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Faltam menos de três meses para pleito e país enfrenta repressões e disputas assíduas, até violentas, por poder

Foto: Reprodução.

Três meses após a queda de Evo Morales e com uma presidente autoproclamada, a Bolívia enfrenta um cenário de convulsão social. O país irá às urnas no próximo 3 de maio para decidir o futuro e, enquanto isso, o povo enfrenta duras repressões e os políticos investem em disputas assíduas, até violentas, por poder. Apesar dos episódios das eleições de 2019, o partido de Morales — e única sigla de esquerda —, Movimento Al Socialismo (MAS),  representado pelo ex-ministro da Economia Luis Arce , segue na liderança das intenções de voto dos bolivianos.

Após negar a intenção de participar das eleições, a presidente interina, a ex-senadora Jeanine Añez, já anunciou que também será candidata ao pleito. A decisão causou uma crise interna daqueles que viram sua candidatura como uma traição à sua abordagem inicial: liderar um governo de transição que daria lugar à eleição de um novo presidente. Além de Añez, outros oito partidos e alianças fazem uma oposição fragmentada ao MAS.

Evo Morales, que está asilado na Argentina, também pretende estar na corrida eleitoral para o cargo de senador. Nesta semana, o grupo direitista mais forte da Bolívia, o Comitê Cívico de Santa Cruz, declarou que, caso a candidatura receba autorização do órgão eleitoral, haverá “greve cívica indefinida com suspensão de atividades e fechamento de estradas”. 

O líder do Comitê e também candidato à presidência, Luis Fernando Camacho, tornou-se uma figura emblemática nos protestos que culminaram na renúncia de Morales em 2019.

Base da transformação 

Em entrevista ao Jornal Opção, o ativista boliviano Bismark Ludeño, natural de La Paz, declarou que os militantes políticos favoráveis ao MAS se mobilizam para grandes conflitos no pleito. “Há fartos movimentos sociais que se articulam de alguma maneira neste momento, sobretudo com a chegada das eleições. Porque depois do golpe estamos sob emergência. A emergência é que chegou um governo capitalista, que está destruindo a economia absolutamente, em muito pouco tempo”.

O ativista explicou que esses movimentos formam a base do processo de transformação de qualquer país e foram responsáveis pela ascensão de Morales ao poder. Neste momento, lutam pela retomada do MAS, apesar dos lugares militarizados do país tornarem o ativismo uma atividade perigosa. 

“Estamos em um golpe de estado. Então, é proibido falar qualquer coisa contra o governo. O ministro Murillo [Arturo Murillo, o ministro de Governo] é alguém que está perseguindo injustamente todos esses movimentos sociais e reuniões, prejudicando todos que estão se candidatando para o MAS” denunciou Bismark Ludeño.

Apesar da preferência pelo governo de Morales, Ludeño esclareceu que não se alinha ideologicamente ao seu governo e que a Cosmovisão Andina, na qual acredita, estabelece a rotatividade de lideranças. “Todos nós da Cosmovisão Andina, para começar, cremos na sucessão de autoridades a cada ano. Em uma comunidade se vive desta maneira. Alguém é a autoridade este ano e no próximo será outra pessoa. Somos povos de uma autoridade por vez”. Para ele, idealizar Evo Morales e colocá-lo como ”novo Tupac Amaru” foi um exagero dos bolivianos, já que a corrupção também acompanha os governos populistas.

A Cosmovisão Andina da qual Ludeño se refere envolve, principalmente, a ancestralidade e harmonia do ser humano com a natureza, parte do modelo “Viver Bem” que o governo de Evo Morales buscou implementar. O artigo 8 da Constituição Política do Estado (CPE) estabelece princípios baseados em tradições indígenas do país.

“O Estado assume e promove como princípios ético-morais da sociedade plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (não sejas preguiçoso, não sejas mentiroso, não sejas ladrão), suma qamaña (viver bem), ñandereko (vida harmoniosa), teko kavi (vida boa), ivi maraei (terra sem males) y qhapaj ñan (caminho ou vida nobre).” CPE, artigo 8.

Apesar do clima de resistência, Ludeño ressaltou que o panorama para a esquerda não é bom. A direita se articulou para um golpe de estado e, segundo ele, certamente se articulará para garantir as eleições. “É a oligarquia que governa a América Latina, ou seja, são os sobrinhos do Tio Sam” completou.