poder Legislativo e a promulgação da mesma pelo prefeito Paulo Garcia, ainda no mandato tampão de seu antecessor. De acordo com o Artigo 94 da Lei Orgânica do Município uma lei deve ser sancionada ou vetada pelo Poder Executivo em um prazo de 15 dias úteis após passar pela Câmara de Vereadores. Do contrário, ela será sancionada tacitamente. Ou seja, o silêncio do petista fez com que a lei começasse a vigorar.
Avaliando as irregularidades, a oposição na Câmara de Vereadores apresentou decreto legislativo para sustar os efeitos do decreto municipal 176/2008, que autoriza a construção do condomínio residencial. Ao mesmo tempo, foi cogitada a criação de Comissão Especial de Inquérito (CEI) para apurar os casos. O colegiado não foi criado até o momento.
Condomínio
A empresa europeia pretende construir 1069 apartamentos no Setor Park Lozandes, Região Leste de Goiânia, distribuídos em nove torres residenciais. No entanto, o atual Plano Diretor proíbe a verticalização na região. Habitados em sua totalidade, as unidades podem comportar mais de 4 mil habitantes.
Entre 2007 e 2011, ocuparam a secretaria o deputado estadual, ex-vereador e mestre em Planejamento e Desenvolvimento Territorial Francisco Júnior (PSD, que esteve no cargo enquanto a legislação do Plano Diretor foi elaborada e aprovada, em 2007), o engenheiro agrônomo e ex-candidato a deputado estadual Lívio Luciano (PMDB) e o falecido Luiz Alberto Gomes de Oliveira, economista e ex-professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Este último comandava a pasta em julho de 2010, quando as leis foram alteradas novamente.
Na atual gestão está o engenheiro civil Paulo César Pereira, que deixou a Pró-Reitoria de Administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG Goiás) para assumir a secretaria.

Mandado de segurança
Não bastasse a demora de 90 dias para a promulgação e divulgação da lei aprovada pela Câmara de Vereadores no Diário Oficial do Município (DOM) naquela época — o que permitiu abertura de brecha — e a existência das fraudes das pastas sem conteúdo, um último ponto chama a atenção não só da oposição.
Até a base de Paulo Garcia questionou o mandado de segurança interposto pelo Eurogroup Participações e Empreendimentos Ltda e SPE Incorporação Euro Park Setor Ltda contra o Poder Legislativo, na terça-feira (26), para suspender a votação que cassa o alvará de construção do Condomínio Europark. A decisão é do juiz José Proto de Oliveira, da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Goiânia.
“Como assim querem sustar algo que nem existem?”, perguntou Izídio Alves (PMDB), na sessão de quarta-feira (27). Paulo Magalhães (SD), também aliado ao Paço Municipal, falou que o Plano Diretor da capital não será “atropelado” pelo interesse do setor imobiliário. “Alô Ilézio [Inácio Ferreira, ex-presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás]. Aqui vocês vão levar uma coça”, exclamou.
Elias Vaz reclamou do pedido na tribuna e disse que será “vergonhoso” se o Poder Judiciário conceder decisão favorável às empresas. Para defender o decreto apresentado por ele e pelo colega Geovani Antônio (PSDB), vai usar como referência um julgamento de junho de 2013, no Supremo Tribunal Federal (STF). A maioria dos ministros da Corte se manifestou a favor da tramitação da projeto que inibia novos partidos políticos, suspendendo liminar concedida dois meses antes pelo ministro Gilmar Mendes. Anteriormente, o ministro havia sustado o andamento assim que a matéria ao Senado.
Para a oposição, a interferência do mandado de segurança do Judiciário fere a autonomia do Legislativo. Sem contar que o decreto não foi votado, portanto é só uma tese, já que o juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública concedeu liminar para um texto que ainda está tramitando na Câmara. Portanto, a lei não inexiste para o mundo jurídico por não ter sido sequer publicada. Atualmente, a votação do decreto pelos vereadores está sob vistas de três vereadores.
O documento solicita a sustação preventiva e repressiva dos efeitos concretos do decreto legislativo em gestação na Câmara sobre o alvará de construção número 2715/2009 “até o julgamento do mérito deste remédio heroico” — referente ao empreendimento Europark, no Park Lozandes.
O Fórum Goiano de Habitação (FGH), que engloba a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás (Ademi), Sindicato da Habitação do Estado de Goiás (Secovi) e Sindicato da Indústria da Construção do Estado de Goiás (Sinduscon), emitiu comunicado em defesa do mandado de segurança.