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Comprar alimentos frescos e saudáveis se tornou um verdadeiro desafio para milhões de brasileiros, especialmente nas periferias urbanas. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, obtidos pela Folha de São Paulo, em 15 capitais do país, ao menos 25% da população vive em áreas classificadas como desertos alimentares — regiões com baixa oferta de frutas, legumes e outros itens in natura. Goiânia, capital de Goiás, também integra esse panorama, com mais de 220 mil moradores enfrentando essa escassez de alimentos saudáveis em seus bairros.

Ao mesmo tempo, cresce no país a presença dos chamados pântanos alimentares — territórios onde predominam estabelecimentos que vendem majoritariamente produtos ultraprocessados, como refrigerantes, bolachas e embutidos e fast food. Nesse aspecto, Goiânia apresenta um índice ainda mais alarmante: mais de 480 mil pessoas estão expostas a esse tipo de ambiente alimentar precário.

Comida fast food | Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

De acordo com os dados da reportagem, Goiânia possui 15,4% da população vivendo em desertos alimentares — o que corresponde a aproximadamente 221 mil pessoas. No entanto, é nos pântanos alimentares que a capital goiana tem um número ainda maior, com 33,5% dos moradores, ou seja, cerca de 482 mil pessoas, convivendo com a oferta predominante de alimentos ultraprocessados. Esses produtos são calóricos, pouco nutritivos e amplamente acessíveis, criando um ambiente que favorece hábitos alimentares prejudiciais à saúde.

Conforme os dados, são 48,9% da população em Goiânia vivendo em desertos ou pântanos alimentares. Veja gráfico abaixo.

Tipo de acesso alimentar em Goiânia | Foto: Arquivo

Em outras regiões do país, o panorama não é mais alentador. Cidades como Manaus, Belém e Rio de Janeiro lideram o ranking dos desertos alimentares, com 52,5%, 47,2% e 45,3% da população afetada, respectivamente. Já em capitais do Sudeste como São Paulo e Belo Horizonte, embora a presença dos desertos alimentares seja menor, os pântanos alimentares têm se tornado tão comuns quanto — ou até mais, como é o caso da capital mineira, com 28% dos moradores consumindo ultraprocessados.

Em São Paulo, por exemplo, existem 490 mil pessoas em situação de pobreza vivendo em desertos alimentares, e outras 199 mil em pântanos.

No Sul do país, capitais como Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre apresentam percentuais relativamente baixos de desertos alimentares (9,7%, 12,3% e 15,9%, respectivamente). Contudo, todas registram mais de 30% da população vivendo em pântanos alimentares. Isso evidencia uma coexistência em que mesmo quando há acesso a alimentos saudáveis, a ampla oferta de ultraprocessados continua sendo predominante, criando um ambiente propício ao adoecimento nutricional da população.

O Nordeste também enfrenta um quadro agudo, com destaque para São Luís (42,3%), Maceió (34,9%) e Salvador (34,5%) nos desertos alimentares. No entanto, os índices de pântanos alimentares permanecem abaixo de 18% na maioria das capitais da região. Já no Centro-Oeste, a situação varia: enquanto Brasília e Cuiabá apresentam percentuais elevados de desertos, Goiânia concentra o maior número de pessoas em pântanos alimentares da região.

A situação se agrava quando se observa o recorte de renda. A plataforma Alimenta Cidades, lançada em 2023 com o objetivo de apoiar políticas públicas voltadas à segurança alimentar urbana, revela que cerca de 25.800 pessoas em situação de pobreza em Goiânia vivem em desertos alimentares. Já nos pântanos, a plataforma mapeia aproximadamente 36.300 pessoas em situação de pobreza e outras 64.800 classificadas como de baixa renda e pobreza. 

O Alimenta Cidades é uma das ferramentas do Governo Federal para enfrentar essa crise. Desenvolvida pela Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e o Grupo de Políticas Públicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq), a plataforma reúne dados georreferenciados que apontam as regiões urbanas com acesso limitado a alimentos saudáveis ou dominadas pela oferta de ultraprocessados. Trata-se de uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), como parte da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades – Alimenta Cidades.

Essa estratégia foi formalizada por meio do Decreto nº 11.822, de 12 de dezembro de 2023, e anunciada na 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O objetivo principal da política é ampliar a produção, o acesso, a disponibilidade e o consumo de alimentos adequados e saudáveis, com prioridade para os territórios urbanos periféricos e as populações em situação de vulnerabilidade social.

No ciclo de implementação, período em que estamos, entre 2024 e 2026, o plano é que 60 cidades brasileiras receberão apoio técnico e institucional do governo federal, e a expectativa é de que esse número chegue a 91 municípios neste ano.

A proposta prevê a implementação de ações como investimentos em cozinhas solidárias, a modernização de bancos de alimentos e o fortalecimento de programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), que conecta pequenos produtores a redes públicas de distribuição alimentar. Trata-se de uma tentativa de reduzir a distância entre quem produz e quem precisa de comida saudável, especialmente nas regiões mais vulnerabilizadas.

A combinação de baixa renda com ambientes alimentares precários têm impactos diretos sobre a saúde da população. “Vários estudos mostram que, se uma pessoa mora num deserto alimentar, ela tem chances mais significativas de ganhar peso ao longo da vida”, afirma o endocrinologista Bruno Halpern, vice-presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica) e presidente eleito da Federação Mundial da Obesidade, à Folha.

Ele alerta que alimentos ultraprocessados, além de mais baratos, são mais acessíveis em regiões pobres, o que amplia a vulnerabilidade dessas populações ao sobrepeso, à obesidade e a doenças crônicas.

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