Manhã de sábado, 27 de janeiro. Trajando uniformes amarelos, cerca de 50 presos tomam sol no pátio do bloco 4 da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), uma das cadeias do Complexo Prisional em Aparecida de Goiânia. Dois, sentados de cócoras, parecem confabular algo, até que um deles se levanta e grita para os demais: “A cadeia virou!”. Imediatamente, os detentos começam a tirar suas camisas e amarrar no rosto em uma espécie de máscara improvisada. Uma gritaria raivosa começa, e, rapidamente, colchões são empilhados e começam a arder em chamas, enquanto alguns dos presos se penduram nas grades e nos vãos das paredes, em um caos completo. Tem início uma rebelião. Ou quase. 

A cena descrita acima parece apavorante – e é, principalmente para quem acompanhou de perto. No entanto, se tratou de uma situação milimetricamente planejada e organizada pela própria direção penitenciária, com o objetivo de colocar em prática o protocolo de contingenciamento de crise em vigor no sistema prisional goiano. 

A simulação em questão demandou mais de um mês de planejamento, contando com vários setores do sistema penitenciário e de forças externas, como o Corpo de Bombeiros – que esteve presente durante todo o procedimento. Houve, inclusive, o trabalho de um carro de som que ficou por conta de avisar a população local e, com isso, evitar o pânico por conta do barulho.  

O objetivo do evento, considerado um exercício preventivo, foi o de, justamente, simular a reação das forças de segurança diante de uma rebelião de detentos, assim como as etapas para a contenção dela. 

Nenhum ‘ator’ foi usado. Todos os presos na rebelião simulada eram realmente detentos do chamado ‘Módulo de Respeito’, uma espécie de categoria de presos que têm bom comportamento e, por isso, usufruem de alguns benefícios, como o direito de trabalhar e, assim, reduzir sua pena. Todos os que participaram assinaram, ainda, um termo de responsabilidade. 

Assim como os detentos, a força policial que atuou no exercício também foi real. Poucos minutos após a explosão da rebelião – que contou com a atuação fiel dos presos (alguns deles, inclusive, realmente já participaram de motins dentro da penitenciária) -, cerca de 20 homens do Grupo de Operações Penitencíarias Especiais, o Gope, considerado um grupo de elite rigorosamente treinado para esse tipo de situação, marcharam em fila dupla, protegidos por escudos e munidos de cassetetes e armas não letais, para o bloco da confusão, dando início à repressão. 

Assim como numa rebelião real, os membros do Gope adentram o bloco disparando bombas de efeito moral e de pimenta, com o objetivo de dispersar e atordoar os presos amotinados. Uma das ações simultâneas é a extinção do fogo nos colchões, que a essa altura já se transformou em uma enorme fogueira. 

Os policiais agem rapidamente. Atrás dos escudos, eles disparam balas de borracha (que, nesse caso, intencionalmente não acertam os presos) e encurralam os rebelados, os “empurrando” para o fundo do pátio. Os presos, por sua vez, seguem gritando e tentando se proteger dos disparos com alguns colchões que se salvaram do fogo. 

O cheiro da fumaça dos colchões se mistura ao das bombas, enquanto os gritos de policiais e detentos são ouvidos. Poucos minutos depois, estão todos os 50 presos sentados e enfileirados, com as mãos na cabeça e em silêncio. Após uma revista pessoal completa, os policiais os conduzem, em fila dupla, de volta às suas celas. 

A simulação inteira dura cerca de meia hora, e impressiona pelo realismo do que seria uma rebelião de verdade. 

Uma reação para cada situação 

Ao Jornal Opção, Josimar Pires, diretor-geral da Polícia Penal de Goiás, conta que a simulação realizada hoje foi a primeira da história em uma unidade de grande porte (a POG) com a utilização do plano de contingenciamento publicado no início deste ano. “O objetivo é nós treinarmos nossa capacidade de reação e contrarreação aos eventos de crise, e verificar se há alguma falha no nosso processo de contingenciamento para que esse aprimoramento seja cada vez mais perto do [considerado] perfeito”. 

O plano em questão, segundo Pires, se trata de uma “renovação e revisão geral de todos os protocolos, além de uma institucionalização do procedimento” para o controle de situações desse tipo. 

O diretor explica que o evento simulado neste sábado é considerado de ‘nível 3’. Ou seja: é quando há um cenário de motim, que pode ocorrer em mais de uma unidade, em que os presos estejam armados com facas e pedaços de pau e que demanda uma atuação do Gope, por exemplo. 

Há outros três níveis. O primeiro é quando há uma situação pontual e de controle feito pelos próprios servidores, como uma briga de presos. O de nível 2 é registrado quando há uma situação maior, como presos impedindo a entrada de servidores em alguns locais, e que demanda o uso de táticas da Polícia Penal. Já o nível 4, o mais grave deles, é quando há a atuação de grupos externos de propagar o caos, como a tentativa da explosão de um presídio, e necessita do apoio de outras forças de segurança. 

Esse último, inclusive, prevê a existência de reféns. Nesse caso, entra o negociador, que conversa com o detento que ameaça o refém e tenta persuadi-lo a se entregar. De acordo com Josimar Pires, hoje o sistema penitenciário goiano conta com dois negociadores especializados para situações assim. 

Rebeliões em baixa 

A última rebelião no sistema penitenciário de Goiás foi registrada em fevereiro de 2021. Na ocasião, os rebelados chegaram a transmitir o ato em uma live que chegou a 10 mil visualizações simultâneas. Desde então, as únicas situações atípicas foram aquelas de menor gravidade e pontuais, como brigas entre presos e uma ou outra tentativa de fuga (não concretizadas). 

Conforme Josimar Pires, a situação de controle no Complexo Prisional é fruto dos investimentos e do aumento do rigor na fiscalização do sistema e monitoramento dos presos – quase 5 mil, levando em conta os da POG, unidade que tem cerca de 2,1 mil; os da CPP, com 1,7 mil; as detentas da Penitenciária Feminina Consuelo Nasser, que são cerca de 100; do Centro de Triagem, pouco mais de 200 e do Núcleo de Custódia, onde ficam cerca de 50 presos (considerados os mais perigosos, como líderes de facções e traficantes maiores). 

Josimar Pires, diretor-geral da Polícia Penal | Foto: Ton Paulo/Jornal Opção

“O controle efetivo do Estado, o isolamento das organizações criminosas pela Segurança Pública feita nas unidades especiais de segurança máxima, Planaltina é uma delas, fez com que a população carcerária perdesse aquele controle que era feito por líderes de organizações criminosas dentro das unidades regionais, e com isso a gente conseguiu o efetivo controle”, afirma o diretor, que enfatiza que o investimento do Estado resultou em um maior e melhor treinamento das forças de segurança, aquisição de novos equipamentos de controle de acesso e monitoramento e aperfeiçoamento dos planos de contingenciamento de crises. 

Vale destacar que há um novo bloco no Complexo Prisional. Serão 800 vagas para detentos da POG e 800 para os da Casa de Prisão Provisória (CPP), totalizando 1,6 mil vagas a mais. O bloco deve ser entregue já no mês de março.

O cenário anterior aos investimentos e reforço na fiscalização, inclusive, beira o absurdo. De acordo o diretor-geral adjunto da Polícia Penal, Firmino Alves, nos últimos quatro anos a administração penitenciária conseguiu desmontar esquemas internos do sistema carcerário que envolviam montantes de dinheiro e sexo. 

Segundo ele, entre os anos de 2017 e 2018, semanalmente, chegava a circular a quantia de R$ 1 milhão entre os presos, dinheiro que entrava ilicitamente na cadeia e que servia para girar o tráfico de drogas. “Já pegamos um preso com 600 mil reais”, revela. Outra questão trabalhada foi a entrada de celulares. Alves conta que, em 2017, foram retirados 6,8 mil celulares de dentro da cadeia. Em 2023, esse número caiu para 90. 

O diretor adjunto atribui a queda expressiva ao aumento da fiscalização do que entra no Complexo Prisional. Um dos exemplos são as cabines de raio-x presentes na entrada dos blocos e que são capazes de identificar absolutamente qualquer coisa que a pessoa esteja levando – externa ou internamente. 

Alves revela que outro esquema desmontado dentro do complexo foi o do “motelzinho”. De acordo com ele, alguns criminosos já chegavam à prisão com dívidas de drogas. Como não tinham dinheiro, e se aproveitando das visitas íntimas, os presos “negociavam” para que suas mães, irmãs ou até filhas tivessem relações sexuais com os “credores” e, assim, tivessem a dívida quitada. “Isso também acabou. Até porque não tem visita íntima mais”, ressalta. 

Vale destacar que, atualmente, existem quatro tipos de visitas aos presos: a lúdica (voltada para crianças que vão visitar algum familiar preso, e que podem contar com uma brinquedoteca); o parlatório; a presencial e a virtual. Essa última pode ser agendada pelos interessados no Vapt-vupt. 

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